Após sete anos, lei segue com obstáculos para efetivação

Advogada especialista em Direito da Família diz que legislação, em vigor desde 2010, esbarra na morosidade da Justiça

Por Laura Franco

Melissa Barufi afirma que alienador, muitas vezes, induz ao erro e dificulta o fim do processo
Foi a partir de uma separação que as coisas foram ficando cada vez mais difíceis para Carlos (nome fictício). Ele morava em Criciúma com as filhas gêmeas e a esposa, e teve sua rotina modificada quando elas se mudaram para Guaíba. Desde então, ele sofreu, por parte da ex-mulher, acusações de agressão que o mantiveram ainda mais afastado das crianças. Foi conversando com especialistas e um grupo de apoio que ele descobriu que estava sendo vítima da alienação parental.
Marina (nome fictício) mantinha a guarda compartilhada de sua filha, até que, um dia, não conseguiu buscá-la na escola, impedida pelo ex-marido. Depois do ocorrido, ela recebeu uma intimação de maus-tratos, que possibilitou uma convivência de um dia por semana com a filha, em um Núcleo de Apoio aos Familiares, com a presença de uma assistente social. As acusações e a alienação se tornaram cada vez mais graves, e Marina ficou três anos sem ao menos ver sua filha.
Carlos chegou a se mudar para manter um convívio mais próximo. Hoje, luta pela guarda compartilhada das filhas, que já estão com nove anos, e continua as vendo somente a cada 15 dias. Marina vê a filha, que já tem 14 anos, uma vez por mês em consultas psicológicas, mas sente que a relação entre ambas se perdeu para sempre.
Esses e milhares de outros casos semelhantes tramitam diariamente na Justiça brasileira e, há sete anos, são vistos sob a ótica da Lei nº 12.318/2010. Nela, ficam caracterizados atos típicos de alienação parental, ou qualquer conduta que dificulte a convivência de criança ou adolescente com um dos genitores.
Advogada especialista em Direito de Família e presidente do Instituto Proteger e da Comissão Nacional da Infância e Juventude do Instituto Brasileiro de Direito de Família (Ibdfam), Melissa Telles Barufi avalia que, mesmo com a lei em vigor há tanto tempo, sua efetivação ainda é difícil. Ela ressalta que projetos de lei como o PLS 19/2016 colocam como preferenciais os casos de alienação parental. O problema é que a lei de 2010 já prioriza esses casos, e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) diz que questões que envolvem violência contra a criança são prioridade. A própria Constituição trata desta maneira e, mesmo assim, há morosidade. "De que vai adiantar mais uma lei se acaba sempre voltando para o mesmo lugar e, no fim do dia, não há proteção para esses vulneráveis?", questiona.
Em casos de denúncias falsas, como aconteceu com Carlos e Marina, a celeridade se faz ainda mais necessária. "O problema deixa de ser se a agressão, de fato, ocorreu, e sim a demora para investigar. Se afasta a criança de um possível abusador, mas pode se estar deixando a criança na mão de um (verdadeiro) abusador", lamenta.
Para a especialista, o alienador é motivado de diversas maneiras. Ou por estar machucado com o fim do relacionamento, ou por ciúmes do novo companheiro e vontade de iniciar uma nova família. A partir daí, os atos são os mais diversos, desde a desqualificação do outro até impedir completamente a relação deste com a criança. "O filho, sem querer, compra a ideia de abandono e acaba ficando ao lado do alienador, pois percebe que, ao se relacionar com o outro genitor, causa tristeza ao outro", explica Melissa.

Alienadores tentam mudar a memória afetiva da criança

O chamado conflito de lealdade foi logo percebido por Carlos, que relatou um afastamento das filhas com o objetivo de não magoar a mãe. Além disso, a falsa memória, decorrente da apresentação de uma nova realidade para as crianças, excluindo os fatos verdadeiros, foi reconhecida em uma conversa entre ele e as crianças. "Eu ensinei as meninas a andarem de bicicleta, tenho vídeos desse momento. E, um dia, em uma visita, questionei se elas lembravam disso e uma delas me respondeu que sim, que seu padrasto havia lhes ensinado. Criaram uma nova realidade para ela e ela apagou os momentos comigo", lamenta o pai.
Marina relembra as situações de falsa memória e resume que a filha parecia estar sendo "abduzida" da realidade de sua família. "Era perceptível como ela estava sendo doutrinada para repetir tudo o que diziam. Ela, inclusive, confessou à psicóloga que estava sendo instruída a falar das agressões e abusos", comenta.
Melissa explica que, no artigo 6º da Lei de Alienação Parental, estão especificadas as possibilidades para os alienadores. Dentre elas, advertir o alienador, ampliar o regime de convivência familiar em favor do genitor alienado, estipular multa, determinar acompanhamento psicológico, determinar alteração da guarda ou até mesmo declarar a suspensão da autoridade parental. "As multas têm se mostrado bem eficazes. A questão da terapia ainda é muito discutida, já que a medicina não recomenda tratamento psicológico compulsório", salienta.
Mesmo com o sofrimento trazido por uma alienação parental, a advogada ressalta que é preciso lembrar quem está no meio disso: as crianças. "Às vezes, para se proteger da alienação, se acaba alienando, por isso que eu digo para os meus clientes não avaliarem o processo como uma guerra. Não é questão de ganhar ou perder, não existe mais vencedor, somos todos perdedores", avalia a especialista.