STF deve julgar legalidade do auxílio-moradia em março

Benefício para magistrados é mantido por meio de liminar desde 2014

Por Laura Franco

Juiz Marcelo Bretas preferiu ficar longe de réus da Lava Jato
Dois juízes conhecidos por suas atuações na Operação Lava Jato se tornaram centro da discussão sobre o auxílio-moradia destinado aos magistrados. Sérgio Moro utiliza o benefício mesmo tendo casa própria em Curitiba, onde trabalha, e Marcelo Bretas, que é casado com uma juíza e recebe auxílio duplicado no Rio de Janeiro. Atualmente, cerca de 17 mil magistrados fazem uso do benefício, no valor de R$ 4.377,00.
O auxílio-moradia é concedido desde 2014 por uma liminar proferida pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux. Na ocasião, Fux concedeu o benefício para qualquer juiz que não possua imóvel funcional pago pelo poder público. No caso do juiz Bretas, há proibição recomendada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), mas o casal de magistrados obteve a possibilidade de recebimento a partir de liminar judicial. A presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, anunciou que a corte deve julgar em março a legalidade do auxílio. Até o julgamento, os magistrados devem seguir recebendo o benefício.
Para se defender dos ataques, Bretas se manifestou no Twitter, defendendo o uso do benefício. "Pois é, tenho esse 'estranho' hábito. Sempre que penso ter direito a algo, eu vou à Justiça e peço. Talvez devesse ficar chorando num canto ou pegar escondido ou à força. Mas, como tenho medo de merecer algum castigo, peço na Justiça o meu direito", divulgou. Já Moro afirmou que o auxílio compensa a falta de reajuste no salário dos magistrados, que não acontece desde janeiro de 2015.
Segundo o CNJ, a instituição não pode impedir o pagamento, uma vez que é um órgão administrativo. "Ao Conselho Nacional de Justiça cabe o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e o cumprimento dos deveres funcionais dos magistrados. Entretanto, não alcança a análise e consequente reforma de mérito da decisão judicial", informou.
O pagamento foi estabelecido através da Lei Orgânica da Magistratura, de 1979. Pelo texto, além do salário, magistrados têm esse direito "nas localidades em que não houver residência oficial à disposição". No entanto a Constituição Federal (CF) de 1988 traz outro dispositivo, incluído através da Emenda Constitucional 19, em 1998. Especialista em Direito Trabalhista, o advogado Aloísio Zimmer explica que a normativa fala em "subsídio único". "Existe a previsão de recebimento de subsídio, que não inclui esses pedacinhos, como seria o caso do auxílio-moradia", aponta.
Para o jurista, aí está o grande problema do auxílio: sua fragilidade jurídica. "Ele é sustentado exclusivamente por liminares, pelo artigo 65, inciso 2º da Lei Orgânica, que já ficou ultrapassado pela CF de 1988, e por recomendações do CNJ, e isso traz insegurança", avalia.
Já o vice-presidente administrativo da Associação de Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris), Orlando Faccini Neto, garante que há base legal, administrativa e em termos de decisão judicial, através das liminares concedidas. "Pode se dizer tudo sobre o auxílio-moradia, menos que ele vai contra a legislação", avalia.
Faccini explica também que houve uma razão antiga para o estabelecimento do auxílio-moradia, relacionada diretamente com o deslocamento constante desses magistrados. "A redação original previa o auxílio-moradia exceto para os juízes que vivessem na capital, isso foi alterado, e todos passaram a receber", aponta.

Benefício custou R$ 817 milhões em 2017

Um levantamento feito pela Consultoria de Orçamentos, Fiscalização e Controle do Senado mostrou que a União gastou aproximadamente R$ 817 milhões em 2017 com o pagamento do auxílio-moradia nos Três Poderes: Legislativo, Executivo e Judiciário. Os dados constam do site Siga Brasil, sistema de informações sobre orçamento público federal, e foram coletados em dezembro.
Para Zimmerman a remuneração dos magistrados deve ser proporcional às suas responsabilidades, e o valor final é "adequado e justo". No entanto o advogado lamenta que o valor final dependa de um auxílio-moradia "bastante discutível".
Sobre os clamores populares caracterizando o benefício como injusto, Faccini acredita que toda crítica é válida, desde que não se perceba o juiz como vilão. "É preciso refletir também a respeito de que tipos de juízes teremos, se queremos entregar decisões importantes nas mãos de magistrados que estarão efetivamente preocupados com sua remuneração", levanta.