Juíza critica atuação da Fepam na análise da mineração do Guaíba

Magistrada afirma que órgão tem agido politicamente e prestigiado interesses econômicos

Por Jefferson Klein

Procedimentos administrativos para liberação da atividade de mineração no lago estão suspensos
A controversa possibilidade de extração de areia no Guaíba teve um novo capítulo escrito. Na semana passada, a 9ª Vara Federal de Porto Alegre suspendeu todos os procedimentos administrativos para liberação da atividade de mineração no lago até a conclusão do Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE). No entanto, o que mais chamou a atenção foram as duras censuras feita à Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) por parte da juíza Clarides Rahmeier, que deferiu a liminar.
Segundo Clarides, não se tem notícia até o momento da efetiva realização das pesquisas relativas aos sedimentos no Guaíba. Para a magistrada, a atual gestão da Fepam, ao invés de dar seguimento aos estudos técnicos e científicos necessários a um licenciamento que atenda à proteção ambiental, tem agido politicamente no sentido de prestigiar tão somente interesses econômicos, em evidente desequilíbrio com os interesses socioambientais e em flagrante desrespeito ao princípio da sustentabilidade.
"Eu fiquei sem entender, porque eu nunca falei com ela, não a conheço pessoalmente", comenta a presidente da Fepam e secretária do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável, Ana Pellini. A dirigente considera como uma crítica institucional, para todos os servidores da Fepam. "Eu não poderia dar uma licença, eu nunca assinei uma licença na minha vida, quem licencia é o corpo técnico, mas talvez eu não tenha entendido direito", pondera.
A juíza demonstrou ainda preocupação com relação ao que a Fepam, conforme Clarides, vem denominando de zoneamento. A magistrada destaca que nem termo de referência foi feito para orientar o estudo, além da utilização somente de informações secundárias, oriundas de várias fontes e produzidas para atender outros propósitos. Ressaltou também que o Zoneamento Ecológico-Econômico é regrado pelo Decreto Federal nº 4.297/2002.
A secretária do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável argumenta que se trata de uma opinião da juíza com base em levantamentos parciais, que ainda terão dados agregados para serem concluídos. A próxima etapa do processo será a realização de um convênio com a Ufrgs para estudar assuntos hidrológicos. "A questão dos metais pesados no fundo do Guaíba está descartada, o que preocupa neste momento é a mudança da hidrodinâmica do lago e ocorrer prejuízos em alguma praia", diz a presidente da Fepam.
Ana enfatiza que os procedimentos para liberação da mineração no Guaíba já estavam suspensos até a finalização do Zoneamento Ecológico-Econômico. Havia uma recomendação do Ministério Público Estadual nessa direção, dada no ano passado, e a Fepam está acatando a sugestão. "A Fepam não emitiu licenças e não pretende emitir enquanto os estudos não forem concluídos, então não mudou nada para nós", afirma. A secretária acrescenta que não será liberado nada sem que a juíza Clarides examine e entenda cabível. Ana afirma que não entrará em rota de colisão com a Justiça, cumprirá a sentença, mas não pretende entrar em contato com a juíza.
A magistrada ressaltou que o "dito zoneamento" realizado até então não atende, minimamente, ao que prescreve a lei, faltando com o respeito a diversos princípios que orientam o Direito Ambiental, entre os quais o dever de prestar informação ambiental verdadeira, completa e tecnicamente correta e adequada, além dos princípios da prevenção, da precaução, da prevalência do interesse público sobre o privado e do poluidor-pagador. A presidente da Fepam reforça que vê com muita tranquilidade a decisão da juíza Clarides e os estudos continuarão normalmente, sendo que a previsão é que o Zoneamento Ecológico-Econômico seja concluído no fim do ano.

Governo gaúcho quer melhorar a fiscalização

A fim de unificar e trazer mais segurança jurídica aos procedimentos na fiscalização de infrações ambientais, dois decretos foram assinados ontem para regulamentar o Código Estadual do Meio Ambiente. O Sistema Estadual de Proteção Ambiental (Sisepra) terá atuação mais efetiva, evitando surpresas e discussões judiciais. O Sisepra é composto pela Secretaria do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Sema), Fepam e Comando Ambiental.
O anúncio ocorreu ontem com a presença do governador José Ivo Sartori, que frisou que o Estado não pode ser um agente da burocracia, mas sim um agente resolutivo. "Pior que decidir é não decidir", defendeu. Desde sua edição, nos anos 2000, o código era exercido sem regulamentação e a fiscalização era baseada em normas consideradas não compatíveis com as características da fauna, flora e em relação aos recursos hídricos gaúchos e de sua legislação.
Agora, os decretos instituem a criação de dois colegiados: a Junta de Julgamento de Infrações Ambientais, para julgar, em primeira instância, penalidades e medidas administrativas aplicadas pelos órgãos que integram o Sisepra; e a Junta Superior de Julgamento de Recursos, para analisar defesas e recursos. Na composição dos órgãos, estarão representantes da Sema, do Comando Ambiental da Brigada Militar e Fepam.
A presidente da Fepam e secretária do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável, Ana Pellini, reitera que o método anterior era visto com lacunas e contradições, gerando dificuldades na hora de cobrar multas, que, em muitos casos, acabavam prescrevendo. Já as novas regras são mais claras e transparentes. A partir das mudanças, entre a constatação de uma infração e o julgamento final, o prazo máximo de definição de uma questão será de 180 dias. "O infrator paga ou entrará como dívida ativa na Secretaria da Fazenda", informa.
Se o empreendedor for imediatamente à secretaria disposto a recuperar o dano ambiental, a companhia terá um desconto da multa. A penalidade mínima imposta pela Fepam é de R$ 1,5 mil, podendo chegar a milhões, conforme a gravidade do dano ambiental.