Transnordestina, após 10 anos, ainda está na metade

Ferrovia já consumiu R$ 6,3 bilhões, superando o valor inicial de R$ 4,5 bilhões e, no final, deve chegar a R$ 10 bilhões

Por

Projetada para operar em 2010, obra não será concluída antes de 2020
Controlada pela siderúrgica CSN, a ferrovia Transnordestina, uma das grandes promessas do governo Lula, tem sido bancada basicamente por recursos federais. Até agora, 79% dos R$ 6,3 bilhões investidos na obra - que está seis anos atrasada e só concluiu metade do traçado - saíram dos cofres de órgãos públicos. A CSN colocou R$ 1,3 bilhão, metade financiada pelo Bndes.
Na estrutura societária, o poder público detém 50,98% do capital total e a siderúrgica, 49,02%. Pelas regras do contrato, apesar dessa equação, o controle da ferrovia continua nas mãos da empresa de Benjamin Steinbruch. "É uma obra pública transvestida de concessão", diz o presidente da consultoria InterB, Claudio Frischtak.
O problema é que, em tempos de ajuste fiscal, o governo tem revisado uma série de práticas adotadas até agora. Nos últimos dias, além de limitar novos aportes no empreendimento - que deveria ligar a cidade de Eliseu Martins, no interior do Piauí, aos portos de Pecém, no Ceará, e Suape, em Pernambuco -, já levantou a hipótese de intervenção na ferrovia, uma ameaça também feita no início do governo de Dilma Rousseff.
O mal-estar no governo se deve à sequência de cronogramas frustrados e à constante necessidade de financiamento. Há 10 anos em obras, a Transnordestina está na metade e com o orçamento estourado. Os primeiros estudos apontavam que a obra girava em torno de R$ 8 bilhões. Mas o governo pediu mudanças no projeto e reduziu o valor para R$ 4,5 bilhões.
Em 2012, o valor já estava em R$ 5,4 bilhões, e subiu para R$ 7,5 bilhões depois de uma série de negociações entre os acionistas. Apesar do rearranjo feito em 2012, que elevou o custo da obra, o novo orçamento não foi suficiente para concluir a ferrovia, que tem 1.753 quilômetros. Para executivos ligados ao projeto, mesmo na época da renegociação, já se sabia que o projeto beirava os R$ 10 bilhões.
O entrave atual gira em torno da liberação de R$ 300 milhões pelo Fundo de Investimento do Nordeste (Finor), que detém 0,4% de participação no projeto. Em setembro, a Transnordestina enviou uma carta à estatal Valec, sócia na ferrovia com 41%, para iniciarem a aprovação de mudanças na estrutura de capital da empresa. Para receber o valor do Finor, seria necessário converter ações preferenciais (sem direito a voto) da Valec em ordinárias (com direito a voto).
Em resposta à Transnordestina, a estatal afirmou que não poderia autorizar a medida sem a aprovação dos ministérios dos Transportes e da Integração Nacional. Além disso, afirma que não foi informada do aporte de R$ 300 milhões pelo Finor. Na CSN, a informação é de que esses recursos já estavam previstos e que os aportes atrasados, prejudicam o andamento das obras. Projetada para iniciar operação em 2010, a ferrovia não ficará pronta antes de 2020.
O bloco de acionistas públicos é formado por Bndes, BndesPar, Valec, Finame e Finor. Pelos dados apresentados pela Valec, até agora, apenas 31,9% do volume acordado em 2012 foi liberado pelo Finor e 57% pelo Bndes. Em compensação, o volume liberado pela Valec aumentou 489%. "O problema de ter uma obra pública em forma de concessão é que fica difícil a fiscalização para garantir que está sendo tocada sob os melhores métodos de engenharia e custos ideais. Afinal, o dinheiro é público", diz Frischtak.
Segundo ele, em qualquer lugar do mundo, ferrovias são construídas com dinheiro público. Mas não nesse modelo. Fontes afirmam que, embora o controle esteja com a CSN, o governo federal tem um forte poder político dentro da empresa. Para o ex-diretor executivo da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF) Rodrigo Vilaça, apesar de todo imbróglio envolvendo a obra, o governo precisa tomar uma medida que permita seu término. "Se a opção for um novo sócio, é necessário um cronograma fiel do projeto, pois nenhum investidor estrangeiro vai querer entrar no empreendimento na situação atual."

Viabilidade técnica do projeto foi questionada desde 2003

Desde o início dos estudos para construção da ferrovia Transnordestina, os modelos indicavam que o projeto não tinha viabilidade econômica no curto e médio prazos. Na época, 2003, a principal aposta era o minério de ferro e o agronegócio. Só essas cargas, no entanto, não justificavam a obra. A expectativa era de que, com o desenvolvimento da região, haveria um crescimento das cargas. Hoje, com o preço do minério em baixa, o cenário piorou ainda mais.
Outra falha que justifica o aumento do valor da obra foi a falta de um projeto executivo. "Numa obra desse tamanho, um solo mais duro ou com mais água influencia sensivelmente a parte civil", diz um executivo que prefere não se identificar. Além disso, o fato de passar por 80 cidades em três estados diferentes dificultou os processos burocráticos, como a desapropriação de área.
Só em 2006, quando as obras foram iniciadas, é que se teve a dimensão do trabalho que a empresa teria pela frente. A partir daí, a CSN viu que a necessidade de dinheiro era bem maior do que a prevista inicialmente e que precisava haver um rearranjo acionário para aumentar os aportes. Ao transferir o projeto para a CSN, a administração federal prometeu crédito de bancos e órgãos públicos. Por esse motivo, a revisão do orçamento, pleiteada desde 2011, dependia do aval do governo. Na ocasião, todos os sócios decidiram aumentar o aporte no projeto até os R$ 7,5 bilhões, embora o orçamento já estivesse perto dos R$ 10 bilhões.
Mas os problemas não pararam por aí. Após resolver a questão orçamentária de curto prazo, a Transnordestina entrou numa briga com a Odebrecht, principal empreiteira da obra. Apesar dos erros e problemas, especialistas afirmam que, no atual estágio, o melhor que o governo tem a fazer é concluir o projeto, ainda que seja obrigado a alongar ainda mais o cronograma de operação.