Organização ramificada dificulta combate

Atual inimigo número 1 do Ocidente, Estado Islâmico comete atos extremistas com pretensão de conquistar territórios

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Aproveitando a fragilidade dos governos na Síria e no Iraque, EI ganhou espaço e difundiu o terror
Quando a luta contra o terror tinha como alvo a Al-Qaeda de Osama Bin Laden, a dificuldade maior do combate residia na organização descentralizada, que operava - e ainda opera - por meio de pequenas células espalhadas por todo o globo, sem base territorial e fazendo uso de meios diversos e fragmentados para a comunicação. Com essa estrutura, os grupos não necessitavam do apoio das populações locais e tampouco exigiam altas somas de dinheiro para o seu financiamento. Bastava que quatro ou cinco indivíduos simpatizantes se interessassem pelas ações terroristas nos Estados Unidos para que, dessa forma, com formação a distância, uma nova célula de uma milícia nascida no Afeganistão, por exemplo, estivesse formada e pronta para agir.
As regiões berço dos principais grupos terroristas atuais - Oriente Médio e Noroeste/Norte da África - são grandes produtoras de riquezas naturais (petróleo, principalmente, mas também minérios diversos). Ao tomar posse de locais produtores dessas riquezas, pequenas milícias extremistas ganham fontes de financiamento, passam a arregimentar mais seguidores e a potencializar seus arsenais armamentícios. Desta forma, avançam suas áreas de atuação e de influência, ganhando corpo e desafiando os governos locais já fragilizados, como é o caso do Estado Islâmico (EI) no Iraque e na Síria.
Atual inimigo número 1 do Ocidente, o EI, porém, se organiza de modo diferente. Com identificada base de ação e tendo como um dos objetivos a tomada de territórios para a criação de um autoproclamado califado, a organização terrorista foi atacada em seu avanço na Síria e no Iraque pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) - tendo os EUA e a França como expoentes - e também por uma coalização de nações árabes e a Rússia.
No caso da Al-Qaeda, antes dos atentados de 2001, a rede havia se refugiado no Afeganistão. No entanto, o Taliban não aprovou os ataques e decidiu expulsar o grupo do território, fazendo com que a rede se escondesse no Paquistão. "Eles nunca tiveram um estado, um território para si, ao contrário da proposta do EI, que é exatamente ter um governo, um território e um estado", argumenta o coordenador do Programa de Pós-Graduação em Estudos Estratégicos Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), André Luiz Reis da Silva.
Para o professor de Relações Internacionais da Ufrgs Paulo Fagundes Visentini, "a Al-Qaeda está para um celular analógico assim como o Estado Islâmico está para um tablet". "São jovens, pessoas com curso superior, residentes na Inglaterra, na França, nos EUA, pelo menos as lideranças. Eles detonam um monumento histórico e cortam 20 cabeças em frente às câmeras, mandando recados para aterrorizar."

Tecnologias ajudam a disseminar mensagem e a angariar adeptos

Outra marca do terror internacional é a espetacularização das ações. A garantia da presença de uma câmera para registrar os atos, amplificando seus efeitos, fez do ataque uma forma de propaganda. "Um dos sinais infelizes de barbarização está na descoberta, pelos terroristas, de que, sempre que tenha vulto suficiente para aparecer nas telas do mundo, o assassinato em massa de homens e mulheres em lugares públicos tem mais valor como provocador de manchetes do que todos os outros alvos das bombas", salienta o renomado historiador britânico Eric Hobsbawm (1917-2012).
Fazendo uso da internet para disseminar suas práticas e angariando diariamente novos militantes por todo o mundo, o EI, mesmo atacado constantemente, não é eliminado. A dificuldade em dar fim ao grupo coloca em debate a necessidade ou não de intervenção militar por terra, e não somente o uso de bombardeios aéreos e apoio aos governos locais. O desastre da ação norte-americana no Iraque, porém - derrubando um governo ditatorial, mas não dando estabilidade política e social para o país e abrindo espaço, assim, para que milícias extremistas ganhassem força em um Estado desintegrado -, ainda é muito presente na memória, colocando dúvidas sobre a efetividade de uma invasão estrangeira.
"Seria até mais fácil combater o EI do que a Al-Qaeda pelo fato de ter um estado localizado", pondera Silva. "No entanto, não se acaba com um estado apenas jogando bombas de aviões. É necessário descer no território, e isso ninguém quer fazer. É extremamente perigoso, até porque existem populações locais, e lutar nessas regiões é muito complicado, não se sabe quem é inimigo e quem não é."
A dificuldade em derrotar os grupos terroristas mais atuantes, como o Boko Haram, a Al-Qaeda e o EI, se dá, segundo Silva, devido à ramificação da militância - os grupos trabalham em rede, mas ao mesmo tempo, em células, em grupos relativamente isolados. As lideranças são pulverizadas e ainda existe a atuação ocasional de lobos solitários. "Aproveitando as tecnologias de comunicação, os grupos conseguem agir de maneira orquestrada, mas, ao mesmo tempo, fragmentada o suficiente para que nunca se peguem todos", descreve.
Para Visentini, o discurso sobre a criação de um "califado" na Síria e a implantação de um sunismo puro e arcaico não convence. "O que está em jogo são os interesses geopolíticos de grandes potências e o EI não passa de um peão", avalia. Além disso, a Primavera Árabe desembocou na guerra civil da Síria, e foi apenas a entrada da Rússia no conflito que alterou os dados do problema. "Os atuais atentados em série na Europa são uma resposta do EI aos 'traidores', Estados que mudaram de posição e agora desejam o fim negociado do conflito na Síria, inclusive a Turquia", argumenta. A guerra ao terror, iniciada em 2001, se tornou um conflito globalizado, com o terrorismo tomando a iniciativa. Assim, as centenas de vítimas ocidentais são acompanhadas pelos milhares de mortos em atentados no Oriente Médio.