A ascensão do stalinismo e a consolidação da URSS

De líder da vitória contra o nazismo a ditador cruel, Josef Stálin cimentou as bases da superpotência do Leste europeu

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PAN FOTO SÍMBOLO DA SEGUNDA GUERRA AFP. (FILES) THIS FILE PHOTO TAKEN ON MAY 2, 1945 IN BERLIN SHOWS A SOVIET SOLDIER RAISING THE RED FLAG OVER BERLIN'S REICHSTAG, AFTER THE ALLIED FORCES ENTERED THE CITY ENDING WORLD WAR II. ON FEBRUARY 17, 2010 ABDULKHAKIM ISMAILOV, ONE OF THE THREE RED ARMY SOLDIERS IN THE FAMED PHOTOGRAPH HAS DIED AT THE AGE OF 93, RUSSIAN OFFICIALS SAID. ISMAILOV TOOK PART IN THE PIVOTAL 1942-43 BATTLE OF STALINGRAD AND FOUGHT ALL THE WAY TO BERLIN, WHICH SOVIET FORCES STORMED IN APRIL 1945, LEADING TO THE SURRENDER OF NAZI GERMANY DAYS LATER. THE PHOTOGRAPH WAS STAGED FOR PROPAGANDA PURPOSES AND SHOT AFTER RED ARMY SOLDIERS HAD ALREADY CAPTURED THE BUILDING, BUT IT NONETHELESS BECAME AN ICONIC SYMBOL OF THE
Com a conquista do poder, os revolucionários tinham, agora, o mais duro desafio pela frente: consolidar um regime socialista em um país agrícola e com o resto do mundo do outro lado do campo político e econômico. Tendo um regime estruturado no grupo que promoveu a revolução, o novo governo tratou de avançar no sentido de garantir mais direitos às minorias. Em 1917, as mulheres passaram a ter direito ao voto, houve a facilitação do pedido de divórcio, o aborto foi legalizado logo depois, em 1920, e ocorreu a revogação da proibição de práticas homossexuais da legislação russa.
Além disso, explica o professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) Paulo Fagundes Visentini, houve uma explosão de urbanização. A coletivização da agricultura visava aumentar e modernizar a produção agrícola para, com menos gente trabalhando, produzir mais para poder alimentar as cidades. Reorganizar essa produção liberava gente do campo e aumentava a população das cidades. A transição, no entanto, não foi simples, uma vez que os trabalhadores agrários tiveram certa dificuldade para se adaptar. "O camponês trabalha no ritmo da natureza; e o operário, no ritmo abstrato do relógio", compara Visentini. Aos poucos, a população teve acesso à educação, que passou a ser disponibilizada pelo Estado e obrigatória até os 12 anos.
As dificuldades internas não foram as únicas. A tomada do poder pelos bolcheviques não foi vista com bons olhos ao redor do mundo. Pela primeira vez, surgia um sistema pós-capitalista, que derrubou o capitalismo para criar um novo sistema, ainda desconhecido. Aos olhos das potências, era um mau exemplo. "Até a Igreja, que, durante a Revolução Industrial, perdeu fiéis, encontrou um novo campo de pregação: o diabo voltou e é vermelho. A reação do mundo, de modo geral, foi hostil", conta Visentini.
Depois da revolução, as conversações de paz entre alemães e russos se iniciaram, e, em março de 1918, foi assinado o Tratado de
Brest-Litovsk, para oficializar a saída da Rússia da Primeira Guerra, que vitimou cerca de 4 milhões de russos.
Mesmo que os bolcheviques tenham tido sucesso ao derrubar o governo provisório pós-czar, os ânimos não eram unânimes no país. De 1918 a 1921, militantes de diversos partidos se enfrentaram em uma Guerra Civil, cada um com intenção de implantar o próprio sistema. Nações estrangeiras intervieram, pois não queriam que as ideias comunistas se espalhassem pela Europa Ocidental. O Exército Vermelho, no entanto, se impôs.
A Rússia pós-Guerra Civil - economia, transporte e parque industrial - estava em ruínas. E, para completar o cenário, os camponeses estavam descontentes com as requisições de alimentos. Para conter os ânimos, Lênin lançou a Nova Política Econômica (NEP), que reintroduziu a moeda e o sistema bancário estatal, o trabalho assalariado, a transmissão hereditária da propriedade, o imposto em vez das requisições, o comércio interno privado e as privatizações de indústrias com menos de 20 operários. A intenção era estimular a produção agrícola e de bens de consumo.

A vitória do 'Socialismo de um Só País'

O ano de 1922 marcou uma inflexão na Rússia revolucionária. O afastamento de Lênin por condições de saúde reforçou tendências de burocratização, de abandono do debate teórico e de autoritarismo. De um lado, a oposição operária de
Trótski, que atacava a NEP, e, de outro, Stálin, que apoiava o campesinato. Também em 1922, nascia a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), que reunia Rússia, Ucrânia, Bielorrússia e Transcaucásia (depois subdivida em Geórgia, Azerbaijão e Armênia).
Com a morte de Lênin, em 1924, o confronto entre Stálin e
Trótski se agravou. Em 1925, Stálin formalizou a teoria do "Socialismo em um Só País", argumentando que a União Soviética teria de construir as bases econômicas do socialismo mediante um esforço próprio. "Não foi muito difícil esse grupo do Stálin ganhar a disputa. Embora fosse mais brilhante, o que Trótski propunha trazia uma grande oposição internacional", comenta o professor Visentini, autor do livro "Os Paradoxos da Revolução Russa" (Editora Alta Books, preço sugerido R$ 44,91).
A década seguinte foi de investimento na indústria de base, visando suprir um exército para uma hipotética guerra no futuro, que poderia dar fim à experiência comunista. Cumprindo-se as previsões, explode, em 1939, a Segunda Guerra Mundial. A URSS assumiu papel de protagonista do conflito e foi a nação que mais perdeu vidas: cerca de 20 milhões. Sob o comando com mão de ferro de Stálin, o Exército Vermelho derrotou o nazismo de Adolf Hitler no Leste Europeu, consagrando a União Soviética como uma potência mundial.
Foi só em 1945, quando do fim da Segunda Guerra, que a estrutura da URSS ficou completa, composta por 15 repúblicas federadas (ver mapa). "Era o ápice da URSS. Foi criado um superestado, que era associado ao partido. Tanto fazia o cidadão ser russo, ucraniano, desde que fosse favorável a essa transformação", explica Visentini.
Figura controversa, ao mesmo tempo responsável pela derrota do Terceiro Reich e um ditador cruel, Stálin é visto como oposição às figuras de Lênin e de Trótski - o qual foi assassinado por ordem de Stálin em 1940, no México. A postura de historiadores difere com relação ao papel deles na revolução. Comparado a Stálin, Lênin é visto como um líder moderado. "Lênin foi o grande artífice da revolução. Soube fazer a releitura do marxismo dentro das condições que eram possíveis naquele contexto", comenta o doutor em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Fabiano Mielniczuk.
No entanto, a avaliação da índole do bolchevique é questão de opinião. "Se você acredita que Lênin era bonzinho, vai identificar o leninismo como algo bom, e o stalinismo, como algo ruim. Mas se você acha que o que aconteceu não foi necessariamente uma revolução democrática, foi um processo de tomada de poder e de imposição de uma visão, Lênin e Stálin são iguais", argumenta o professor. Mesmo assim, é inegável que o governo de Stálin, primeiro-ministro da URSS de 1941 a 1953, promoveu um retrocesso conservador.
Com o cenário geopolítico polarizado entre URSS e Estados Unidos, as próximas quatro décadas foram de troca de ameaças e de provocações - a Guerra Fria. O equilíbrio de forças fez com que nenhum míssil tenha sido disparado no período. "A Guerra Fria tem mecanismos de acomodação entre as superpotências. Como existia a possibilidade de que alguém devolvesse um míssil, ninguém dá o primeiro tiro", pondera Visentini. Com o fim da URSS, em 1991, essa atmosfera equilibrada se desfez. A experiência comunista chegava ao fim.