PF indicia 63 alvos da Operação Carne Fraca

Entre os nomes estão executivos e donos de frigoríficos e empresas de alimentos processados, como JBS e BRF

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Ação deflagrada em março, em sete estados, revelou esquema de adulteração de produtos
A Polícia Federal (PF) indiciou 63 alvos da Operação Carne Fraca por crimes de corrupção, concussão, prevaricação, formação de organização criminosa e crime contra a saúde pública. Os alvos são funcionários do Ministério da Agricultura (Mapa) em Curitiba e Londrina (PR) e em Goiás, executivos e donos de frigoríficos e empresas de alimentos processados, entre eles nomes da JBS e da BRF. O relatório parcial foi entregue no sábado pelo delegado Maurício Grillo Moscardi ao juiz federal Marcos Josegrei da Silva.
Comandada por três delegados da PF em Curitiba, a equipe da Carne Fraca - deflagrada em 17 de março em sete estados - apontou esquema de indicações políticas, em cargos-chave do Ministério da Agricultura, em especial no Paraná e Goiás, que tinha como contrapartida a obrigação de arrecadar propinas para partidos como PMDB, PP e PDT com empresários do setor de carnes e embutidos. "Após a deflagração da denominada Operação Carne Fraca, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, no sentindo de corroborar com as investigações da Policia Federal, implementou, no âmbito de suas atribuições, uma força-tarefa com a finalidade de fiscalizar as empresas indicadas como suspeitas da prática de crime contra saúde pública", registra o relatório.
As análises de alimentos produzidas pelo Mapa, nas 21 empresas-alvo da Carne Fraca, que apontam adulteração em produtos, bem como os grampos que revelam tratativas dos empresários com os fiscais para liberar cargas de produtos enviados para China, Espanha e Itália, foram entregues ao juiz. "O procedimento do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento visava constatar análises de fraude e risco sanitário", informou o delegado.
No relatório, os crimes foram separados por alvos e também houve individualização de conduta por unidades-alvo da operação. "Tal medida permitirá esclarecer de maneira técnica, na sequência dos fatos relatados, as fraudes e crimes contra saúde pública comprovados das análises periciais realizadas nas amostras colhidas tanto pelo Ministério da Agricultura quanto pela Policia Federal." 
Segundo o delegado, "as investigações demonstraram a existência de uma verdadeira organização criminosa atuante no Mapa-PR, composta por servidores do órgão e empresários sob fiscalização". Os policiais trabalham na conclusão do cruzamento de dados das quebras de sigilos bancários e fiscais dos investigados - ainda não tornadas públicas - e dos 13 mil grampos telefônicos e telemáticos feitos em 2016, com o material apreendido nas buscas.
São 195 malotes carregados de documentos, agendas, anotações, provas que estão sob análise. Por isso, o relatório ainda é parcial e será aumentado. "As interceptações telefônicas, diligências de campo e laudos periciais evidenciam diversos atos de corrupção e concussão, bem como a associação entre diversas pessoas para atender a interesses específicos, tanto das empresas - facilitação em fiscalizações, substituição de fiscais indesejados, agilidade em procedimentos, aprovação de práticas irregulares, assinatura de certificados de remessas de cargas nacionais e internacionais sem a presença do fiscal etc. - quanto dos servidores, tanto no recebimento de valores como na manutenção em determinados postos estratégicos ou ascensão a cargos superiores."
 

Relatório divide indiciamento em três núcleos e aponta líder da organização

A Polícia Federal dividiu o indiciamento dos alvos da Operação Carne Fraca em três núcleos: os dos funcionários do Mapa em Curitiba, os de Londrina e os de Goiás. Segundo o delegado Maurício Grillo Moscardi, a "organização criminosa é liderada por Daniel Gonçalves Filho, que foi superintendente do Ministério da Agricultura no Paraná por boa parte da investigação". O alvo tem como braço direito, diz a PF, Maria do Rocio Nascimento, "importante contato dos empresários corruptos para realização de atos de interesse das empresas interessadas".
"Diante de todo o exposto, da clara divisão de tarefas para o cometimento de crimes, do fim no lucro ou vantagens especiais (cargos e posições) que também remetem a lucro, da infiltração no poder público, da hierarquia estrutural, do alcance regional e nacional, todas características específicas do conceito de organização criminosa e presentes no caso analisado, considerando que Daniel Gonçalves, Maria do Rocio e Gil Bueno, da parte dos servidores públicos corruptos e, de outro lado, Flavio Evers Cassou e Roney Nogueira, da parte das empresas corruptoras, formam o topo da cadeia de comando da referida organização criminosa", afirma o delegado.
Cassou e Nogueira são os homens da JBS e da BRF - maiores empresas do setor alvo da Carne Fraca - entre os indiciados da operação. No caso de Londrina, a PF apontou que "Roney Nogueira dos Santos, diretor de Relações Institucionais da BRF, permitiu detectar que o modo de atuação da empresa no Paraná era repetido em pelo menos mais dois estados, Goiás e Minas Gerais".
"Em Goiás, constatou-se, além de diversas irregularidades em plantas da empresa no estado - como a presença de salmonela em produtos alimentícios -, a relação espúria com servidores públicos federais lotados no Mapa daquele estado. Tal relação ficou evidente nos diálogos reproduzidos ao longo deste documento, principalmente tendo Roney e André Luiz Baldisserra, diretor da BRF para o Centro-Oeste, à frente das negociações."
O delegado afirmou ao juiz federal Marcos Josegrei da Silva que ficou "claro que a BRF prometeu apoio financeiro para partido político responsável pela indicação de cargos no Mapa, em situação comandada por Dinis Lourenço da Silva, então chefe do Sipoa/Mapa-GO". O juiz abriu prazo para que o Ministério Público Federal se manifeste sobre o caso.
No relatório, a Polícia Federal informa que o volume de informações e peças produzidas na operação - que teve sete bases operacionais, com cumprimento de mais de 150 mandados judiciais - não houve possibilidade de esgotar todas as diligências necessárias no exíguo prazo de 30 dias legalmente estabelecido.
O delegado informa ainda que serão abertos "novos inquéritos para complementar situações pendentes, que demandam novas diligências, tais como o cometimento de crime de lavagem de dinheiro por alguns investigados ou fatos já conhecidos que não envolviam réus presos, portanto não tratados aqui neste relatório".
A JBS informou, por meio de assessoria de imprensa, que "opera de acordo com a legislação e mantém rígidos padrões e processos para garantir a qualidade dos seus produtos" e que "não compactua com qualquer desvio de conduta de seus funcionários e tomará as medidas cabíveis".
A BRF informou que "não compactua com práticas ilícitas e refuta qualquer insinuação em contrário". "Ao ser informada da operação da PF, a companhia tomou imediatamente as medidas necessárias para a apuração dos fatos. Essa apuração será realizada de maneira independente e, caso seja verificado qualquer ato incompatível com a legislação vigente, a BRF tomará as medidas cabíveis e com o rigor necessário", afirmou em nota.