Porto Alegre desiste de centro para refugiados

Governo gaúcho voltou atrás em ceder a área

Por Suzy Scarton

Espaço seria disponibilizado no Centro Vida, na zona Norte da Capital
Há quase dois anos, foi anunciado, pela prefeitura de Porto Alegre, pelo governo do Estado e pelo Ministério da Justiça e Segurança, o repasse de R$ 749 mil, com contrapartida de R$ 9,5 mil do Executivo municipal, para a criação do Centro de Referência e Acolhida aos Imigrantes (Crai). A unidade ficaria na zona Norte da Capital, na avenida Baltazar de Oliveira Garcia, no Centro Vida. Até agora, o projeto não saiu do papel. O motivo é simples: o convênio foi descontinuado, uma vez que o governo do Estado desistiu de disponibilizar a área do Centro Vida para o projeto.
A criação do Crai envolveria três eixos: a compra de equipamentos, a contratação de pessoal e a aquisição de bens de consumo. À prefeitura, caberia a contrapartida de R$ 9,5 mil e, ao governo federal, o repasse da verba majoritária. Ao Estado, caberia a disponibilização do local e a fiscalização da construção. O compromisso foi assinado durante a gestão do ex-prefeito José Fortunati, mas o governo do Estado já estava sob a gestão de José Ivo Sartori.
Como o projeto não avançou, o Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública em 21 de agosto do ano passado cobrando a execução do convênio. Pouco mais de um mês depois, em 26 de setembro de 2017, a prefeitura de Porto Alegre enviou um ofício ao secretário nacional de Justiça e Cidadania, Astério Pereira dos Santos, solicitando o encerramento do convênio nº 824508/2015 "pela inviabilidade técnica da execução do objeto do convênio".
Os motivos alegados no documento são a inexistência de local para a implantação do abrigo e de espaços adequados à prestação de serviços de acolhida, "em razão da impossibilidade da prefeitura e do Estado de disporem de recursos financeiros para adequar espaços existentes". O documento é assinado pelo prefeito de Porto Alegre, Nelson Marchezan Júnior, e por Sartori.
No entanto, no relatório final a respeito do convênio, enviado também ao Ministério da Justiça e Segurança, o prefeito Marchezan argumenta que a prefeitura não conseguiu obter, do Estado, a cedência de espaços no Centro Vida. No documento, consta que "a não execução do objeto deveu-se exclusivamente à recusa do Estado em ceder instalações adequadas à implantação do Crai". O documento data do dia 26 de dezembro de 2017.
A prefeitura ainda explica que, em outubro de 2016, tentando dar continuidade ao projeto, adquiriu bens - computadores, impressoras, fogão, geladeira e micro-ondas - no valor de cerca de R$ 35 mil. Como não havia lugar para depositá-los, os bens foram cadastrados como patrimônio da Diretoria de Direitos Humanos da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social e Esporte.
O Estado, no entanto, nega que não tenha disponibilizado o local. A assessoria de imprensa da Secretaria de Desenvolvimento Social, Trabalho, Justiça e Direitos Humanos argumenta que, diante da necessidade de reformas no Centro Vida, a prefeitura teria desistido de aceitar a cedência, uma vez que não haveria recursos suficientes.
Ainda segundo a pasta, o processo de solicitação de cedência do imóvel segue aberto, sem solicitação posterior por parte da prefeitura por outro imóvel. Tampouco há documento oficial que comprove a recusa da prefeitura em aceitar o Centro Vida.

Novo projeto prevê criação de unidade de referência para imigrantes, mas sem abrigamento

A secretaria interina de Desenvolvimento Social e Esporte da Capital, Denise Russo, explica que, em 2017, no primeiro ano da gestão do atual prefeito Nelson Marchezan Júnior, foi feita uma avaliação dos três eixos do projeto. "Chegamos à conclusão de que não havia condições de trabalhar com abrigamento, inclusive porque o governo do Estado não cedeu a área e disse que não teria mais condições de fazê-lo", conta. Ela também relata que "seria muito difícil trabalhar com abrigamento", considerando o déficit existente nos abrigos da Capital. "Não havia como viabilizar", resume.
Sendo assim, o convênio com o Ministério da Justiça e Segurança foi cancelado e os recursos, devolvidos. Em seguida, foi criado um outro projeto, que envolve a criação de um Centro de Referência do Imigrante (Crim). O convênio já foi assinado e envolve o investimento de R$ 313 mil - R$ 300 mil da União e
R$ 13 mil da prefeitura. "Vamos receber a primeira parcela em março e, agora, estamos preparando o edital", detalha Denise.
A unidade vai oferecer atendimento social, psicológico e jurídico, aulas de português e encaminhamento ao mercado de trabalho, entre outros serviços, os quais serão contratados mediante edital. O centro vai funcionar na Diretoria de Direitos Humanos - para onde foram destinados os bens adquiridos para o primeiro projeto -, na Rua dos Andradas, 1.643, no Centro da Capital.
Para a secretária, o Centro de Referência é mais adequado às necessidades atuais da cidade. "Abrigamento significa toda uma estrutura de logística, de refeição, de segurança, de funcionamento 24h. As pessoas iriam dormir, é outro patamar de acolhimento. Com os recursos disponibilizados, que seriam finitos, e sem o espaço do Centro Vida, tivemos de reavaliar", pondera. Ela acredita que, agora, os imigrantes precisem de apoio em outras áreas, pois já estariam acomodados. Enquanto o centro específico - cuja meta de atendimento é de 400 pessoas por mês - não é disponibilizado, os imigrantes que se encontram em Porto Alegre podem recorrer à Coordenadoria dos Imigrantes, que também fica na Diretoria de Direitos Humanos.