PT tenta impedir acordo da Petrobras nos EUA

Enquanto investidores brasileiros querem o mesmo benefício, Partido dos Trabalhadores tenta barrar quitação na Justiça

Por Thiago Copetti

Estatal perdeu R$ 115 bilhões em valor de mercado em uma semana
O acordo fechado em Nova Iorque entre investidores e a Petrobras, em janeiro, para evitar um processo movido por acionistas que alegam ter sido prejudicados pela má gestão e pela corrupção na empresa está respingando no Brasil. E pode ganhar novos contornos em breve. De um lado, estão investidores minoritários brasileiros pleiteando obter os mesmos benefícios oferecidos pela companhia nos Estados Unidos. De outro lado, está o Partido dos Trabalhadores (PT) tentando impedir, por meio da Justiça brasileira, que o acordo siga adiante e que a primeira parcela seja paga - o que pode ocorrer a qualquer momento. As ações brasileiras acabaram chamando a atenção do Tribunal de Contas da União (TCU), que passou a acompanhar oficialmente o assunto.
Guilherme Sampaio - um dos advogados autores da ação que tenta impedir a formalização do acordo e que tem como um dos signatários o deputado federal gaúcho Paulo Pimenta (PT) - alega que não se pode penalizar a companhia e o País como um todo. "Além de já ter sido vítima da corrupção, é errado que a companhia ainda tenha que pagar por isso. Os responsáveis pelos crimes é que devem pagar, e o dinheiro deve retornar para a Petrobras", diz o advogado, ressaltando que impedir esse primeiro pagamento, que ainda não tem data certa, é o mais urgente.
Sampaio também defende que o acordo beneficia os chamados "fundos abutres", que compraram ações já após iniciada a Lava Jato, e que, portanto, sabiam do problema e não podem se considerar lesados. "Esperamos apenas a resposta da Justiça do Distrito Federal ao pedido, e também vamos entrar com nova ação no Rio de Janeiro nos próximos dias", diz o advogado.
Fechado no início de janeiro, mas ainda dependente de homologação pela Justiça norte-americana, o acordo envolve o pagamento de quase US$ 3 bilhões (cerca de R$ 10 bilhões) ao grupo de acionistas. Depois do anúncio feito pela petrolífera, a Associação dos Investidores Minoritários (Aidmin) ingressou na Justiça solicitando a extensão do acordo aos investidores brasileiros. Mas, dado o maior número de acionistas brasileiros, a conta aqui chegou a R$ 20 bilhões em indenização pela perda no valor das ações em decorrência de crimes, explica Aurélio Valporto, vice-presidente da Aidmin, que também tenta ressarcimentos por perdas sofridas por investidores, por diferentes razões, na Oi, na JBS e nas companhias de Eike Batista, por exemplo.
Valporto explica que os parâmetros e diretrizes fixados no acordo nos EUA, caso não sejam estendidos aos brasileiros, fere o princípio da isonomia, que prevê direitos iguais a todos os acionistas. É o princípio da isonomia o principal argumento da ação coletiva brasileira proposta por outro advogado, André de Almeida - o mesmo que assina a inicial da class action nos EUA, representando um grupo de brasileiros que investiu na companhia por meio da Bolsa de Nova Iorque. "Imagina se fosse o contrário. Se a Petrobras fechasse um acordo com acionistas brasileiros e não estendesse os mesmos direitos aos acionistas americanos? O recado que a Petrobras está dando, dessa forma, é que a Justiça no Brasil é frouxa", crítica Valporto.
Procurada para falar sobre o caso, por meio de comunicado, a Petrobras afirmou que o acordo "elimina o risco de um julgamento desfavorável, que poderia causar efeitos materiais adversos à companhia e à sua situação financeira". Ou seja, a companhia tenta evitar um prejuízo ainda maior, caso decidisse prosseguir na disputa judicial. Com o acordo, a companhia defende que "põe fim a incertezas, ônus e custos associados à continuidade dessa ação coletiva". A proposta da Petrobras é pagar US$ 2,95 bilhões em duas parcelas de US$ 983 milhões e uma última parcela de US$ 984 mi-
lhões. A primeira parcela deverá ser paga em até 10 dias após a homologação do acordo, e é isso que tenta impedir o PT, com duas ações já impetradas na Justiça.

Nova forma de reajuste dos preços dos combustíveis seria reflexo do acordo

Entre os críticos do acordo feito pela Petrobras nos Estados Unidos, um dos argumentos vigentes é que o investidor brasileiro acabará sendo punido duas vezes. Uma ao ter sido "roubado" e outra pagando a conta para eliminar as perdas aos investidores norte-americanos. Mas há, também, quem diga que a conta negativa pode ser tripla.
O presidente da Comissão de Relações Internacionais da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Estado, Rodrigo Bueno Prestes, alerta para os respingos do acordo da Petrobras nos estados. O caixa para quitar esse débito já começou a ser feito, segundo Bueno, com o bolso de todos os brasileiros.
"Em julho, quando a Petrobras sinalizou que mudaria sua política de preços no Brasil, a ação dos investidores norte-americanos estava ocorrendo e a empresa sabia que precisaria começar a fazer caixa. Com certeza, o modelo de reajustes (pelo valor do barril no mercado internacional) tem relação com o acordo feito posteriormente", avalia Prestes.
O representante da OAB no Estado exemplifica que a política anunciada como necessária para adequar os valores nacionais ao câmbio e às cotações internacionais não estão se justificando plenamente. No dia em que houve a condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no TRF-4, em Porto Alegre, em 24 de janeiro, o dólar caiu, e, no dia seguinte, a companhia aumentou o preço da gasolina em 1,4%, diz o advogado. "Por conta da condenação de Lula, o dólar fechou em
R$ 3,15, a menor cotação em quatro meses. Faz sentido o aumento do combustível subir no dia seguinte?", questiona Prestes.
O advogado critica, ainda, o fato de que o investidor brasileiro que aplicou recursos na Petrobras será triplamente penalizado caso não receba os mesmos benefícios concedidos aos norte-americanos. Primeiro como consumidores, pelo aumento da gasolina a que estarão sujeitos no Brasil; depois, porque o custo do acordo reduzirá os lucros da empresa - e ele receberá menos retorno. Em terceiro lugar, porque será um investidor de "segunda classe", já que estará pagando a conta de outro investidor.

Entenda o caso

Apesar de ter sido iniciada nos Estados Unidos, a primeira ação pedindo ressarcimento a acionistas foi feita por um advogado brasileiro - e para brasileiros - que compraram ADRs da companhia em Nova Iorque.
A chamada class action foi feita pelo advogado André de Almeida, em 2014. O advogado também é autor da ação civil pública para indenização dos acionistas minoritários brasileiros.
No mercado, analistas avaliam que é pouco provável uma vitória no caso brasileiro, o que desestimularia que mais investidores entrem com ações semelhantes. Isso porque o mercado de capitais no Brasil inclui uma cláusula que limita o que acionistas podem buscar na Justiça em caso de perdas após a compra de ações de uma empresa, o que é criticado pela Associação dos Investidores Minoritários (Aidmin).
A Petrobras defende que o acordo atende aos melhores interesses da companhia e de seus acionistas, tendo em vista o risco de um julgamento influenciado por um júri popular, as peculiaridades da legislação processual e de mercado de capitais norte-americano, bem como o estágio processual e as características desse tipo de ação nos Estados Unidos, onde apenas 0,3% das class action chegam à fase de julgamento.