2017, o ano do retorno das garras da censura

Brasil se viu às voltas com obras de arte proibidas e artistas atacados

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Cancelamento da exposição Queermuseu, em Porto Alegre, detonou onda de protestos
No ano em que uma tela de Leonardo da Vinci bateu todos os recordes, sendo vendida por R$ 1,5 bilhão, e o Museu do Louvre abriu uma filial em Abu Dhabi, o Brasil se viu às voltas com obras de arte proibidas, artistas atacados e, até, pedidos de condução coercitiva para que um curador e um performer fossem depor no Senado.
Quase 30 anos após ser abolida no Brasil, a censura voltou a mostrar as garras. Tudo começou em setembro, com a coletiva Queermuseu - a exposição mais comentada e menos vista de 2017. Acusada de promover a pedofilia e a zoofilia, e de desrespeitar as religiões em suas obras, a mostra virou alvo de raivosos ataques nas redes sociais. E seu realizador, o Santander Cultural, em Porto Alegre, sucumbiu às pressões e cancelou a programação.
Dezoito dias depois, vídeo e fotos de uma performance no Museu de Arte Moderna de São Paulo viralizaram na internet. Era La bête, do coreógrafo Wagner Schwartz, apresentada dois dias antes. Na obra, o artista, nu, manipula uma réplica de uma escultura da série Bichos (1960), de Lygia Clark. E se coloca em cena como o próprio "Bicho", composto de dobradiças, permitindo a manipulação pelo público.
No vídeo, uma criança, acompanhada da mãe, tocava o pé do artista. De compartilhamento em compartilhamento, somaram-se discursos de ódio. Schwartz foi acusado de pedofilia, ameaçado (assim como a mãe da criança), e o museu virou alvo de uma campanha difamatória.
Foi como uma onda. Exposições em Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e Rio de Janeiro passaram a ser alvo de patrulha. A CPI dos Maus Tratos, no Senado, convocou os "envolvidos" a depor. O prefeito Marcelo Crivella proibiu o Museu de Arte do Rio (MAR) de receber Queermuseu. "Apesar de tudo, sou otimista em relação ao futuro", afirma Gaudêncio Fidélis, que espera reabrir Queermuseu no Parque Lage, em março, com recursos provenientes de um crowdfunding que começa em janeiro.

Outros fatos marcantes do ano

Noite dos Museus
A segunda edição da Noite dos Museus, em 21 de maio, consolidou o evento em Porto Alegre. Cerca de 52 mil pessoas participaram das atividades em 10 centros culturais - entre eles, Margs, Memorial, Fundação Iberê Camargo, Museu Julio de Castilhos e Casa de Cultura Mario Quintana, das 19h à 0h.
Além das exposições e atrações musicais, quem não foi perdeu uma chance única de circular pela cidade com segurança à noite e aproveitar os food trucks espalhados pelos locais. Um belo exemplo de que Porto Alegre pode democratizar a cultura. Para 2018, uma nova edição, em data a definir, está confirmada.
Feira do Livro de Porto Alegre
A crise insiste em frequentar a maior feira do livro a céu aberto das Américas. Neste ano, a Feira do Livro de Porto Alegre teve queda de 14% na comercialização de publicações em comparação com 2016. Também era visível a redução do número de bancas espalhadas pelo entorno da Praça da Alfândega.
Como grande acerto da edição, a organização apontou a pluralidade de temas da programação. Ao todo, a feira sediou 739 sessões de autógrafos e 25 oficinas, para um público de 457 pessoas.
Jornada de Passo Fundo
A maior jornada literária do Brasil retornou neste ano, após ter sua edição de 2015 cancelada. As Jornadas Literárias de Passo Fundo reuniram, em outubro, escritores e público na cidade do Norte gaúcho.
Reformulado, o evento teve grande participação de estudantes, principal público-alvo da jornada. Entre as novidades que agradaram ao público estiveram os debates noturnos em bares de Passo Fundo e as atividades ao ar livre, como ruas e praças.
Cinema de sucessos
A bilheteria de 2017, no Brasil, será lembrada pelos blockbusters estrangeiros - casos de Mulher-Maravilha, Thor, Liga da Justiça, o remake It e o recente Star Wars. As salas registraram recordes de público.
Para o cinema nacional, contudo, se não houve grandes sucessos de bilheteria, tanto crítica quanto o público fiel não tiveram do que reclamar. Produções como Bingo (indicado - e não selecionado - pelo Brasil para concorrer a uma vaga ao Oscar de filme estrangeiro em 2018); Quem é Primavera das Neves?; e Como nossos pais continuaram a atestar a excelência dos realizadores e do elenco nacionais.
O ano delas
Não teve para ninguém: gostando ou não, Anitta e Pabllo Vitar bombaram na música neste ano. As duas cantoras monopolizaram os lançamentos musicais, garantindo grande audiência em serviços de streaming como Spotify e Deezer.
Anitta colocou sua celulite para dançar no clipe de Vai, Malandra, disponibilizado em dezembro. A ousadia angariou simpatia de muitos fãs pela franqueza com a realidade de muitas mulheres. Pabllo, por sua vez, é um dos artistas mais tocados do YouTube, com uma agenda lotada de shows.