Justiça é caminho para quem tem benefício negado

Concessões de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez passam por qualidade de segurado e período de carência

Por Suzy Scarton

Eloísa Helena Machado Pinto é assistida da Defensoria Pública da União. na foto: Eloísa Helena e a mãe Maria Tereza
Eloisa Helena Machado Pinto tinha 30 anos quando foi diagnosticada com ataxia dominante. A doença, incurável, consiste em lesões no cerebelo, que causam um conjunto de desordens neurológicas, degenerativas e progressivas, afetando principalmente a fala, a coordenação motora e o equilíbrio. Técnica de enfermagem, Eloisa, hoje com 40 anos, se viu impossibilitada de seguir atuando como cuidadora de idosos. Por isso, recorreu à Defensoria Pública da União no Rio Grande do Sul para buscar um benefício que julgava merecer: a aposentadoria por invalidez.
A luta de Eloisa durou quase cinco anos. O pedido de aposentadoria por invalidez foi negado duas vezes pela perícia do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), resultado recebido com frequência por assistidos da Defensoria. Isso ocorre, segundo a defensora pública Regina Taube, porque o simples atestado comprovando a doença não basta para conceder o benefício. "O assistido procura o auxílio-doença, que é um benefício temporário para quem está incapacitado parcialmente, de modo permanente. A aposentadoria, por sua vez, exige que o cidadão esteja totalmente incapacitado para qualquer trabalho, não somente aquele que já fazia ao ser diagnosticado", explica. Ela cita o exemplo das doenças psiquiátricas. "A não ser que a pessoa esteja em um caso muito avançado, não conseguimos aposentar, porque, se a pessoa consegue acertar a medicação, pode levar uma vida relativamente normal", pondera.
De acordo com o Anuário Estatístico da Previdência Social de 2015, o Brasil tinha, em 2015, 3.159.221 aposentados por invalidez de natureza previdenciária, e 194.734 aposentados pelo mesmo motivo, mas de natureza acidentária laboral. Somando os valores concedidos aos beneficiários das duas naturezas, o governo federal investiu, em 2015, R$ 3,8 bilhões nesses pagamentos.
O primeiro repasse da aposentadoria por invalidez de Eloisa Helena chegou na primeira semana de abril, no valor de um salário-mínimo. Antes disso, a técnica de enfermagem dependia do marido. Agora, espera conseguir comprar mimos para si, como maquiagens e acessórios, sem se descuidar de fazer uma espécie de poupança para o futuro.
Além do diagnóstico e da documentação médica comprovando a incapacidade, Eloisa também se encaixou em alguns critérios exigidos pelo INSS. "A pessoa precisa ter condição de segurada. Ou tem carteira assinada e o empregador paga o benefício, ou é contribuinte individual, aqueles trabalhadores autônomos, que são segurados obrigatórios. Também há a opção de contribuição facultativa, para estudantes ou donas de casa, por exemplo", esclarece Regina.
Existem alguns passos básicos para a obtenção da aposentadoria. Assim que se vê diagnosticado, o indivíduo deve agendar uma perícia no INSS (pelo telefone 135 ou por agendamento on-line). Ao perito é preciso levar toda a documentação médica, que será avaliada. A partir do resultado da análise, que pode negar a incapacidade para o trabalho ou apenas permitir que o indivíduo receba um auxílio-doença, a pessoa pode procurar a Defensoria Pública. "Temos esses casos aos montes. As pessoas chegam com uma carta de indeferimento, aí analisamos. Além de ter qualidade de segurada, a pessoa precisa cumprir um período de carência", descreve.
A defensora relata que, depois de duas ou três perícias negativas, dificilmente haverá uma mudança no entendimento dos médicos. Ela sugere que, nesses casos, o cidadão faça um novo requerimento administrativo para recomeçar o processo. "É longo, muito desgastante e muito triste. Em alguns casos, a pessoa fica totalmente desamparada, sem nenhuma verba", lamenta Regina.

Práticas de fraude dificultam concessão de aposentadorias

Com a intenção de conter gastos e estimular a economia, o governo federal organizou a realização de pente-fino nos benefícios concedidos pelo INSS. Atualmente, os técnicos estão trabalhando nos auxílios-doença para, em seguida, chamar os aposentados por incapacidade novamente à perícia. Serão chamadas aquelas pessoas que tem menos de 60 anos e não passam por perícia há mais de dois anos.
Conforme a defensora pública federal Regina Taube, existe uma resistência à concessão dos benefícios, porque muitas pessoas recebem o valor indevidamente. "Tem gente que não deveria receber, e têm aquelas pessoas que recebem por um tempo e nunca mais fazem perícia. Foi um dos motivos que levaram ao pente-fino do governo", conta a defensora. Ela também cita a questão da simulação de sintomas no momento em que é feita a perícia. "Não considero um diferencial, porque os peritos se baseiam na documentação médica", argumenta. No entanto esse tipo de comportamento prejudica quem tem boas intenções.
Além dessa dificuldade, Regina também elenca a questão da documentação médica, uma vez que muitos segurados dependem do Sistema Único de Saúde (SUS) para obter os laudos. "Quando é problema ortopédico, às vezes, as consultas levam dois anos para ocorrer, a fila é muito longa. É difícil de recuperar a documentação", lembra.
Outro empecilho é a dificuldade econômica. "A pessoa não está contribuindo, está desempregada, aí perde a qualidade de segurado. Aconselho que, mesmo desempregada, a pessoa tente pagar como facultativo para não perder os benefícios de segurado", aponta a defensora.

Obrigatoriedade de carência de contribuição tem exceções

No ano passado, o governo de Michel Temer, por meio de medida provisória, ampliou o período de contribuição anterior ao pedido de algum benefício. Antes, o direito de requerer auxílio-doença e aposentadoria por invalidez exigia quatro meses de contribuição prévia ao INSS. Agora, esse período foi elevado para 12 meses.
Existem exceções, no entanto. Se o cidadão sofrer um acidente de trabalho ou for acometido, depois de começar a contribuir com o INSS, por algumas doenças (ver quadro) o benefício será concedido mesmo sem o período de carência.