Liberação de emendas bate recorde com Temer

Indicações feitas por parlamentares no Orçamento são moeda de troca

Por

Marun defende que 'as emendas existem para serem executadas'
Em ano de delação do Grupo J&F e suspensão de duas denúncias criminais contra o presidente Michel Temer (PMDB), as emendas parlamentares tiveram em 2017 o maior valor liberado dos últimos quatro anos. Ao todo, foram R$ 10,7 bilhões, um crescimento de 48% em relação ao ano anterior e 68% maior do que o liberado em 2015, quando a execução se tornou obrigatória.
As emendas parlamentares são indicações feitas por deputados e senadores de como o governo deve gastar parte dos recursos previstos no Orçamento. Os parlamentares costumam privilegiar seus redutos eleitorais. Incluem desde dinheiro para obras de infraestrutura, como a construção de uma ponte, até valores destinados a programas de saúde e educação.
Embora impositivas - o governo é obrigado a pagá-las -, a prioridade dada a algumas emendas ainda é fruto de negociação política. Por isso, são usadas para barganhar apoio em votações importantes no Congresso.
Antes disso, os meses seguintes à divulgação da delação premiada da J&F, que implicaram Temer, concentravam os maiores valores liberados aos projetos dos parlamentares. Foram R$ 2,02 bilhões em junho e mais R$ 2,24 bilhões em julho.
Durante a votação da primeira denúncia baseada na delação, no dia 2 de agosto, o então ministro da Secretaria de Governo, Antônio Imbassahy (PSDB-BA), foi flagrado negociando a liberação de emendas com deputados da base aliada. "As emendas existem para serem executadas, independentemente de serem oriundas de parlamentar da base ou da oposição. Na época das votações, a oposição sempre vem com essa cantilena, mas na verdade esse trabalho deve ser permanente", afirmou o atual titular da pasta, Carlos Marun (PMDB-MS).
Levantamento feito pela Agência Estado nas mais de 7 mil emendas individuais que tiveram algum valor executado ao longo do ano mostra que 93,5% do dinheiro desembolsado pelo governo foi para a saúde, única área cuja destinação é obrigatória por lei. Os dados são do Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento (Siop).
Do R$ 1,36 bilhão que foi para a saúde, quase a totalidade (98%) serviu para apoio e manutenção de unidades em cidades indicadas por parlamentares. O deputado Domingos Neto (PSD-CE), por exemplo, direcionou R$ 11,28 milhões para abastecer os Fundos Municipais de Saúde de 36 prefeituras no interior do Ceará. Sua emenda foi a de maior valor pago no ano.
A segunda área que mais teve emendas pagas foi agricultura, com R$ 39 milhões. A maior delas foi de outro governista, o deputado Valdir Colatto (PMDB-SC), que conseguiu a liberação de R$ 2,34 milhões para 21 cidades de seu estado.
Na divisão por legendas, 72,8% das emendas empenhadas foram indicadas por parlamentares da base. O PMDB foi o mais contemplado (R$ 1,032 bilhão). Parlamentares do PT, que tem a segunda maior bancada na Câmara, tiveram R$ 831 milhões. Na comparação, porém, a diferença é maior. Foi R$ 1,13 bilhão para parlamentares da base (75,8%), ante R$ 254,05 milhões (17,1%) para opositores.

Verba pagou até shows e marketing para municípios

Embora a maior parte do dinheiro tenha sido destinada à saúde, a lista de emendas parlamentares pagas pelo governo em 2017 inclui de show do cantor Wesley Safadão a campeonato de motocross no interior de Minas. Do total de R$ 2,27 bilhões liberados, pelo menos R$ 5,73 milhões serviram para quitar cachês de artistas.
Em junho, por exemplo, o Ministério do Turismo repassou R$ 1,2 milhão à prefeitura de Maracanaú, no Ceará, por indicação da deputada Gorete Pereira (PR-CE). A emenda havia sido empenhada no mês anterior e serviu para pagar a 13ª edição da Festa de São João da cidade, com show de abertura de Wesley Safadão, que cobrou R$ 246 mil. O valor enviado à prefeitura foi quase integralmente usado para pagar cachês. Apresentaram-se também as duplas sertanejas Bruno & Marrone (R$ 250 mil), e Victor & Léo (R$ 200 mil). Ocorreu em 7 de junho, antes da primeira denúncia contra o presidente Michel Temer (PMDB) ser apresentada, mas após a revelação da delação de executivos do Grupo J&F. Gorete votou a favor de Temer nas duas denúncias. Ela nega relação da liberação do recurso com o seu voto.
Ao todo, o governo pagou R$ 7,15 milhões para promoção e marketing de municípios, ação na qual se enquadra o repasse para artistas. Valor próximo do que foi destinado para universidades federais (R$ 7,38 milhões) e superior ao enviado para obras de infraestrutura hídrica (R$ 2,58 milhões). Ao todo, foram 55 artistas, em 20 cidades, com cachês que variaram de R$ 30 mil aos R$ 250 mil.
Em Sapiranga, no Rio Grande do Sul, foram enviados R$ 700 mil para financiar a 34ª Festa das Rosas, por meio de uma emenda do deputado gaúcho Renato Molling (PP), aliado de Temer e marido da prefeita da cidade, Corinha Beatris Ornes Molling (PP). O evento teve shows de Michel Teló (R$ 170 mil), Titãs (R$ 126 mil), Naiara Azevedo (R$ 160 mil), entre outros.
Mas as emendas não financiaram só saúde e shows. Uma emenda do deputado Tenente Lúcio (PSB-MG) garantiu R$ 250 mil para a realização da 5ª etapa do Campeonato Brasileiro de Motocross de Tupaciguara, em Minas. O convênio com o Ministério do Esporte que viabilizou o repasse foi oficializado no dia 23 de outubro, dois dias antes de Tenente Lúcio votar contra o andamento da segunda denúncia contra Temer, a exemplo do que já havia feito em agosto.
A depender das emendas indicadas no Orçamento de 2018, o pagamento de shows continua garantido para este ano. Deputados e senadores destinaram, ao todo, R$ 32,93 milhões para "promoção e marketing de municípios no cenário nacional".