Instalações nucleares no interior de São Paulo viram canteiro de obras

Centro da Marinha em Iperó enriquece urânio e prepara um reator de sistema de propulsão para submarinos

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Navio pioneiro, SN-BR começa a tomar forma no estaleiro que serve de laboratório
Em 1985, as instalações da Marinha do Brasil em Iperó, cidade situada a Noroeste de Sorocaba (SP), não eram nada impressionantes. Pouco havia ali, embora os cientistas que operam o sistema já estivessem começando a enriquecer urânio através de ultracentrífugas.
Essas máquinas, essenciais no processo de enriquecimento do urânio, se parecem com imensos botijões de gás. O funcionamento delas surpreende por ser muito silencioso.
O urânio natural tem proporções pequenas, apenas 0,7% do isótopo U-235 (variante com massa diferente) usado como matéria-prima, seja para uma bomba atômica ou para um reator nuclear.
Enriquecer urânio significa aumentar a proporção de U-235 em contraposição ao mais comum U-238 em uma amostra para poder criar uma reação nuclear em cadeia e produzir energia. Uma explosão atômica é uma reação em cadeia não controlada.
Atualmente, as centrífugas continuam operando. Mas todo o complexo se transformou em um grande canteiro de obras, onde o submarino nuclear brasileiro - SN-BR - está tomando forma. "Estamos dentro do cronograma", afirma o capitão de mar e guerra e engenheiro naval Sérgio Luis de Carvalho Miranda, diretor do Centro Industrial Nuclear de Aramar.
O local inclui o Laboratório de Geração de Energia Nucleoelétrica (LabGene), que, segundo a Marinha, "será utilizado para validar as condições de projeto e ensaiar todas as condições de operação possíveis para uma planta de propulsão nuclear".
O urânio é apenas o "combustível" do reator do submarino. Mas todo o resto é algo extremamente complexo em termos de engenharia. Um submarino nuclear é, no fundo, um navio a vapor. O calor gerado pela reação nuclear esquenta água e gera vapor para mover turbinas.
O que a Marinha Brasileira está fazendo é a produção de um protótipo do reator e o resto do sistema de propulsão. Em Iperó as turbinas também são testadas.
O engenheiro Reinaldo Panaro chefia um departamento fundamental, o Laboratório de Testes de Equipamentos de Propulsão (Latep). Sua tarefa é complexa. "A gente checa, relata, conserta e adapta", resume Panaro.
Como diz o comandante Miranda, "o pulo do gato" é reduzir a incerteza em um projeto muito complexo. Por exemplo, o reator desenvolvido em terra caberia no casco do submarino nuclear? "Cabe. Fazemos o dever de casa antes", garante o militar e engenheiro naval.
Por ser uma instalação experimental em terra, o projeto segue as convenções e regras típicas de usinas nucleares, de forma a garantir a segurança dos operadores e população local e evitar danos ao meio ambiente.
 

Poucos países têm as tecnologias do Brasil, afirma almirante

"Energia nuclear" é algo que mete medo em muita gente, nem precisa ser um ambientalista fanático. Afinal, duas bombas atômicas foram lançadas contra o Japão em 1945 - que terminaram com a Segunda Guerra Mundial. Houve o desastre com o césio radiativo em Goiânia, em 1987; o acidente na usina de Chernobyl, na Ucrânia, em 1986.
Porém a mesma energia provê boa parte da eletricidade em vários países, ajuda no diagnóstico e tratamento de doenças como câncer. E também serve para a propulsão de navios de guerra, notadamente os enormes porta-aviões nucleares norte-americanos de 100 mil toneladas de deslocamento, e uma grande frota de submarinos criada por cinco países - EUA, Rússia, França, Reino Unido e China.
O Brasil quis fazer parte do clube nuclear desde a década de 1950. Um dos principais pioneiros, talvez o mais importante, foi um almirante Álvaro Alberto, cujo nome foi escolhido para batizar o primeiro SN-BR (submarino nuclear brasileiro), que a Marinha espera lançar ao mar em 2029.
O almirante de esquadra Bento Costa Lima Leite de Albuquerque Junior, diretor-geral do Desenvolvimento Nuclear e Tecnológico da Marinha, explicou o andamento do projeto. Como ele resume, "poucos países no mundo tiveram condições de conquistar, até hoje, essas tecnologias".
O programa nuclear da Marinha existe desde a década de 1970. Não há dúvida de que houve progressos, por exemplo no enriquecimento de urânio, mas o País ainda está longe de ter um submarino nuclear. O primeiro submarino convencional, Riachuelo, ficará pronto no tempo previsto?
Bento Costa Lima Leite de Albuquerque Junior - O Programa Nuclear da Marinha (PNM) sempre esteve no rumo certo, sem sombra de dúvidas. O que ocorre é que ele é um programa de Estado, de longo prazo, como todos os programas desta magnitude e complexidade. Outro aspecto importante a se levar em conta é o fato de a tecnologia nuclear não ser transferida por nenhum país. Ou seja: tivemos que desenvolvê-la de forma autônoma.
É preciso lembrar, também, que o Programa Nuclear da Marinha, iniciado em 1979, compreendia dois grandes projetos: o domínio do ciclo do combustível nuclear e a construção do Laboratório de Geração Nucleoelétrica (Labgene).
O primeiro foi concluído em 1987, quando a Marinha divulgou, oficialmente, o domínio do difícil processo do enriquecimento de urânio por ultracentrifugação, tecnologia de alto valor agregado.
A partir dessa tecnologia, a Marinha passou a colaborar com as Indústrias Nucleares do Brasil (INB) e, desde 2000, fornece ultracentrífugas para sua planta industrial em Resende (RJ), onde é produzido o combustível nuclear para as Usinas de Angra, um bom exemplo do uso dual dessa tecnologia.
Quanto ao segundo projeto, estamos vendo nossos objetivos iniciais se tornarem realidade, com a proximidade do comissionamento do Labgene, a primeira instalação de energia nucleoelétrica totalmente projetada no País, que será, em terra, o protótipo da planta de propulsão do nosso submarino nuclear. Poucos países no mundo tiveram condições de conquistar, até hoje, essas tecnologias.
No que diz respeito ao primeiro submarino convencional, o Riachuelo, parte do nosso Programa de Desenvolvimento de Submarinos (Prosub), será lançado ao mar no ano que vem, cumprindo o que está previsto no cronograma do programa atualmente em vigor.
A Marinha tem investido muito em instalações em Iperó e Itaguaí para produzir um submarino nuclear. Mas, como se costuma dizer, quem tem só um, não tem nenhum - pois o navio tem que ficar parte do tempo em trânsito, ou na base. Há planos para produzir mais submarinos?
Albuquerque Junior - O Programa de Desenvolvimento de Submarinos (Prosub), decorrente do Acordo Estratégico com a França, assinado em 2008, compreende a construção de quatro submarinos convencionais (S-BR), um com propulsão nuclear (SN-BR) e a construção de uma infraestrutura industrial e de apoio para construção, operação e manutenção dos submarinos.
Também envolve a transferência de tecnologia e, fruto dessa transferência, em janeiro deste ano foi concluído, com sucesso, por engenheiros e técnicos brasileiros, o projeto do SN-BR.
Cabe lembrar, contudo, que a Estratégia Nacional de Defesa estabelece que "o Brasil contará com uma força naval submarina de envergadura, composta de submarinos convencionais e de submarinos de propulsão nuclear. O Brasil manterá e desenvolverá sua capacidade de projetar e de fabricar tanto submarinos de propulsão convencional, como de propulsão nuclear".