Fim da cobrança diferenciada gera polêmica

Para o Ministério da Justiça, prática que estabelece um preço para homens e outro para mulheres é ilegal

Por Camila Silva

Proprietários de casas noturnas e outros estabelecimentos temem perder público e rendimentos
A nota técnica publicada no dia 3 de julho pela Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), órgão que integra o Ministério da Justiça, tem gerado polêmicas. No texto, a Senacon orienta casas noturnas, bares e restaurantes a extinguirem a cobrança diferenciada entre homens e mulheres, prática comum em casas noturnas. A nota destaca que a medida "afronta o princípio da dignidade da pessoa humana e o princípio da isonomia". Além disso, considera que cobrar preços diferenciados por gênero é uma prática comercial abusiva.
"Não estamos falando de homens e mulheres apenas, mas sim de pessoas. E se alguém não se identifica com ambos os gêneros?", questiona Ana Carolina Caram, diretora do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor do Ministério da Justiça. A diretora ressalta que a prática sempre foi ilegal e, mais do que isso, inconstitucional, porém não existia uma orientação clara para os estabelecimentos quanto ao assunto. A medida atual é válida para cobrança de ingressos em casas noturnas, bares e restaurantes e para valores diferenciados de consumo nos estabelecimentos.
Todos os eventos realizados no Pub Bar 72 New York, em Porto Alegre, têm preços diferenciados para homens e mulheres. Em média, o ingresso feminino custa R$ 15,00 mais barato do que o masculino. Horizonte Antônio Venzon, coordenador do estabelecimento, defende que o valor dos ingressos deveria ser de autonomia da casa. Além disso, Venzon considera que a medida é prejudicial para o público feminino, tendo em vista que o valor do ingresso irá aumentar. "Vamos realizar uma reunião com todos os departamentos da casa para chegarmos a um denominador comum, pois desejamos manter o público fiel e cativo", ressalta.
Questionada sobre a mudança na diferenciação de preços, a estudante Amanda Borges considera a medida positiva e defende a igualdade de valores entre gêneros. "Continuarei frequentando, independentemente do valor", diz Amanda, que frequenta festas que costumam fazer a diferenciação nos ingressos.
"Já deixei de frequentar festas nas quais o ingresso feminino era mais barato. Caso a festa mantenha essa diferenciação, não irei", afirma Victória Alfama, estudante de jornalismo do Centro Universitário Ritter dos Reis (Uniritter). A favor da medida, a estudante acredita que a cobrança diferenciada em casas noturnas, bares e restaurantes, de maneira geral, é uma prática negativa. "Nas festas, é para atrair as mulheres para os homens, e, nos restaurantes, é porque acredita-se que as mulheres comem menos", conclui Victória.

Empresários sugerem diferenciação para restaurantes

Sócio-produtor de duas casas noturnas responsáveis por vários eventos na Capital - Opinião e Pepsi On Stage - Claudio Favero ressalta que, há algum tempo, as festas realizadas nos estabelecimentos têm cobrança padrão para homens e mulheres. Favero se diz a favor da medida para casas noturnas e em shows, mas acredita que em bares e restaurantes a orientação precisa ser repensada. "Não acredito que em uma pizzaria, por exemplo, a aplicação de preços diferenciados seja feita por conotação pejorativa", destaca.
A diretora executiva da Associação de Bares e Restaurantes do Rio Grande do Sul (Abrasel-RS), Thais Kapp, diz que "a entidade aposta e acredita na igualdade de gênero, mas preserva a liberdade econômica de cada estabelecimento". Thais considera necessário que se faça uma diferenciação entre os dois modelos de cobrança que a medida abrange - ingressos nos estabelecimentos e promoções específicas para gêneros. "Por exemplo, no buffet livre de comida japonesa, não é um atrativo pejorativo, é um valor diferenciado por uma crença de que a mulher come menos", explica. A Abrasel-RS orienta seus associados que cumpram a legislação e que, a partir de agora, apliquem promoções que não estejam ligadas à diferenciação por gêneros.
Nas quartas-feiras, as clientes do restaurante de culinária japonesa Takêdo pagam R$ 107,00 pelo buffet livre, enquanto, para os homens, o preço sai por R$ 127,00. Daniel Vinicius Pulz, proprietário do estabelecimento, diz que a promoção foi desenvolvida para atrair o público feminino. Pulz teme que a medida resulte na diminuição do movimento da casa e, consequentemente, interfira no rendimento do estabelecimento.
Para Maria Elizabeth Pereira, diretora executiva do Procon-RS, a cobrança diferenciada por gênero em casas noturnas é uma estratégia de tornar a mulher um objeto de marketing. "A mulher não pode ser vista apenas como um produto", ressalta. Quanto à fiscalização, após o prazo estipulado para a adequação dos estabelecimentos, em 3 de agosto, o cliente deve contatar diretamente o administrador do estabelecimento. Caso não haja a correção nos preços, a orientação é procurar o Procon-RS com os documentos que comprovem a prática abusiva.