Dívidas das famílias devem cair no segundo semestre

Pesquisa da Fecomércio-RS analisa consumo e endividamento no País

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De acordo com levantamento, consumidores do Brasil não atingiram situação de consumismo excessivo
O futuro do comércio brasileiro não está comprometido pelo endividamento das famílias. Simulações com uma trajetória de estabilidade real do crédito à pessoa física mostram que, mesmo sem crescimento da renda, a parcela de comprometimento das dívidas das famílias poderia começar a cair já a partir da metade deste ano, atingindo 21,5% em dezembro e 20,0% no final de 2018.
A constatação está no estudo "Consumo & Endividamento - O futuro do comércio no Brasil está comprometido?", realizado pela Assessoria Econômica da Federação do Comércio de Bens e de Serviços do Estado do Rio Grande do Sul (Fecomércio-RS). A pesquisa revela que a expansão da relação consumo/PIB, que chegou a 64% em 2016 (um patamar considerado relativamente elevado para os padrões brasileiros), não ocorreu em função de um aumento acelerado do consumo, mas por causa da redução de 8,7% do PIB capita acumulado nos últimos dois anos (2016 e 2015).
"Se comparado a muitos outros países, podemos dizer que o brasileiro parece não ter atingido uma situação de 'consumismo' excessivo. Considerando países com renda per capita semelhante, ficamos em uma posição intermediária no confronto entre consumo e PIB, abaixo de países como México e Turquia, e semelhante ao Chile", constata o presidente da Fecomércio-RS, Luiz Carlos Bohn.
Outro dado levantado indica que a elevação da taxa de juros levou a um aumento recente no comprometimento da renda das famílias brasileiras com dívidas, e não o aumento do endividamento em si. Só as despesas com o pagamento de juros passaram a consumir quase 3 pontos percentuais de renda a mais entre 2013 e 2016, enquanto as despesas com amortizações só caíram.
Além disso, na comparação com outros países, a relação entre o volume de crédito à pessoa física e o PIB no Brasil pode ser considerada moderada. O estudo aponta que o patamar da taxa de juros e a renda das famílias surgem como limitadores muito mais evidentes para o desempenho do comércio nacional do que o nível de endividamento.
Os brasileiros estão em processo de ajustes de suas contas. O volume real de crédito à pessoa física caiu em mais de 7,0% no período de dezembro/2014 a dezembro/2016, e esse movimento já permitiu a contenção do comprometimento da renda familiar com dívidas e a interrupção na alta da inadimplência, mesmo com a renda ainda em trajetória de queda.
O estudo destaca, entretanto, que a combinação de crise econômica e de comprometimento da renda com dívidas resultou no aumento da inadimplência nos lares brasileiros a partir de 2015. A alta, no entanto, foi relativamente pequena se comparada a um histórico recente.

Gaúchos estão entre os brasileiros menos endividados, aponta estudo

Segundo os dados da Fecomércio-RS, o Rio Grande do Sul é um dos estados que estão menos longe de uma normalidade histórica em relação à inadimplência. As contas em atraso com o sistema financeiro, que chegaram a 3,18% no primeiro semestre do ano passado, já recuaram para 2,61% no fim de 2016. Para retornar ao mínimo da taxa de inadimplência já encontrada na série, os gaúchos precisariam quitar mais R$ 145,3 milhões em dívida - valor que representa apenas 2,1% do total do Brasil, que, para atingir os mesmos patamares, demandaria R$ 7 bilhões.
A queda na inadimplência em 2016 é vista como um bom sinal pelo presidente da entidade, Luiz Carlos Bohn. "Além disso, a dívida é curta, e os juros estão baixando, assim como a inflação. São todos fatores que podem ajudar na recuperação da economia", argumenta o mandatário. Embora refute o otimismo, Bohn afirma que os indicadores ajudam a pelo menos diminuir o pessimismo dos empresários. "O que é um aceno para o pessoal desempregado, para que possa, daqui a pouco, passar a ser adimplente", comenta o presidente.
A alusão aos desempregados é feita, porque, na visão de Bohn, grande parte da inadimplência atual é involuntária. São pessoas que, quando contraíram os créditos, vislumbravam o pagamento, mas, com a perda do emprego, perderam também a capacidade de quitar as parcelas. Segundo Bohn, 14% dos endividados afirmam não ter condições de pagar nenhuma parte de suas dívidas. Os bons indicadores, principalmente em relação aos juros, poderiam ajudar a mudar o quadro com as renegociações.
Para os lojistas, a situação aumenta a expectativa dos próximos anos. "Já para 2017, em específico, a previsão ainda é de pouco crescimento", analisa Bohn. Enquanto a confiança atual dos comerciantes, outro indicador medido pela entidade, está nos 91 pontos (patamar que demonstra pessimismo), a expectativa para o futuro já passa dos 131 (que significa otimismo). Apesar disso, Bohn argumenta que as reduções nos juros e no risco país, aliadas ao andamento das reformas, podem acelerar a retomada. No Estado, a confirmação de uma grande safra agrícola também é um fator que será preponderante para o sucesso do varejo.
 

Comprometimento da renda tende a sofrer redução até o mês de junho

O estudo da Fecomércio-RS revela cenários positivos para a economia das famílias a partir deste ano. Ele mostra, por exemplo, que, se consideradas apenas as dívidas atuais já contratadas e supondo uma estabilidade da renda, o nível de comprometimento da renda familiar com o pagamento de contas cairia dos atuais 22,0% para 19,2% no final do primeiro semestre de 2017 e para menos de 15% (mesmo nível de 2005) até o fim do ano.
"As dívidas atuais, que já foram formadas até 2016 e são resultado de toda a expansão de crédito ocorrida até aqui, não poderiam ser responsabilizadas por um comprometimento do futuro do comércio, pois elas se dissipam relativamente rápido", afirma Luiz Carlos Bohn.
Com a taxa de juros em ciclo de redução, a tendência é de que as dívidas formadas a partir de 2017 pesem menos no bolso das famílias brasileiras. "Caso o percentual de renda mensal utilizado para o pagamento de contas fosse estabilizado ao nível que se encerrou em 2016, o saldo de crédito às famílias poderia crescer 2,2% em 2017 e 7,4% em 2018", explica o presidente da Fecomércio-RS, considerando esse cenário mesmo que não ocorra um crescimento real da renda das famílias.
"As ações que beneficiam o comércio são as mesmas que contemplam toda a população brasileira, e envolvem políticas públicas que devem mirar o desenvolvimento econômico e a estabilidade de preços no longo prazo." Para Bohn, esses são elementos fundamentais para ampliar a renda, reduzir a taxa de juros e impulsionar o setor.