Perda real no salário-mínimo provoca críticas

Reajuste de 1,81% ficará abaixo da inflação e diminuirá poder de compra da população

Por Guilherme Daroit

Entre aposentados e pensionistas, cerca de 33,5 milhões de brasileiros recebem o piso ou menos ainda
Modificado pelo menos três vezes desde o início das discussões, o reajuste no salário-mínimo nacional para 2018 desperta insatisfação entre representantes dos trabalhadores. Inicialmente previsto em R$ 979,00 na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), o novo piso entrou em vigor com o valor de R$ 954,00, após decreto assinado pelo presidente Michel Temer no último dia útil de 2017. As críticas são de que o aumento, de 1,81% em relação ao mínimo de 2017 (R$ 937,00), diminuirá o poder de compra da população mais pobre.
"É um dinheiro que vai de imediato para a população e se volta para o consumo, fazendo a economia girar e gerando empregos. Para quem ganha o mínimo, esses R$ 25,00 a menos significariam um pouco mais de alimento na mesa", lamenta o senador Paulo Paim (PT-RS). Reconhecido pela sua atuação voltada aos aposentados, Paim classifica como uma "crueldade" a diminuição no valor do mínimo que havia sido aprovado pelo Congresso em dezembro, de R$ 965,00. Segundo o último boletim estatístico da Previdência Social, apenas entre aposentados e pensionistas são 22,5 milhões de brasileiros que recebem o piso ou menos, uma parcela que representa 67,8% dos beneficiários.
O reajuste representa o segundo ano consecutivo em que o salário-mínimo cresce abaixo da inflação. Em 2017, o piso nacional cresceu 6,48%, contra 6,58% da inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), base para o aumento.
Pelos cálculos do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), cada real de aumento tem um impacto de R$ 302,1 milhões por ano na folha da Previdência. O aumento dado, de R$ 17,00, representaria, dessa forma, um gasto adicional de R$ 5,1 bilhões ao governo em 2018.
Somando também os trabalhadores, porém, o Dieese estima que 48 milhões de brasileiros tenham seu rendimento referenciado pelo mínimo e que, assim, o aumento injetará R$ 10,5 bilhões na renda, retornando um incremento de R$ 5,6 bilhões na arrecadação tributária - mais do que o gasto do governo, portanto. "O mínimo tem um impacto diferenciado na economia. Um real a mais gera consumo, e isso volta em tributos", argumenta o supervisor técnico da entidade no Rio Grande do Sul, Ricardo Franzoi, salientando que, por conta disso, não haveria motivo para o governo ter dado um aumento abaixo da previsão de inflação.
O cálculo do reajuste, regulamentado em lei, leva em conta o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos antes (no caso, o de 2016, que foi negativo em 3,6% e, por conta disso, desconsiderado), mais o INPC apurado no ano anterior. Como o INPC de dezembro só será divulgado amanhã, o governo acabou utilizando como referência o acumulado entre janeiro e novembro, que ficou em 1,81%.
Segundo Franzoi, uma das questões é que, com a conta de dezembro, o índice da inflação em 2017 deverá passar dos 2%. O reajuste, então, já chegaria defasado. "O grande problema é que vamos ter uma inflação maior em 2018, e, assim, vamos ter um salário real menor do que em 2017", comenta o supervisor. Ao contrário de 2017, portanto, em que a queda na inflação acabou compensando os efeitos da perda real no reajuste do mínimo, este fator provavelmente jogará contra o poder de consumo das famílias que dependem do mínimo.

Centrais sindicais temem reflexos no mínimo regional nas negociações no Rio Grande do Sul

Entre os sindicatos gaúchos, há ainda outra preocupação: o impacto que o aumento abaixo da inflação pode trazer na negociação do salário-mínimo regional, ainda em discussão. "Esse percentual vai trazer problema na negociação do piso regional, pois abre uma jurisprudência ruim", comenta o presidente da divisão gaúcha da Central Única dos Trabalhadores (CUT-RS), Claudir Nespolo. O dirigente critica o baixo reajuste em um momento com grande número de desempregados, o que por si só já resultaria em redução dos salários, por conta da oferta disponível.
O supervisor técnico do Dieese no Estado, Ricardo Franzoi, concorda com a previsão, e acrescenta que o mínimo nacional serve de referência para todas as negociações coletivas. "O salário-mínimo acaba sendo um farol para todos os pisos salariais. No mínimo regional, terá impacto direto", analisa.
O pedido inicial das centrais sindicais, entregue ao Piratini, foi de 5,5% de reajuste, o que englobaria a reposição da inflação e mais as perdas reais acumuladas nos últimos anos.
"Aqui no Estado, esperamos que o governo não vá na mesma linha e tenha sensibilidade de dar um reajuste mais digno ao mínimo regional", afirma o presidente da divisão gaúcha da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB-RS), Guiomar Vidor, que vê o piso como fundamental para reativar as economias locais nos municípios gaúchos, em especial o comércio.
"Todas entidades empresariais trabalham na expectativa de que 2018 será um ano de crescimento, e o fim de 2017 já mostra isso. Não há justificativa para não se dar um reajuste melhor para o salário", complementa Vidor.