Edição genômica avança no Brasil

Técnica se diferencia da transgenia porque permite melhorias em plantas sem a introdução de genes externos

Por Thiago Copetti

Nova tecnologia para manipulação genética de plantas desperta interesse entre os pesquisadores ligados ao agronegócio
Uma tecnologia de manipulação genômica começa a dar seus primeiros passos para ser aprovado no Brasil e desperta interesses de pesquisadores dedicados ao agronegócio. Chamada de edição gênica, que utiliza técnicas como Crispr (do inglês Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats), já é adotada nos Estados Unidos e apontada como o futuro da tecnologia que deu origem, por exemplo, à soja transgênica.

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Embrapa já começou a fazer estudos sobre o tema

Iniciativa pioneira foi desenvolvida com trigo para resistência a doença fúngica
Descoberta em 2012, a tecnologia Crispr/Cas9 foi tema de seminário da Embrapa, no final do ano passado, e já é tema de estudos e pesquisas na instituição. Em pareceria com o Conselho de Informações sobre Biotecnologia (CIB) e o Agropensa (Sistema de Inteligência Estratégica da Embrapa), o
workshop em Edição de Genomas reuniu no Brasil especialistas nacionais e do exterior, como a cientista da Academia de Ciências Agrícolas da China (CAS, sigla em inglês) Caixia Gao, responsável pela primeira utilização da tecnologia Crispr/Cas9 em plantas no mundo.
De acordo com a Emprapa, a iniciativa pioneira foi desenvolvida com plantas de trigo para resistência a uma das piores ameaças a essa cultura: uma doença fúngica denominada Powdery mildew. Hoje, Gao utiliza também a Crispr/Cas9 para desenvolver variedades melhoradas de milho e arroz.
Segundo a pesquisadora chinesa, a tecnologia é revolucionária porque permite editar o genoma de plantas e animais de forma muito mais rápida, econômica e eficiente. Além disso, como não depende da modificação genética, o que pode facilitar a sua aceitação pela sociedade mundial, que ainda oferece resistência aos organismos geneticamente modificados (OGMs). "Os testes realizados com o trigo resistente ao fungo comprovaram que as plantas editadas são 100% livres de transgênicos", afirmou Caixia durante o evento.

Saiba mais

  • Técnicas para editar e modificar o DNA são utilizadas desde a década de 1980, mas a Crispr/Cas9 pode ser considerada revolucionária por permitir a manipulação de genes com maior precisão, rapidez e menor custo.
  • Descoberta em 2012, a tecnologia utiliza a enzima Cas9 para cortar o DNA em pontos determinados por uma cadeia-guia de RNA. Utilizando uma metáfora, pode-se compará-la à ferramenta para localizar e substituir palavras no Word, sendo que o primeiro passo é localizar o gene a ser editado para, depois, fazer a alteração desejada.
  • O pesquisador da Embrapa Soja e presidente do Comitê Gestor do portfólio de Engenharia Genética para o Agronegócio, Alexandre Nepomuceno, explica que biologia já faz uso de técnicas para editar e modificar pontualmente o DNA desde a década de 1980, mas que a Crispr/Cas9 pode ser considerada revolucionária por permitir a manipulação de genes com maior precisão, rapidez e menor custo.
  • Nepomuceno já trabalha em um pesquisas para desativar genes envolvidos no metabolismo do etileno, hormônio vegetal que interfere nos mecanismos de aumento de tolerância à seca. O gás etileno está envolvido com a maturação da soja e quando a gente interfere nesse metabolismo, podemos ampliar o tempo que a planta suporta períodos de seca, explica o pesquisador.
  • As aplicações na ciência agropecuária são as mais diversas: criar plantas resistentes a pragas, mais tolerantes à estresses ambientais (como frio e seca) e com menos componentes alergênicos são alguns exemplos do que pode ser feito utilizando-se a técnica.

Duas décadas de transgênicos no Brasil

Em 1997, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) autorizou pela primeira vez no Brasil a realização de testes de campo para fins de pesquisa com a soja transgênica e, em 1 de janeiro de 1998, o Diário Oficial da União (DOU nº 188) publicou o parecer técnico conclusivo, emitido pela CTNBio, favorável à tecnologia de transformação genética da soja Roundup Ready (RR), tolerante ao herbicida glifosato.
Apesar da aprovação, a falta de segurança jurídica e clareza da lei travou investimentos na área até 2005, quando houve a revisão da Lei de Biossegurança, que levou à aprovação de diversos produtos que estavam represados. A partir de então, os transgênicos se consolidaram no campo e avançaram no Brasil.
 

Feijão pode ser próximo na lista de modificados

Mesmo passados 20 anos da adoção no Brasil, um grão altamente consumido no País e com produto transgênico já aprovado ainda não ingressou no mercado: o feijão. A questão é comercial, de acordo com o engenheiro agrônomo e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul Marcelo Gravina, que espera que a demora deve estar perto do fim.
O feijão transgênico resistente ao vírus do mosaico dourado e foi desenvolvido pela Embrapa. O vírus é frequente no Brasil e na América Latina como um todo e é transmitido pela chamada mosca branca. Entre os benefícios do produto, diz Gravina, estariam a diminuição das perdas com a doença e a redução das aplicações de inseticidas. Sobre a importância da descoberta, o engenheiro agrônomo lembra que, apesar de amplamente consumido de Norte a Sul do País, o mercado brasileiro ainda precisa ser abastecido com importações.
"Mas eu acredito que, ainda antes do feijão, deve chegar ao mercado a cana-de-açúcar, que teve sua aprovação pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança neste ano, a primeira cana-de-açúcar transgênica do mundo. Outro produto já aprovado, mais ainda não colocado comercialmente no mercado, é o eucalipto", comenta Gravina, membro do Conselho de Informações sobre Biotecnologia.