PL prevê que detentos paguem por tornozeleiras

Valor dos equipamentos deve ser subtraído do salário dos apenados dos regimes semiaberto e aberto

Por Laura Franco

Atualmente, cerca de 18 mil presidiários são vigiados por meio de monitoramento eletrônico no Brasil
No Brasil, cerca de 18 mil detentos são monitorados através de vigilância eletrônica. O dado faz parte do primeiro diagnóstico sobre monitoramento eletrônico do Departamento Penitenciário Nacional (Depen). O gasto médio com cada condenado pode chegar a R$ 300,00 por mês. Já o custo das tornozeleiras eletrônicas, principal método de acompanhamento dos detentos, varia de R$ 167,00 a R$ 660,00 a unidade. Esse valor pode, a partir da decisão do Senado, se tornar de responsabilidade dos detentos.
A novidade vem a partir de uma decisão da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, que aprovou o Projeto de Lei (PL) nº 310/2016. O PL altera a Lei de Execução Penal, e prevê que todas as despesas com o monitoramento eletrônico sejam arcadas pelo condenado. A matéria tem caráter terminativo, ou seja, se não houver recurso para votação em Plenário, o texto seguirá diretamente para a Câmara dos Deputados.
O texto é de autoria do senador Paulo Bauer (PSDB-SC). Na justificativa, Bauer garante que o valor gasto nesse programa pode chegar a R$ 23 milhões, e abrigar 40 mil pessoas. "O gasto com a manutenção do monitoramento eletrônico representa 12% das despesas de um condenado encarcerado, a sociedade brasileira não pode e não deve arcar com esse custo", justificou o senador.
Na normativa, se estabelece que esses custos sejam descontados do salário do preso pelo trabalho remunerado que exerça. Isso, para a defensora da Defensoria Pública do Rio Grande do Sul (DPE-RS) Ana Paula Dal Igna, torna a determinação controversa e distante da realidade, já que muitos desses detentos em regime semiaberto e aberto não têm acesso ao mercado de trabalho.
A questão salarial desses detentos preocupa o juiz da 2ª Vara de Execuções Penais do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) Sidnei Brzuska. A lei estabelece que o preso que trabalha dentro do presídio deve ganhar, no mínimo, 2/3 do salário-mínimo. No Presídio Central de Porto Alegre, os presos estão longe de receber isso. "O Estado não paga a mão de obra do preso, e as instituições privadas normalmente não empregam, é difícil imaginar como será feita essa cobrança", aponta.
Ana Paula reforça, no entanto, que o PL traz a possibilidade de pagamento pelo Estado em casos de impossibilidade financeira. "A massa carcerária, em sua maioria, é composta por pobres, que não têm condições de arcar com esses custos. Nessas situações, o pagamento seria feito pelo Estado", aponta.
Brzuska indica que isso só será possível através de uma grande organização, ou duas situações devem ser geradas: todos se declaram sem condições, ou só recebe a tornozeleira quem tiver como pagar. Ele aponta que as experiências anteriores indicam que o projeto é propício a falhas. Isso porque aqueles presos que não tinham lugar no semiaberto eram mantidos no regime fechado enquanto aguardavam, e isso acabou gerando um comércio ilegal de negociação de vagas. Esse comércio, segundo o magistrado, gerou fuga e corrupção no sistema. Nesse sentido, ele avalia que "se não houver rigor, é possível que se gere mais uma questão ilegal, onde dificilmente um preso de facção vai ficar sem tornozeleira".
Enquanto isso, o debate envolve a constitucionalidade do projeto. A Constituição Federal garante que o custeio da execução penal seja inteiramente do Estado. "O Estado prevê os delitos e as penas aplicáveis caso o indivíduo infrinja a lei. Ele tem o monopólio do poder punitivo, e o ônus disso é arcar com os gastos", explica Ana Paula. Essa responsabilidade é intransferível sob qualquer pretexto, ainda que o argumento envolva as condições financeiras do governo. Para a defensora, a possibilidade vai na contramão de desassociar crimes do aspecto monetário.

Equipamento é alternativa à falta de vagas no semiaberto

Para alguns especialistas, a tornozeleira eletrônica faz parte do regime de progressão de pena, se restringindo ao semiaberto e ao aberto. No entanto, o surgimento desse instrumento está ligado, principalmente, à falta de vagas no regime semiaberto.
Em Porto Alegre, o uso do instrumento é feito nos dois tipos de regime. Em Novo Hamburgo, por exemplo, admite-se o uso exclusivo para apenados do regime aberto. Essa diferença dentro do mesmo Estado é possível em razão da Lei de Execução Penal, que garante o cumprimento do regime semiaberto em estabelecimentos com características específicas. A falta desse local em Novo Hamburgo exige que o monitoramento eletrônico seja feito apenas em regime aberto.
Para ter o benefício do semiaberto, o detento precisa cumprir pelo menos 1/6 da pena e apresentar bom comportamento. Nesses casos, é possível reduzir três dias de pena a cada dia trabalhado. Para progressão ao aberto, segue-se os mesmos requisitos temporais e comportamentais do regime anterior. No aberto, a pena pode ser cumprida até mesmo na residência do preso.
A escassez de vagas e as dificuldades do sistema geraram a necessidade das tornozeleiras. O instrumento, então, é caracterizado por um substitutivo dessas vagas. Na Capital, já se teve 3 mil vagas de semiaberto, hoje esse número foi reduzido a 500. "Esses lugares foram destruídos pelo Estado, e na troca aparecem as tornozeleiras", explica Brzuska.
O instrumento, no entanto, é mais barato que as vagas em presídios. Enquanto uma tornozeleira pode chegar a R$ 700,00, uma vaga no sistema de semiaberto pode custar R$ 3 mil por mês. Para o juiz, é a falta de investimento no semiaberto que gera a necessidade do monitoramento.