Lei de Drogas superlotou presídios, aponta ONG

Human Rights Watch qualifica situação carcerária do Brasil como 'absoluto desastre' e uma 'volta à Idade Média'

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População prisional teve aumento de 85% de 2004 a 2014, chegando a mais de 622 mil pessoas
A chave para se resolver a crise do sistema prisional brasileiro é combater a superlotação, avalia a ONG Human Rights Watch (HRW), que divulgou, nesta quinta-feira, seu Relatório Mundial 2017. O trabalho analisa práticas na área de direitos humanos em cerca de 90 países. A entidade classifica a situação dos presídios no Brasil como de "absoluto desastre" e aponta como fator para o aumento de 85% na população carcerária de 2004 a 2014 - chegando a mais de 622 mil pessoas, 67% a mais do que a capacidade das unidades - a Lei de Drogas de 2006, que aumentou penas para traficantes.
"O Brasil não vai conseguir construir presídios suficientes. A solução passa pelo sistema judiciário", afirma o pesquisador da HRW César Muñoz, que esteve nas penitenciárias do Complexo de Curado, em Pernambuco, onde os motins são constantes, e de Pedrinhas, no Maranhão, onde mais de 60 presos foram mortos entre 2013 e 2014. "Entrar em um presídio no Brasil é uma volta no tempo, quase à Idade Média. São celas escuras, sem ventilação, absolutamente insalubres", relata.
A expansão das audiências de custódia, que aceleram as decisões judiciais para presos em flagrante, garantindo o direito ao réu de ser visto por um juiz, é citada como uma das saídas para diminuir a superlotação. Segundo a HRW, em todos os países da América Latina esse direito é respeitado integralmente, à exceção do Brasil e de Cuba.
O relatório dá destaque negativo ao País também por conta do grande número de execuções praticadas por policiais. Isso abastece o ciclo da violência em áreas que já têm altos índices de criminalidade e eleva o risco de morte dos policiais. Em 2015, 393 agentes foram assassinados no Brasil - no mesmo ano, eles mataram 3.345 pessoas.
Fundada em 1978, a HRW é uma respeitada ONG com sede em Nova Iorque. Seus relatórios apontam violações aos direitos humanos como forma de chamar a atenção da comunidade global para esses abusos, e de pressionar governos a combatê-los.

Em reunião com presidentes de TJs, Cármen Lúcia pede 'esforço concentrado' nas execuções penais

A ministra Cármen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), pediu aos presidentes dos Tribunais de Justiça (TJs) dos estados brasileiros e do Distrito Federal que informem, até as 17h da próxima terça-feira, a disponibilidade de juízes, auxiliares e servidores para trabalhar em um "esforço concentrado" nas execuções penais, para acelerar a análise dos processos.
A ideia é que, por 90 dias, uma equipe de cada tribunal esteja deslocada para isto. A reunião, que ocorreu nesta quinta-feira, durou cinco horas e contou com presidentes dos TJs de estados de todo o Brasil, com exceção do Rio Grande do Sul e do Mato Grosso. A ideia do "esforço concentrado" nas execuções penais parte da constatação de que há uma quantidade enorme de presos aguardando julgamentos em todo o País, o que aumenta a massa carcerária. Trata-se de uma medida, de certa forma, alternativa aos mutirões carcerários antigamente realizados pelo CNJ.
A ministra também pediu informações sobre quantos presos provisórios existem na população carcerária de cada estado, ponto importante para reunir dados a fim de basear as ações nacionais. "É hora de agir com firmeza e rapidez", afirmou Cármen Lúcia.
O presidente do Tribunal de Justiça do Amazonas, Flavio Pascarelli, comentou que, em seu estado, cenário de recentes chacinas em casas prisionais, um mutirão carcerário começou a ser feito a partir de quinta-feira. O magistrado disse também que haverá uma reunião "com todos os órgãos que participam do sistema penitenciário, como Defensoria Pública, Ministério Público e secretarias de Segurança, e, a partir daí, tomar medidas concretas".
A reunião foi a primeira que uniu autoridades do Poder Judiciário de todo o Brasil em 2017. Na semana passada, Cármen Lúcia havia se encontrado com presidentes dos TJs dos estados da região Norte e do Maranhão.

Relatório da ONU de 2015 alertava sobre falta de segurança no complexo penitenciário de Manaus

A Secretaria Especial de Direitos Humanos publicou o relatório elaborado pelo Subcomitê das Nações Unidas para Prevenção à Tortura sobre a inspeção feita em presídios de quatro estados brasileiros em outubro de 2015. As conclusões foram enviadas ao governo federal em novembro passado. De 19 a 30 de outubro daquele ano, cinco peritos do subcomitê da ONU passaram por 22 delegacias, prisões, centros de detenção provisória, instalações para adolescentes, hospitais penitenciários e instituições forenses de Brasília, Pernambuco, Rio de Janeiro e Amazonas.
No relatório, os peritos alertam sobre a superlotação no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), em Manaus, onde 56 detentos morreram em uma disputa de facções no início deste ano. Na época da visita, o local abrigava 1.203 apenados, quando a capacidade era de 450. Os peritos citaram também um caso ocorrido no complexo em 2002, quando 12 presos foram mortos. Eles alertaram que a superlotação poderia levar a incidente similar a qualquer momento, o que acabou ocorrendo.
"O comentário que ouvi dos peritos sobre Manaus, em 2015, foi sobre a falta de segurança nos presídios. E a questão da segurança é um dos pontos mais observados pelo subcomitê. Os presos também precisam de segurança e ninguém se preocupa com isso. A população carcerária é invisível e indesejável. E o que gera esse tipo de crise é o tratamento desumano, além da questão de facções rivais serem colocadas juntas. Aí é guerra, eles se matam mesmo", diz Margarida Pressburger, integrante do Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU.
Em Roraima, onde recentemente ocorreu o massacre de mais de 30 pessoas em uma penitenciária agrícola, ainda não houve inspeção do subcomitê internacional. A situação precária dos presídios também foi citada durante encontros entre os peritos da ONU e integrantes do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, órgão criado pelo governo e integrado também pela sociedade civil.
"Essa desgraça que ocorreu no Amazonas e em Roraima estava prevista. A situação penitenciária do Brasil é muito preocupante. Primeiro, porque a população carcerária é muito grande, maior do que o número de habitantes de muitas cidades, e, segundo, pela situação precária em que os detentos são mantidos", afirma Margarida.
A superlotação nos presídios continuou sendo um problema no País, apesar das recomendações feitas pela ONU no relatório da visita anterior, em 2011. "O relatório é praticamente idêntico ao de 2011. Nenhuma das medidas sugeridas foi adotada. O País ignorou as recomendações do subcomitê", lamenta.
O Brasil deve responder ao relatório até maio. A Secretaria Especial de Direitos Humanos afirmou que não vai se pronunciar e que o assunto está sendo tratado internamente no âmbito do Ministério da Justiça e Cidadania.