Estranhas memórias de Porto Alegre

Há quem diga que Porto Alegre ainda é uma província, uma açoriana tímida. Os mais críticos falam que é uma carroça

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Há quem diga que Porto Alegre ainda é uma província, uma açoriana tímida. Os mais críticos falam que é uma carroça. Porto Alegre sempre cultivou lendas e histórias, inventadas ou não, e sempre gostou de apelidos e nomes pitorescos para ruas e becos. Quem não lembra das histórias da noiva abandonada no altar da Igreja Santa Terezinha depois da delação de alguém ou da casa de gays masculinos na zona Sul?
O livro 20 Relatos Insólitos de Porto Alegre (Libretos, 216 páginas, R$ 34,00), do consagrado e premiadíssimo jornalista e escritor Rafael Guimaraens, autor de Tragédia da Rua da Praia e A Dama da Lagoa, entre outros 15 livros publicados, justamente trata da alma de Porto Alegre, de suas estranhas histórias. Os 20 relatos misturam drama, romance, tragédia, memória, jornalismo e teatro, envolvendo personagens reais e cenários, incluindo locais que não existem mais.
O trabalho é resultado de mais de uma década de pesquisas históricas e o autor, que já tem uma extensa obra dedicada à memória da cidade, utilizou toda sua vasta experiência e ótimo faro jornalístico para a seleção destas histórias. Segundo Guimaraens, as histórias são diferentes, mas guardam a estranheza que provocam nos leitores como fator comum.
Narrando o suicídio de Honorina, viúva de Júlio de Castilhos que não suportou a dor causada pela morte do marido depois de 20 anos de vida em comum, o autor envolve o leitor, torna-o cúmplice. Ela se suicidou com um fogareiro, na antiga residência da família, onde hoje funciona o Museu Júlio de Castilhos.
O dramático caso de amor entre o compositor erudito José de Araújo Vianna e a cantora e pianista Olinta Braga; o surgimento da mística em torno da moça assassinada que virou Maria Degolada, santa popular; e a maldição da Negra Inácia, que foi acusada de feitiçaria e assassinada pelos patrões, estão entre as narrativas do volume. Guimaraens utiliza formas narrativas e estilos diferentes para mostrar aspectos da memória de Porto Alegre, sem preocupar-se com juízos de valor ou avaliações morais.
Os episódios marcantes e trágicos da encenação da peça Roda Viva em nossa cidade, em pleno período de anos de chumbo, de censura e violência, e a espetacular fuga da Ilha do Presídio a bordo de duas panelas, igualmente revelam facetas esquisitas de nossa Porto Alegre. Streep-tease no Bar Novidades; e O incrível sumiço do chefe de polícia estão também no livro, contados com inventividade e criatividade, mas com respeito à verossimilhança e à honestidade, próprios da boa literatura e do jornalismo de qualidade.
Com mais esta ótima contribuição, Rafael Guimaraens com suas narrativas saborosas, mostra nossas memórias estranhas e nos faz compreender melhor esta cidade e seus habitantes.

lançamentos

  • A última camélia (Novo Conceito, 304 páginas), de Sarah Jio, autora de Neve na primavera e As violetas de março, best-sellers do N.Y. Times, narra sobre a última espécie de uma camélia rara e Flora, jovem americana que vai tentar obter a flor, numa mansão inglesa. Um amor e crimes estão se juntam na busca.
  • Anotações de meu diário: um lema - hei de vencer (Viapampa, 248 páginas), de Vilson Ferretto, advogado consagrado, escritor e ex-vereador de Uruguaiana, revela décadas de uma vida intensa e produtiva, em páginas de um diário iniciado na juventude, em 1953. De menino nascido na roça, de família modesta, Vilson vive trajetória exemplar e inspiradora.
  • Histórias de Taiwan, de Cláudia Presser Sepé, esposa de Yen Ko Chegn, taiwanês, traz nove contos folclóricos do país, que marcaram a infância e juventude de Yen. A obra conta com fotos feitas pelo casal e ilustrações de Cremilda Lenz Pereira. Lançamento nesta sexta-feira, na Fnac.

SE...

Se você consegue acordar cedo com as palavras e notícias catastróficas metralhadas pelos radiojornais e telejornais e levantar da cama;
Se você mais uma vez desistiu de fugir dos bandidos e se mandar de mala e cuia para o Uruguai (muito frio), Miami (muito caro), Rio de Janeiro (muita violência), Portugal, Austrália, Nova Zelândia (muito longe), Canadá, Suécia, Dinamarca ou Noruega (caríssimo);
Se você tem esperança profissional brasileira de que a Lava Jato é eficiente e duradoura como um eletrodoméstico nórdico e que não vai ser lavada e tornada obsoleta por alguma anistia tipo aquelas de parlamento italiano, que sujaram as mãos limpas;
Se você acha que ainda existe alguma verdade, alguma ética e que é possível revogar a Lei de Gerson e dar uma limpada geral na política, na economia e nos poderes públicos;
Se você acha que dá para controlar muuuuuuitooo a corrupção, o propinoduto e as demais tretas e aplicar o dinheiro em saúde, educação e segurança;
Se você acha que a gente vai conseguir pensar mais no coletivo e não só nos interesses individuais, pensar um pouco mais no que pode fazer pelo País e não só no que o País pode fazer por nós, pensar que estamos no mesmo barco, no meio da tempestade;
Se você acha que podemos aproveitar melhor nosso potencial turístico, nossas riquezas naturais, nossas qualidades pessoais e nossa rica e diversificada cultura;
Se você acha que surgirão novos e bons líderes e partidos políticos, com propostas de união nacional em torno de interesses públicos verdadeiros;
Se você acha que os administradores públicos conseguirão gastar bem o que tem e não gastarão o que não têm;
Se você acha que as pessoas obterão empregos, conseguirão poupar, não gastar o que não têm e observar o que fazem cidadãos de outros países, em termos de vida, consumo, hábitos e ideias;
Se você ainda tem capacidade de sonhar e achar que sonhos se tornam realidade, ouvindo Pixinguinha, Villa Lobos, Tom Jobim, Ary Barroso, Chico, Gil, Caetano e tantos outros;
Se você acha que é possível desarmar os bandidos, para não precisar armar os cidadãos e que é possível dar um jeito na criminalidade e deixar de viver com medo de sair para a rua e enfrentar a roleta-russa cotidiana das calçadas;
Se você acha que é possível melhor entendimento entre as forças do capital e do trabalho e debate sereno, transparente e real sobre as questões da previdência social;
Se você acha que é possível, seguindo o modelo sueco, um País com menos ou sem excelências, privilégios, gastos públicos controlados, pompas e circunstâncias reduzidas, término de almoços e jantares PJ (pessoa jurídica) e PP (poder público), auxílios esquisitos, cartões de crédito corporativos e outros penduricalhos; Se você acha que é possível um teto para remunerações públicas;
Se você acha que é possível conversarmos, respeitadas as diferenças e juntarmos, todos, os cacos desse Brasil fraturado, para bem de todos e para bens dos que ainda vão nascer;
Bom, aí então és um brasileiro consciente, esperançoso, realista e que, junto com os demais, pode tentar dar um jeito no que está aí.

a propósito...

Vêm aí as eleições. Tomara que na reforma política - aquela que não sai nunca - os parlamentares ouçam e respeitem os eleitores. Respeito, liberdade e democracia são ótimos e os cidadãos agradecem. Há quem não queira votar em quem já está no poder. Há quem queira - parece que são milhões - renovar para valer e dar um solene cartão vermelho para os representantes que não os representam. Há cidadãos que já estão saindo no braço para cima de parlamentares em aeroportos. Violência não é bom para ninguém. Os políticos devem se dar conta que a cordialidade, o caráter lúdico, a ginga e a paciência dos brasileiros acabaram. Todos esperam que eles se toquem. Ou então serão tocados para fora. Ainda é tempo de eles ouvirem a gritaria das ruas.