Diferentemente do coworking, esses espaços têm gestão compartilhada pelos empreendedores

Como funcionam as casas colaborativas de Porto Alegre


Diferentemente do coworking, esses espaços têm gestão compartilhada pelos empreendedores

Há hoje cerca de 10 casas colaborativas em funcionamento em Porto Alegre - além de outras iniciativas que se baseiam no conceito para operar. Desde outubro do ano passado, elas fazem parte de um movimento organizado, que une empresas interessadas em mais do que dividir o aluguel de um espaço.
Há hoje cerca de 10 casas colaborativas em funcionamento em Porto Alegre - além de outras iniciativas que se baseiam no conceito para operar. Desde outubro do ano passado, elas fazem parte de um movimento organizado, que une empresas interessadas em mais do que dividir o aluguel de um espaço.
Diferentemente do coworking, onde empreendedores simplesmente alugam mesas para trabalhar em um escritório compartilhado, a casa colaborativa funciona através da gestão descentralizada. Ou seja, cada nova empresa que entra interfere no ecossistema e é parte das decisões. "No coworking, se a internet cai, você vai até o dono e reclama. Aqui, o primeiro a reclamar é quem vai atrás da solução para o problema", diferencia Juliano Forster, 33 anos, um dos idealizadores da casa Paralelo Vivo, no bairro Independência.
Um ponto forte para a sobrevivência desses negócios é o propósito em comum das iniciativas que os integram, segundo constatado pelo estudo de mestrado em Design Estratégico voltado para as Casas Colaborativas de Porto Alegre, conduzido pela pesquisadora Coral Michelin, 35, na Unisinos. "Se o espaço surge antes de um propósito maior, a tendência é não se manter", diz. Isto porque uma das maneiras de subsistência é a realização de projetos assinados pela própria casa, que vira um organismo vivo para além das empresas que fazem parte dela. Na Capital há três principais: Vila Flores, TransLab e Paralelo Vivo (confira outras na página ao lado). Entre elas não há um modelo de funcionamento padrão. Cada uma se organiza conforme as próprias regras e necessidades.
"São polos difusores de inovação social", salienta Coral. Uma casa colaborativa requer um nível de troca com o território para desenvolver sua missão e acaba fomentando o diálogo com a comunidade através de ações que impactem quem está por perto, apoiando a produção local, exercendo uma economia circular (com reaproveitamento de materiais), o consumo consciente e engajando a vizinhança nisso tudo com atividades abertas ao público.
No TransLab, por exemplo, ocorre a feirinha Espaço Orgânico toda quarta-feira, com produtores da comunidade. O Vila Flores, por sua vez, promove eventos como o Tardes Brincantes, Junção Makers (iniciativa de outra casa colaborativa, o Galpão Makers), além de oficinas e festivais. O Paralelo Vivo recebe os eventos da Zona de Desenvolvimento Sustentável e faz girar na sua sede cerca de 500 pessoas por mês. E tem mais.

Mais do que dividir aluguel

Em 2012, uma crise no mercado de transportes fez com que os números da empresa de Juliano Forster, do Paralelo Vivo, que fabrica estações de tratamento de água para reuso, passassem a cair demais. Uma das saídas pensadas foi compartilhar o espaço físico para poder dividir as contas, e a primeira experiência ocorreu com a empresa Reserva Consultoria Ambiental.
No fim, a equação que aconteceu foi de soma: passaram a partilhar das competências técnicas e da rede da parceira, desafogando um pouco o caixa daquele ano. Nascia aí o "algoritmo vivo", que resulta do encontro entre empresas e startups com propósitos comuns e que é a base do Paralelo. "A gente nem sabe direito como ele funciona, mas sei que, quanto mais empresas agregamos aqui, mais novos projetos surgem", conta Juliano. O fio que amarra soluções de serviços, indústria, tecnologia, conhecimento e educação no local é a sustentabilidade.
Com residência fixa desde 2014, começou também como co-house, com moradia no andar de cima. As empresas foram se proliferando, e hoje resta só um morador - o próprio Juliano. Ao todo, são 35 iniciativas conectadas, que contribuem de alguma forma com o hub - e a estrutura física do lugar está aberta para quem quiser experimentar. Desde que tenha uma pegada sustentável, é claro.
Abrigando 12 empresas colaboradoras, de mobiliário a atelier de arte, o TransLab é hoje um instituto de pesquisa em inovação social, situado há três anos no bairro Rio Branco - o projeto em si existe desde 2010. Lá, as empresas se envolvem na gestão, e as contas fixas são todas divididas (e abertas num mural para qualquer um que queira ver). "A colaboração não é algo dado. Há um esforço de nossa parte de entender as dinâmicas que a favorecem. Mas é bacana que não se tenha um consenso de como fazer, porque depende do contexto", afirma Aron.

Anote o endereço das Casas Colaborativas de Porto Alegre e apareça para as atividades

Vila Flores - R. São Carlos, 759 - Floresta
TransLab - R. Prof. Duplan, 146 - Rio Branco
Paralelo Vivo – Rua Pinheiro Machado, 40 - Independência
Marquise 51 - Av. Cristóvão Colombo, 51 - Independência
Galpão Makers - R. Santos Dumont, 1100 - Floresta
Casa de Amapola - Rua Sofia Veloso, 178 - Cidade Baixa
Quintal Cultural – Rua Luiz Afonso, 549 – Cidade Baixa
Aldeia – Rua Santana, 252 - Farroupilha
Acervo Independente - R. Gen. Auto, 219 - Centro Histórico

Quem está começando a jornada

Foi com a vontade de ter um negócio sob a perspectiva colaborativa que os três amigos Guilherme Zanola, 34, Tanize Cardoso, 36, e Leonardo Brião, 29, resolveram abrir o Quintal Cultural, inaugurado oficialmente em setembro, no bairro Cidade Baixa.
Para garantir a renda do local, eles confiam no gastrobar instalado no térreo e na movimentação cultural potencializada pelo minianfiteatro que encerra o terreno.
Da reforma à instalação do mobiliário, tudo foi feito sob uma perspectiva de reaproveitamento de materiais e de serviços. O projeto arquitetônico do Quintal foi pago com um ano de aluguel grátis no escritório para os arquitetos, no segundo andar do casarão. O mesmo aconteceu com a profissional que elaborou as hortas, que utilizará o espaço da cozinha para workshops.
E a proposta é seguir fazendo relações deste tipo, valorizando os pequenos produtores e os artistas locais. "A ideia é gerar uma economia de sustento que não dependa apenas de grana, mas opere em função de colaboração e trocas. Temos muito a oferecer", garante Tanize. A casa está aberta a propostas para programação artística, e o espaço de escritório compartilhado no andar de cima está em fase de conclusão. Para este início, contam, o contato com as outras casas colaborativas da cidade serviu de inspiração.

Sem medo de se aproximar, ok?

"No dia em que tivermos 50 casas colaborativas em Porto Alegre, a cidade terá mudado", acredita Coral Michelin, que faz mestrado sobre o assunto. Para isso, ela afirma que é preciso incentivo público, porque a maior dificuldade destes núcleos é a - famigerada - sustentabilidade financeira. "O potencial de gerar transformação acaba sendo tolhido pela luta diária por sustentação", exemplifica a pesquisadora. A La Casa de Pandora, que promovia o "Festival da Boa Vizinhança", no 4º Distrito, foi extinta em abril, por exemplo.
Aron Krause, 33, idealizador do TransLab, concorda, mas acha que muita coisa pode ser feita se as instituições privadas se aproximarem para trabalhar em conjunto. "A política não acompanha os movimentos da sociedade em termos de inovação", diz. "Não é suficiente a gente trabalhar de maneira isolada." Ele defende que as casas colaborativas são uma porta para que organizações e universidades exerçam inovação disruptiva. O que falta, na opinião dele, são estas instituições se flexibilizarem para isso - a exemplo da Mercur, que desenvolve um projeto no laboratório. O desafio é permanente: transformar o valor gerado em dinheiro.