Série de crises faz sobrar gado no campo

Crise da JBS, Operação Carne Fraca, embargo norte-americano e a queda no poder de consumo dos brasileiros afetou o setor

Por Thiago Copetti

Bovino Caderno Expointer crédito Visual Agência
O saldo de um primeiro semestre turbulento como poucos para a pecuária brasileira pode ser quantificado de duas formas: pelo ingresso de cerca de 7 mil toneladas a mais de carne barata no Rio Grande do Sul, especialmente do Centro-Oeste, e na redução das vendas do Estado ao exterior, que encolheram US$ 20 milhões em relação ao mesmo período de 2016. À conta de perdas somam-se fatores ligado à crise da JBS, a Operação Carne Fraca, o embargo norte-americano e a queda no poder de consumo dos brasileiros e seus mais de 14 milhões de desempregados. Os danos deste conjunto de más notícias foram, no entanto, mais amenos no Estado do que no restante do País graças à dinâmica diferenciada do mercado gaúcho. O Rio Grande do Sul consome muita carne bovina (tudo que produz e mais um pouco). Mas a pecuária gaúcha, claro, não ficou imune ao cenário de retração.

Continue sua leitura, escolha seu plano agora!

Já é assinante? Faça login

Segundo semestre é de retomada

Depois da sequência de crises que marcou o primeiro semestre e que derrubou os preços do boi gordo, o pior, aparentemente, ficou para trás. Ainda com cautela, a avaliação do mercado, em geral, é de que a reação está começando. No mínimo, o setor espera pela estabilidade, diz o vice-presidente da Federação da Agricultura do Estado (Farsul), Gedeão Pereira. "O estrago que tinha de ser feito já foi", afirma o pecuarista.
O representante da Farsul justifica o otimismo pela já iniciada recuperação de preços e pela redução na entrada de carne do Centro-Oeste no Estado, devido ao início do período mais seco na região e à adaptação do plantel ao novo cenário. Gedeão explica ainda que a queda nos preços e o ingresso de carne mais barata no Estado não afetaram a prioridade dos gaúchos pelas proteínas de raças britânicas, de melhor qualidade, que mantiveram preços estáveis, em torno de R$ 150,00 a arroba. "A carne de menor qualidade abastece o consumo das famílias no dia a dia, mas a carne melhor, considerada gourmet, seguiu sempre em alta", ressalta Gedeão.
O pecuarista diz ainda que, apesar dos danos, a crise de confiança do produtor na JBS teve ao menos um ponto positivo, porque movimentou o mercado. Levou a Marfrig, por exemplo, a reabrir unidades fechadas em diferentes partes do Brasil e deu oportunidade de expansão a outras empresas. "Essa parada da JBS fez com que frigoríficos de menor porte conseguissem ganhar novos clientes. O mercado rapidamente se ajustou, positivamente", destaca Gedeão.
Outro sinal de otimismo do setor para este segundo semestre é a melhora na cotação do preço do boi gordo para outubro. De acordo com Fernando Henrique Iglesias, consultor da Safras & Mercado especialista em pecuária, em 21 de junho, por exemplo, os negócios no mercado futuro do produto mensurado para outubro tinham com referência o valor de R$ 119,50, e nos últimos dias avançou para cerca de R$ 140,00.
"Este é o contrato mais importante do boi gordo na BMF, porque marca o início do segundo giro de confinamento do semestre, que tende a ser de maior demanda. Mas vale ressaltar que ainda assim há muita volatilidade no ar, com crise política e incertezas com o câmbio", pondera o especialista.
Crises políticas e econômicas, delações em andamento e câmbio instável estão entre os fatores que levam Maurício Nogueira, coordenador de pecuária da Agroconsult, a ser mais comedido no otimismo para este semestre. "Há muita instabilidade ainda no horizonte para que se possa projetar algo de positivo mais concreto no cenário", opina Nogueira.
Mais confiantes estão os produtores que apostam em genética e qualidade, assegura Fábio Schuler Medeiros, responsável pelo programa Carne Angus Certificada da Associação Brasileira de Criadores de Angus. "O ingresso de carne do Centro-Oeste deu uma bagunçada no mercado gaúcho, porque os frigoríficos que já tinham na rotina comprar carne de fora ampliaram as compras, e alguns que não tinham o fizeram. Mas, no segmento de alta qualidade, ao menos no que diz respeito à carne Angus, não houve impacto. Pelo contrário, nós até crescemos no primeiro semestre", comemora Medeiros.

Reforçar as exportações é a receita para elevar o valor do rebanho

Com um cenário de estabilidade que "há anos", como dizem os especialistas, estagnou o abate médio gaúcho em 2 milhões de cabeças, o Rio Grande do Sul ainda explora menos do que poderia as exportações. Com o mercado mais amplo, naturalmente o produtor teria mais chances de conseguir valor maior pelo produto, diz o diretor-geral da Secretaria da Agricultura, Antônio Aguiar.
"Mais exportações certamente seriam positivas, mas, por outro lado, teriam impacto negativo ao consumidor, que também acabaria pagando mais pela carne", pondera Aguiar.
No Rio Grande do Sul, duas iniciativas privadas são bons exemplos de como os pecuaristas gaúchos tentam ampliar suas vendas externas, que hoje não chegam a 20% da produção dos associados do Sindicato da Indústria de Carnes e Derivados (Sicadergs), que reúne 75% de toda a carne industrializada no Estado, segundo o presidente da entidade, Ronei Lauxen. Mesmo tendo uma carne valorizada acima da média e sem conseguir atender a toda a demanda brasileira pela carne Angus, de acordo com o presidente da associação dos criadores da raça, José Roberto Pires Weber, ampliar as exportações é um dos focos da entidade.
Em 2016, por exemplo, o Programa Carne Angus Certificada teve renovada a certificação europeia feita pela TÜV Rheinland, que amplia espaço e possibilidades de negócios na União Europeia e retomou sua participação no Salão Internacional da Alimentação (Sial), na França, com a realização do Brazilian Angus Day. Em maio deste ano, esteve divulgando as qualidades da raça na produção de carnes nobres na China, onde participarão de mais uma edição do Sial Xangai, a maior feira de alimentação do Oriente.
Individualmente, destaca-se a ação da uma conhecida fazenda do Estado. A Pitangueira, de Itaqui, é referência de qualidade na genética Braford e, desde julho, integra o seleto grupo de associados da inglesa International Meat Trade Association (IMTA). De acordo com Michael Herlo, economista norte-americano radicado no Brasil e diretor da Frate, empresa especializada em internacionalização de empresas, mesmo com todos os problemas que o Brasil teve no primeiro semestre, não é interessante para ninguém que o País deixe de ser o grande exportador de carne.
"Existe todo um trade internacional que funciona em torno da carne brasileira e que não pode parar. São milhares de negócios, empresas e profissionais envolvidos dentro e fora do Brasil", explica Herlo.