Estados Unidos: A maior potência mundial nas mãos de Donald Trump

Embora o republicano tenha aliviado o tom depois da eleição, imigrantes ainda correm o risco de deportações em massa

Por Suzy Scarton

INT - Donald Trump e Hillary Clinton disputam a presidência dos Estados Unidos nesta terça-feira - internacional White House rivals Hillary Clinton and Donald Trump were due to duel November 7, 2016 for a handful of must-win states in an end-game election frenzy capping a historically divisive campaign. With less than 48 hours until voting day, it was unclear whether the Democrat could convert into electoral gain the announcement Sunday that the FBI had cleared her again of wrongdoing over her email use. / AFP PHOTO / DESK
Em novembro deste ano, o mundo acompanhou com assombro a eleição do bilionário republicano Donald Trump como presidente dos Estados Unidos, derrotando a democrata Hillary Clinton. Durante a longa campanha eleitoral, Trump fez declarações sexistas, racistas e xenófobas, prometendo inclusive a construção de um muro na fronteira com o México.
Para Eduardo Svartman, professor da pós-graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), tudo que envolve o presidente eleito faz parte de um fenômeno midiático e político que está por ser compreendido. "O discurso antipoliticamente correto ou 'descivilizatório' se mostrou eficiente para conquistar o eleitorado conservador."
Como consequências imediatas da vitória de Trump, Svartman cita, no plano doméstico, o reforço do preconceito e da discriminação e, no plano externo, um primarismo que deverá aumentar a contestação da posição ocupada pelos EUA no sistema internacional. "Esse grupo de norte-americanos brancos, das regiões mais conservadoras, e empobrecidos devido à crise de 2008, responsabiliza grupos minoritários pela situação. Esse discurso fez com que votasse no candidato que se livraria do problema", comenta o professor da ESPM-Sul e diretor da plataforma educacional Audiplo, Fabiano Mielniczuk.
Nos dias que se seguiram à eleição, a promessa do muro acabou sendo descartada. No entanto, o bilionário chegou a afirmar que até três milhões de imigrantes ilegais e com ficha criminal seriam deportados. Mielniczuk acredita que deportações em massa podem ocorrer, uma vez que as medidas relacionadas à proteção dos imigrantes ilegais durante o governo de Barack Obama foram de natureza administrativa, e não estatutária. "Algumas diretrizes de Obama indicavam a necessidade de deportar pessoas sem documentação que tivessem antecedentes criminais, e não filhos de imigrantes levados ilegalmente aos EUA. Trump se empenhará em deportar imigrantes com problemas com a polícia, mas não medirá esforços para deportar quem estiver em situação ilegal", explica. Para Svartman, o número de deportações deve aumentar, afetando as relações com países exportadores de mão de obra, especialmente da América Central e do Caribe, e também do Brasil.
A eleição ocorreu em meio a alegações de que a Rússia realizou ataques cibernéticos para tentar influenciar o pleito. Uma possível aproximação de Washington com Moscou tem aumentado a tensão política no país. Porém, tanto Mielniczuk como Svartman veem com ceticismo a construção de uma aliança. "Houve trocas de declarações entre Putin (Vladimir Putin, presidente da Rússia) e Trump que entendo como movimentos para criticar Obama e Hillary. Os EUA patrocinaram a expansão da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) sobre a zona tradicional de influência da Rússia, então as tensões são inevitáveis", avalia o professor da Ufrgs. Mielniczuk acredita em uma possível normalização das relações, abandonadas a partir da crise da Ucrânia e do acirramento da guerra civil na Síria. "Isso depende de um rearranjo nas outras alianças dos EUA, com os países do Oriente Médio e com os membros da Otan", acrescenta.
Ao contrário de Hilary, que deixou claro que não haveria negociação com a Rússia sobre a Síria, o republicano sempre defendeu que os interesses russos sejam, pelo menos, levados em consideração. "Pode haver uma maior negociação com a Rússia sobre a Síria e o combate ao Estado Islâmico", arrisca Mielniczuk. O governo Trump, de acordo com Svartman, estará mais disposto a se envolver com tropas em conflitos que o governo Obama, de modo que a tendência é a retomada da abordagem dos anos de George W. Bush (2001-2009).

Avanços do governo Obama podem sofrer retrocesso

Outro avanço do presidente Obama que pode sofrer um retrocesso é a aproximação com Cuba. Eduardo Svartman observa que sempre houve um movimento conservador contrário à reabertura das embaixadas e ao fim do embargo. O discurso de Trump foi bastante crítico às medidas tomadas por Obama com relação ao país, mas, de acordo com o professor Fabiano Mielniczuk, a morte de Fidel Castro oferece uma oportunidade para que o republicano mantenha a reaproximação. "Não se trataria de uma mudança de postura ou de quebra de promessa, mas sim de uma mudança no contexto das relações entre as duas nações", opina o professor da ESPM-Sul.
Trump também prometeu que irá revogar o acordo internacional sobre o programa nuclear do Irã, firmado em Viena, em 2015. Para o diretor da Audiplo, a revisão do acordo - o qual evita que o país árabe obtenha armas atômicas, garante que o programa nuclear seja usado apenas para fins pacíficos e, em troca, retira as sanções internacionais contra Teerã - mergulharia o Oriente Médio em uma crise mais grave. "Afetaria as alianças regionais dos EUA e reforçaria a aproximação entre o Irã e os países que veem Trump como uma ameaça aos seus interesses", reflete. Para Svartman, ainda é difícil saber até onde vai a retórica de Trump, e onde o cálculo geopolítico e a estratégia começam a se impor na conduta do novo governo. "Se os EUA pressionarem demais o Irã, isso poderá forçar uma aproximação deste país com a Rússia, ou uma resposta assertiva, como a construção de armas nucleares", alerta.
Muito do que Trump falou e prometeu durante a campanha pode acabar não se concretizando. Outra posição polêmica é o ceticismo do republicano com relação às políticas de combate às mudanças climáticas, e, para Svartman, a sinalização do novo governo é a de uma abordagem menos disposta a arcar com os custos da transição para uma economia de "baixo carbono". "Ainda é cedo para fazer previsões, uma vez que há setores influentes na sociedade que defendem essa pauta", acredita. Depois da eleição, Trump reconheceu a existência de uma relação entre mudança climática e atividades humanas e prometeu manter a mente aberta. "Parte do discurso se deu porque a campanha foi voltada para trabalhadores desempregados de regiões de exploração de carvão, que foram sendo desativadas durante o período de ativismo ambiental de Obama", pondera o professor da Ufrgs.

O primeiro escalão do governo

Justiça e procurador-geral dos EUA: Jeff Sessions, senador conservador, se opõe à recepção de imigrantes
Estado: Rex Tillerson, empresário, CEO da petrolífera ExxonMobil, recebeu honrarias do presidente russo em 2013
Diretor da CIA: Mike Pompeo, deputado pelo Kansas, defende maior vigilância das comunicações no país
Chefe da Agência de Proteção Ambiental: Scott Pruitt, procurador-geral de Oklahoma, ataca as políticas de Obama para combater as mudanças climáticas
Defesa: James Mattis, general, aponta o "islã político" como maior ameaça aos EUA
Saúde: Tom Price, cirurgião ortopédico e deputado pela Geórgia, defende o fim do Obamacare
Tesouro: Steven Mnuchin, produtor de cinema em Hollywood, sem experiência política
Comércio: Wilbur Ross, ex-banqueiro, defensor do corte de impostos
Embaixadora da ONU: Nikki Haley, filha de imigrantes indianos e governadora da Carolina do Sul, com pouca experiência em política externa
Educação: Betsy Devos, filantropista bilionária, defende escolas privadas como alternativa para o sistema público
Conselheiro de Segurança Nacional: Michael Flynn, foi demitido do gabinete de Obama entre 2012 e 2014 por discordâncias sobre o combate ao terrorismo