Pequenas frutas, grandes oportunidades

Frutas como framboesa, amora e mirtilo são opção de renda

Por Guilherme Daroit

Empresas & Negócios - pequenas frutas 3 - divulgação freepik
Mais conhecida pela produção de maçãs, os Campos de Cima da Serra ostentam, já há algum tempo, outra atividade que também se tornou símbolo da região. Berço do que se convencionou chamar de "pequenas frutas", o município de Vacaria é referência no cultivo de frutos como amora preta, mirtilo e framboesa. Mesmo com pouca tradição no Brasil, essas frutas crescem tanto na produção quanto na demanda, e, mais rentáveis, têm ajudado a mudar o cenário da agricultura familiar por lá.
Embora ainda relativamente desconhecidas do grande público, essas frutas não são, exatamente, novidade no Nordeste gaúcho. A primeira experiência de impacto, envolvendo inicialmente o cultivo da amora preta, data ainda da década de 1990, quando uma empresa de origem italiana se estabeleceu em Vacaria para se valer do clima frio da região. A ideia da Italbraz, que ainda atua com o setor, era explorar a entressafra da Europa, grande público consumidor que, no inverno do Hemisfério Norte, ficava desabastecido. Mais do que isso, porém, a empresa acabou disparando a criação de um verdadeiro mercado interno.
"Pensava-se que, para uma empresa da Itália vir para cá, algo de especial deveríamos ter. Se eles plantavam e dava certo, por que nós não?", relembra o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR) de Vacaria, Sérgio Poletto. A inquietação, olhada em retrospecto, fazia sentido. Afinal de contas, duas décadas depois, gerou apenas na cidade, segundo dados da Emater-RS, um espectro de 179 agricultores, com produção de 2,4 mil toneladas por safra (somando-se também o cultivo do morango).
Iniciada pela amora preta, de mais fácil manejo, a onda das pequenas frutas passou sufoco nos primeiros anos, chegando até a ser praticamente abandonada por problemas de comercialização. Em 2001, entretanto, com um mercado mais favorável, consolidou-se a partir de um projeto de incentivo realizado pela Emater-RS com apoio do sindicato e da prefeitura de Vacaria. "Na época, revitalizamos alguns pomares que estavam abandonados, e teve início um trabalho municipal de incentivo à cultura da amora. Com o tempo, começamos a diversificar", conta o engenheiro agrônomo da Emater-RS, Eduardo Pagot, sobre a expansão para as outras plantas.
Em geral, é o frio característico da região o responsável pelo sucesso na adaptação, mesmo que a porta de entrada, a amora preta, até nem exija tanto, com potencial para ser cultivada em várias outras regiões do Estado, por exemplo. "A amora é muito fácil e muito rústica. Se você jogá-la na parede e cair na terra, vai produzir", brinca o pesquisador da Embrapa Clima Temperado (CT), Luis Eduardo Corrêa Antunes. Além disso, ajuda o fato de que, ao contrário das demais, já existe variedade nacional de amora. Desenvolvida na Embrapa CT, em Pelotas, a cultivar Tupy, aliás, é hoje a mais produzida do mundo, dando resultados não apenas no Brasil - e já rendeu filhas, como a mais recente cultivar Xingu.
Mesmo com a natural expansão para o mirtilo e a framboesa, de preço e rentabilidade mais elevados, há uma barreira para a adesão às demais "berries", como são classificadas as pequenas frutas em inglês. Experiências com cereja e groselha, por exemplo, não deram certo, por conta da umidade e da exigência ainda maior de frio das plantas. Já o physalis, muito usado em doces, não empolgou. Segundo a Emater, são apenas dois produtores conhecidos na região, e não há tendência de crescimento. O caminho, por enquanto, tem apontado na direção do morango e, ainda incipiente, da uva.

Pomares ajudam a trazer mais renda para agricultura familiar

Entre os diferenciais das pequenas frutas, o mais saudado pelos agricultores é a grande mudança que as culturas trouxeram à agricultura familiar. Mais rentáveis, os frutos se tornaram opção para famílias que antes viviam apenas de pecuária ou plantações de grãos. "Fazer um fruticultor tradicional plantar outra fruta é simples, mas transformar um pecuarista é muito mais difícil", analisa o engenheiro agrônomo da Emater-RS, Eduardo Pagot, que vê aí o grande trunfo do projeto.
Um destes produtores, Gilvani Bizotto Vanzetto, começou a plantar amora preta em 2006 com o apoio das entidades. Desde lá, abandonou o cultivo de grãos e hoje concilia um pomar de um hectare com a pecuária e a apicultura. "Para o pequeno agricultor, surgiu como uma luva para aumentar a renda da propriedade", comenta Vanzetto, que também é secretário da Associação dos Produtores de Pequenas Frutas de Vacaria (Appefrutas). O produtor estima que em uma área deste tamanho, na qual ganharia R$ 2 mil líquidos com grãos, a amora rende de R$ 10 mil a R$ 12 mil.
Com uma perspectiva muito mais positiva do que nos tempos em que viviam apenas de pecuária, até o êxodo rural tem sofrido reversão na região. Segundo o presidente do STR, Sérgio Poletto, muita gente que tinha migrado para a cidade voltou ao campo, e os filhos também passaram a permanecer nas propriedades. "Hoje temos comunidades com casas excelentes, máquinas novas. A cultura deu outro estilo de vida para essas famílias", defende Poletto.
A grande exigência de mão de obra, que representa metade do custo de produção, é outro fator que tem tornado a cultura quase exclusiva da agricultura familiar. Na colheita, a amora exige cinco pessoas por hectare, enquanto framboesa e o mirtilo exigem o dobro. Além disso, o manejo não é dos mais simples, pois são frutos extremamente sensíveis.
"Por conta da mão de obra é que a cultura se limitou à agricultura familiar, e cada família constrói o pomar de acordo com o número de integrantes", comenta Vanzetto. Quem tentou levar o pomar a uma escala maior esbarrou nessa questão já que, com o custo elevado de pessoal, teria se tornado inviável.
Por isso, as plantações médias não passam de meio hectare para amora e mirtilo, e de 0,2 hectare para a framboesa. A dificuldade no manejo tem feito com que os pomares venham até regredindo em tamanho, segundo outro produtor, Jair Vargas. "Optou-se por diminuir a área e apostar na melhoria da qualidade, e a renda tem sido melhor do que antes", conta Vargas.

Desafio para os produtores é garantir oferta durante todo o ano

Um dos principais problemas que os produtores de pequenas frutas enfrentam atualmente é o fato de que o crescimento da infraestrutura não acompanhou a expansão da produção. Não há, por exemplo, câmaras de congelamento e armazenagem suficientes para safras acima da média, como a atual. "Por conta disso, em 2016 tivemos problemas para colocar toda a produção de amora. Em torno de 20% a 30% da safra nem chegou a ser colhida", comenta o engenheiro agrônomo da Emater-RS, Eduardo Pagot. A maior oferta também acabou derrubando os preços.
A situação foi mais problemática porque, no ano passado, com geadas, o cenário foi o oposto, gerando uma safra abaixo das expectativas. "Estávamos bem esperançosos de que, como faltou fruta em 2015, neste fosse melhorar, mas, pelo contrário, piorou, mesmo com uma safra boa", conta o produtor e secretário da Appefrutas, Gilvani Bizotto Vanzetto. Mesmo com as perdas pela falta de capacidade de congelamento, porém, o produtor garante que não houve prejuízo.
Para contornar o problema da falta de câmaras frias, uma cooperativa chegou a ser gestada, mas não vingou. A solução encontrada foi a formação de pequenos grupos, de menos de 10 produtores de uma mesma localidade, que, em conjunto, conseguem ter capacidade de investimento para estruturas desse tipo. Junto a outros seis produtores, Jair Vargas criou uma agroindústria, batizada de Frutpeq, justamente com esse objetivo. "Estamos atingindo um mercado diferente, conseguindo chegar direto ao consumidor, outras pequenas agroindústrias, restaurantes. É um mercado que compra menos quantidade, mas remunera melhor", conta Vargas.
O maior entrave para o avanço da alternativa reside na própria infraestrutura das localidades. A distância de centros urbanos e as estradas de chão, por exemplo, complicam a venda dos produtos in natura, que devem ser consumidos em torno de uma semana após a colheita. Além disso, de acordo com Vanzetto, em muitas localidades não é possível a instalação de câmaras frias por terem redes de energia monofásicas. "Quem não consegue congelar tem de vender a um valor mais baixo, e quem congela é a própria indústria ou algum atravessador", conta Vanzetto.
Outro benefício é conseguir segurar as frutas, já que, congeladas, duram até 24 meses. Assim, os produtores podem participar das vendas na entressafra, principalmente a partir de agosto, quando começa a faltar produto no mercado e o preço, consequentemente, aumenta. Um dos objetivos, segundo Vargas, é atingir redes de varejo, como supermercados, segmento hoje pouco explorado pelos produtores.

Demanda do mercado cresce com conhecimento sobre as culturas

No início da década, o militar reformado Mauro Falcão Lisboa descobriu uma oportunidade de mercado. Casado com uma nutricionista, o hoje empresário sabia das propriedades das pequenas frutas, e, também, da falta de oferta consistente dos produtos em Porto Alegre. No início de porta em porta, depois em uma loja física, nascia assim, em 2012, a Casa do Mirtilo. Desde lá, a publicação de estudos e reportagens sobre os benefícios dos frutos, ricos em vitaminas e oxidantes, por exemplo, só fizeram aumentar a demanda.
"De uns três anos para cá, surgiu também o pessoal da gastronomia, e são esses os dois principais filões que temos atualmente", comenta Lisboa. Hoje, a loja vende, no ano todo, as frutas congeladas para clientes que as compram para fazer sucos e smoothies caseiros, por exemplo. Já na estação, que se estende dos últimos meses da primavera até o início do outono, há a opção também das frutas in natura, mais caras e vendidas em quantidades menores. Quase sempre, usadas para decoração de doces e bolos. "Para a gastronomia, a fruta que mais sai é a framboesa, pois dá um colorido diferente, além de ser a menos comum", conta Lisboa. O empresário também começou a importar frutas in natura na entressafra local, para atender ao crescimento do interesse pelas frutas.
Como depende de fornecimento constante, Lisboa adquire mirtilo, amora, framboesa, morango e physalis da Italbraz, que possui estrutura industrial e logística. Mesmo assim, conta receber ofertas periódicas de novos produtores, que também busca acolher. Geralmente sem rótulo nem garantias de fornecimento, essas frutas saem a preços mais baixos. "Cada ano acontece mais, e a tendência é de que isso force o preço a cair", comenta Lisboa.
Pontos como a Casa do Mirtilo, porém, ainda são raros não só em Porto Alegre como em todo o País, tanto que Lisboa conta receber pedidos de diversos estados. Sem esse canal consolidado, os produtores acabam vendendo suas frutas principalmente para indústrias, que as utilizam para fabricação de sucos, geleias, iogurtes e mesmo corantes, estes principalmente no caso da amora preta, mais barata que as demais.
Para conseguirem maior escala, os 56 produtores ligados à Appefrutas, por exemplo, negociam em conjunto com os clientes, evitando, também, disputas de preço. Segundo a Emater-RS, entre as frutas que saem in natura, quase 80% da produção têm São Paulo como destino. "Fora das regiões produtoras, ainda são poucas as pessoas que conhecem as frutas, e aí vemos que temos bastante mercado para conquistar ainda", acrescenta o agricultor Jair Vargas, que aposta na substituição, no Brasil, do consumo das frutas importadas pelas locais conforme aumentar a produção.