Supremo concede HC coletivo a detentas gestantes e mães de filhos com até 12 anos

Decisão reforça lei de 2016 que já garantia esse direito e tem 60 dias para ser implementada

Por Laura Franco

Cerca de 1,8 mil crianças estão em estabelecimentos prisionais com suas mães em todo o País
O Brasil é o quinto país do mundo com o maior número de mulheres encarceradas - são cerca de 36 mil detentas. Dessas, um terço ainda não foi julgado e é mantido em prisões preventivas. De acordo com um levantamento recente feito através do Cadastro Nacional de Presas Grávidas e Lactantes, criado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), 622 das apenadas estão grávidas ou são lactantes.
Não se sabe ao certo quantas dessas detentas têm filhos até 12 anos. Isso porque o Departamento Penitenciário Nacional (Depen) tem conhecimento a respeito dos filhos de 9% da população carcerária de todo o País. Nesse universo restrito, 74% das mulheres detidas até 2016 têm, ao menos, um filho, de idade não determinada.
E são essas mulheres gestantes ou lactantes e mães de crianças até 12 anos incompletos que têm direito a requerer a substituição da prisão preventiva para prisão domiciliar. Em recente decisão no Supremo Tribunal Federal (STF), foi decidido, por 4 votos a 1, pelo Habeas Corpus (HC) nº 143.641, que dá o prazo de até 60 dias para que todos os estados da Federação analisem e implementem a determinação fixada pelo Tribunal de substituir as prisões preventivas por prisões domiciliares para mulheres nessas situações.
O julgamento foi motivado por um HC protocolado por um grupo de advogados militantes na área de direitos humanos, com apoio da Defensoria Pública da União (DPU). A ação chegou ao STF em maio do ano passado e foi relatada pelo ministro Ricardo Lewandowski. O regramento reforça a Lei nº 13.257, de 2016, que alterou os artigos do Código de Processo Penal, criando essa possibilidade para as apenadas nessa situação específica.
O defensor público-geral federal Carlos Eduardo Paz garante que o foco do benefício é trazer maior proteção às crianças. Além disso, a decisão reflete maior segurança jurídica, dando uniformidade para os casos.
O assunto voltou à tona após o benefício ser concedido a Adriana Ancelmo, mulher de Sérgio Cabral. Na situação, a ex-primeira-dama do Rio de Janeiro teve prisão domiciliar decretada para cuidar dos filhos de 11 e 14 anos. O resultado, no entanto, foi diferente para uma mulher presa com 8 g de maconha, que teve o benefício negado pela ministra Laurita Hilário Vaz, do Superior Tribunal de Justiça (STJ). A mulher, além de ter cinco filhos, amamenta o bebê mais novo, que tem apenas um mês de vida.
Rafael Raphaelli, defensor público do Estado com atuação nas cortes superiores, garante que a decisão otimiza o trabalho da Defensoria dentro do Judiciário, uniformizando as decisões. "Isso reforça que os casos não sejam conflitantes, que não mudem de acordo com o juiz, ou com a ré. Diminui-se a desigualdade", ressalta.
O defensor também explica que, embora haja o benefício, há uma limitação para aquelas mulheres que cometeram crimes com violência ou grave ameaça contra os filhos. Nesses casos, o juiz deve fundamentar a negação da prisão domiciliar, explicando as razões pelas quais essa mulher pode apresentar perigo. "A restrição não faz jus à natureza do crime, mas se ele, de alguma forma, não visa à proteção dos menores", reforça.
Mesmo que se tenha alguém para cuidar da criança, o benefício segue valendo. Isso porque o tribunal observa como imprescindível os cuidados maternos. "A questão não é o cuidado, mas o vínculo maternal e a importância da mãe no processo de crescimento da criança", avalia Débora Nachmanowicz, advogada associada ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (Ibccrim), que atuou como amicus curiae no julgamento.
Segundo a Cartilha da Mulher Presa, editada pelo CNJ, em 2011, a mulher não perde a guarda dos filhos quando é presa, mas fica suspensa até o julgamento definitivo ou se ela for condenada à pena superior a dois anos. Enquanto cumpre pena, a guarda de filhos menores fica com o marido, parentes ou amigos da família. Depois de cumprida a pena, a mãe volta a ter a guarda, se não houver nenhuma decisão judicial em sentido contrário.

Direitos das presas se aperfeiçoou

Além da Lei nº 13.257/2016, que dá direito à prisão domiciliar às apenadas gestantes ou mães de crianças com até 12 anos, outras leis foram sendo geradas para proporcionar maior humanização no trato dessas mulheres.
Em 2017, foi sancionada a Lei nº 13.434, que proíbe o uso de algemas durante o trabalho de parto. Antes da lei, apesar de haver resolução do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (Cnpcp), de 2012, e súmula do Supremo Tribunal Federal, a medida era comum sob alegação de "risco de fuga".
As presas têm direito também à assistência material para receber roupas, cobertas, material de higiene e limpeza, e produtos de higiene pessoal suficientes para que sua integridade física ou moral não seja colocada em risco durante o processo de gestação e início da maternidade. Elas ainda têm direito à assistência à saúde, respeitadas as peculiaridades de sua condição feminina, inclusive ginecologista e participação em programas de prevenção a doenças sexualmente transmissíveis.