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Lidar com frustrações ajuda a enfrentar obstáculos
Quando estratégias falham, pode ser hora de mudar de rumo
Ainda que reconhecer quando um negócio está saturado seja importante para evitar consequências piores, quem opta por empreender, em qualquer ramo, precisa lembrar que desistir nem sempre é o caminho quando tudo parece estar dando errado. Pelo contrário, persistência e paciência são fundamentais quando surgem os piores obstáculos. Mas não se deve confundir resistência com apego e teimosia. "É preciso ter uma certa frieza para se afastar do negócio que se construiu a partir de um sonho pessoal e se colocar de fora para analisar o contexto", comenta o gestor da Raiar - Ambiente de Desenvolvimentos de Startups da Pucrs -, Leandro Pompermaier.
Se o problema é sazonal ou peculiar ao momento, ou se o que interfere é uma mudança no mercado, pode-se observar as lacunas e oportunidades com informações que vão além da empresa afetada - uma vez que também impactam as demais do segmento. "Ao enxergar o contexto, é possível tomar a decisão de criar um novo produto ou serviço (o que é sempre um risco, porque pode não ser bem aceito), abrindo mão de outro que pode até ter obtido sucesso em um primeiro momento - mas deixou de render ou se estabilizou - e surfar uma nova onda", observa o gestor da Raiar. O especialista avalia que "sempre se tem como dar a volta por cima". "Basta acreditar, ser mais estrategista nas ações, e não se apegar na ideia original; mas, sim, capturar o que nela tem de bom e adaptá-la."
Para empreendedores que desenvolvem algum projeto em que percebam sinais de que o negócio não está no rumo certo (ou que algo está dando errado de fato), avaliar se o caminho percorrido é o melhor é, sem dúvida, o primeiro passo a ser dado, na opinião da psicóloga e coach executivo Luciana Saldanha. "É preciso fazer uma crítica e rever as estratégias, para confirmar se há ou não algum equívoco", explica. "E se não há erro, sempre é bom lembrar que, às vezes, as coisas demoram para engrenar", sugere Luciana.
Os proprietários do Cumbuca Bistrô, localizado no bairro Bom Fim, em Porto Alegre, passaram por todas estas etapas - não necessariamente nessa ordem. O casal de sócios-proprietários Alexandre Rodrigues Barboza e Jaqueline da Silva Zanini acabou usando a estratégia da aposta em outro nicho, após diversas tentativas de adaptações do negócio inicial. Na época, o faturamento estava em torno de R$ 13 mil por mês. Durante os dois primeiros anos de operação, a empresa alcançou um pico de atendimento "interessante", mas ainda longe do ideal, comenta Barboza. "Entre sábados e domingos, atendíamos de 100 a 120 pessoas em um espaço pequeno, era uma loucura."
A comida era servida em cumbucas (tanto a entrada, quanto o prato principal), e havia quatro opções no cardápio, que mudavam a cada dois meses. "Logo, o movimento começou a diminuir, então resolvemos aumentar para sete o número de opções no cardápio e agregamos um Prato do Dia, mas sem surtir muito efeito", recorda Barboza, ponderando que esta iniciativa "ao menos" fidelizou clientes. "O problema é que estávamos servindo apenas 15 a 20 almoços por dia. Ao longo do período, tentamos servir café da manhã e da tarde, além de abrir em horário de happy hour - mas sempre sem muito resultado", confessa o empreendedor.
Foi quando os sócios decidiram fazer uma última tentativa, antes de desistir do negócio, e compraram a ideia de um funcionário da casa, que tinha experiência em padaria. O resultado surpreendeu: as vendas explodiram, e hoje o negócio fatura de R$ 60 mil a R$ 70 mil por mês. A coach Luciana Saldanha destaca que todo empreendedor, ao abrir um negócio, tem que contar também com a hipótese de que as coisas não andem da forma desejada. "Rever estratégias e posicionamento pode ser o melhor caminho para lidar com os obstáculos externos", observa Luciana. Para ela, a questão da persistência está bastante vinculada à tolerância ao lidar com a frustração. "É muito comum empreendedores passarem por dificuldades no início do negócio. Em geral, é na segunda ou terceira tentativa que a empreitada vai dar certo", sinaliza.
O ideal é sempre ter um 'plano B'
Se, mesmo com muito esforço, as coisas não engrenam em um negócio, continuar insistindo passa por saber lidar também com as expectativas, avalia o especialista em negócios on-line e idealizador do site Empreendedor Digital, Bruno Picinini. "Isso ajuda muito na hora de ter persistência; pois, só porque a pessoa vai criar um novo negócio, produto ou campanha, não significa que já vai conquistar o mundo vendendo milhões na primeira oferta. Isso raramente acontece", reforça. Conforme Picinini, o processo inclui cometer erros e tentar outra vez. "O ideal é sempre alinhar as expectativas e ter um plano B. Caso alguma coisa não saia como planejado, o empreendedor não ficará estagnado, remoendo o problema."
Outra dica de Picinini é olhar o erro como um teste, "porque, afinal de contas, é isso que é. Foi algo que se tentou, e que não deu certo". Sempre ter uma visão de longo prazo é outra sugestão do especialista. "Antes de desistir perante as dificuldades, o empreendedor deve pensar como será sua vida daqui a cinco ou 10 anos. "Talvez ele se veja de volta ao mesmo emprego que deixou, porque não gostava", comenta. Dedicar tempo para fazer um levantamento de como está a situação da empresa deve ser o primeiro passo, orienta a gestora de atendimento do Sebrae na regional Sinos, Cai e Paranhana, Bia Dauber.
"Fazer diagnóstico para identificar os gargalos e oportunidades de melhoria, analisar os números, as vendas, a gestão e os custos fixos são tarefas fundamentais." A gestora afirma que a maioria (60% a 70%) dos empreendedores atendidos pelo Sebrae detecta um gargalo no setor financeiro. A entidade oferece visita gratuita para micro e pequenas empresas, enviando um técnico para fazer levantamento do perfil de negócio e dar um direcionamento para empresários. Todo processo é gratuito.
Seja como for, tem que ter força e fôlego para fazer a mudança, destaca o gestor da Raiar - Ambiente de Desenvolvimentos de Startups da Pucrs, Leandro Pompermaier. "Depende muito de como o próprio empreendedor se preparoui para a fazer a mudança." O especialista afirma que é muito comum acontecer com startups o entendimento de que será preciso buscar uma "alternativa B" o mais rápido possível, quando há percepção que não há demanda no mercado.
Foi o caso dos sócios Artur de Castro, Rodrigo Bueno e Bruno Fontanella, que trabalham na startup Petjog há três anos. Após uma pesquisa com 287 pessoas, o trio foi testar no mercado um brinquedo eletrônico para cães e gatos. "A ideia era uma caixa alocada na parede, com um fio que ficaria se movimentando, e com o qual o cachorro brincava", explica Castro. O objeto teria formato de bola com movimento para todos os lados, diversos tipos de sons, luzes e até mesmo cheiro. "Não deu certo, porque precisava de muitos recursos", admite o empreendedor. Ainda assim, os sócios tentaram seguir com a proposta "por um bom tempo". "Mas não tínhamos o capital necessário (em torno de R$ 1 milhão); e, para fazer empréstimo, o crédito, além de caro para inovação, exigia garantia - e nenhum de nós tinha bens para cobrir."
Para piorar, havia outra dificuldade: "comercializar um produto muito inovador em um mercado que está engatinhando", explica Castro. Os empreendedores chegaram a fazer um protótipo, que ainda não evoluiu por falta de recurso para desenvolver a parte eletrônica mais apurada e a fabricação em escala do produto. Antes de detectarem que não poderiam seguir com a ideia naquele momento, o trio tentou empréstimos, investimento-anjo e várias aceleradoras. Mas os recursos que conseguiam eram pequenos e não suportavam o valor do projeto. "E quando alguém oferecia valor grande, a proposta não era vantajosa", explica Castro, admitindo que, em algumas vezes, ele e os dois sócios chegaram a pensar em desistir. "Quando há uma série de dificuldades, desmotiva, vai abalando os ânimos."
Mas quando os empreendedores da Petjog decidiram mudar o plano e lançar um produto que o mercado estivesse pronto para consumir (e que seria mais fácil de expandir), o jogo virou. Desenvolveram outro brinquedo: uma bola com base feita de material de blindagem de carro, onde é possível colocar ração dentro, para que, na medida em que o pet balance o objeto, seja recompensado com petisco.
Hoje, o produto é vendido em nove estados brasileiros. "Agora, estamos laçando uma versão com preço mais competitivo, e nosso objetivo é partir para exportações das duas linhas no ano que vem", projeta Castro. Quanto à ideia original, o empreendedor afirma não ter abandonado. "Estamos esperando para quando o mercado estiver pronto." O trio segue com o projeto e já conseguiu reunir R$ 550 mil através de editais públicos (Sesi/Senai Inovação; Sebrae Inova; e Design Export). "Estamos com o desenvolvimento alinhado. Daqui a dois meses, iremos buscar mais capital para expandir mais rápido a nossa área comercial", projeta Castro.
Processo de mudança exige esforços e criatividade para novas propostas
Os obstáculos à continuidade do Cumbuca Bistrô iniciaram no terceiro ano de negócio, quando o fluxo de clientes do restaurante caiu "consideravelmente", ficando muito abaixo do necessário para fazer o capital girar. "Trabalhamos um ano inteiro no vermelho, mas sempre na esperança de que as coisas iriam melhorar", conta o sócio-proprietário Alexandre Barboza. A proposta que norteava o negócio era um cardápio de almoço preparado com produtos mais nutritivos e saborosos. No início, o espaço abrigava 26 lugares.
Antes de passar a oferecer pães - também feitos com produtos diferentes do convencional, seguindo o conceito da proposta inicial -, o processo de mudança exigiu esforços. Mesmo no vermelho, os sócios contrataram uma consultoria do ramo, especializada em fermentação natural; realizaram uma série de testes de receitas; e investiram mais R$ 8,5 mil na compra de forno, masseira e armário de crescimento para os pães. Isso foi em meados de 2015, e até hoje a dupla continua procurando melhorar o produto. "Buscamos constante especialização. Estou iniciando um curso de fermentação natural", comenta Barboza. Ele acredita que teve mérito ao não se acomodar e ao ouvir a sugestão do funcionário Alessandro Paz Machado, que atualmente é responsável pelo setor de padaria.
Em junho de 2015, quando começou a venda dos pães, o almoço do Cumbuca Bistrô era servido até as 14h30min, quando a equipe do restaurante modificava a estrutura do espaço, para poder expor os produtos. "No início, a gente precisava recolher as mesas, pois bastava duas para disponibilizar as cestas com cinco tipo de pães", destaca Barboza. Mas, segundo o empreendedor, logo foi preciso começar a aumentar o volume da produção, e em dois meses já eram 20 tipos de pão, dispostos em cestas que ocupavam oito mesas.
"Foi uma explosão. Desde o primeiro dia, vendemos muito, aliás, vendemos tudo. Começamos a quase não dar conta, e foi muito rápido o resultado", recorda. Em um ano, a empresa cresceu e passou a acumular filas diárias, com cerca de 20 pessoas em média, aguardando por atendimento. Logo foi necessário investir outros R$ 8 mil para a aquisição de uma masseira maior. "A máquina inicial era pequena, suportava sete quilos de massa. Mas, em dois meses, quando vimos que estávamos o dia inteiro batendo massa, sem dar conta, compramos uma maior, para 25 quilos."
Contando com produção diária, o Cumbuca Bistrô hoje tem como carro-chefe o que foi implementado como um negócio secundário. O almoço ainda faz parte do contexto, mas, neste caso, a demanda continua na mesma média: de 15 a 20 almoços por dia. Apesar disso, os sócios não pensam em extinguir este serviço. Pelo contrário: preocupam-se atualmente em trabalhar, a partir do mês que vem, na área de confeitaria, com produção de doces e salgados, para oferecer uma maior variedade à clientela.
Atualmente, a casa oferece alguns produtos do gênero: além dos pães, é possível optar por pizzas, empadas, tortinhas de limão e de banana, e sonhos. "Dificilmente, sobra alguma coisa", garante Barboza, que, em novembro do ano passado, alugou um apartamento de 100 metros quadrados no andar de cima do restaurante, onde agora funciona a linha de produção da empresa. Em seguida, injetou em torno de R$ 80 mil na reforma da área de baixo, na construção de uma escada, implementação de um elevador e compra de mais equipamentos.