Projeto Justiça Inclusiva incentiva que dependentes façam tratamento

Através de conciliação com a Previdência Social, iniciativa do Poder Judiciário Federal gaúcho tem por objetivo viabilizar a concessão de auxílio-doença

Por Catharina Signorini

O juiz federal Eduardo Picarelli, diretor do foro da Justiça Federal em Porto Alegre, é um dos idealizadores do projeto
Quando um segurado do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) é acometido por uma doença ou sofre um acidente que o torne temporariamente incapaz para o trabalho, pode usufruir do auxílio-doença. Este benefício é um direito de todo o trabalhador segurado pelo INSS, que poderá se ausentar das atividades laborais por mais de 15 dias para realizar um tratamento de saúde.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a dependência química é definida como um conjunto de fenômenos comportamentais, cognitivos e fisiológicos que se desenvolvem após o uso repetido de determinada substância. Para que o dependente interrompa esse consumo, o tratamento tem um papel fundamental, e a percepção do auxílio-doença viabiliza que as pessoas se afastem do trabalho para que se dediquem à recuperação.
Quando o auxílio-doença é negado pela Previdência Social, os segurados que sofrem de dependência química acabam procurando o Poder Judiciário. Com o intuito de solucionar o litígio e incentivar os dependentes a se engajarem no tratamento, recuperando, inclusive, a sua capacidade laborativa, a Justiça Federal do Rio Grande do Sul (JFRS) criou o projeto "Justiça Inclusiva".
Conforme o juiz federal Eduardo Tonetto Picarelli, diretor do Foro da Justiça Federal de Porto Alegre e criador do projeto, algumas vezes, o segurado vai até o INSS, é submetido a uma perícia, e o médico perito entende que não há incapacidade naquele momento. Isto faz com que o segurado procure a Justiça, que determinará que seu perito realize um novo exame, verificando se é caso de concessão do benefício. Quanto ao reconhecimento da incapacidade por dependência química, Picarelli explica que o INSS costuma reconhecer que o segurado faz jus ao benefício, mas, em alguns casos, eles realizam uma avaliação diferente da realizada pelo perito da Justiça Federal.
O projeto, que começou a partir de uma iniciativa de Picarelli, hoje é coordenado pela juíza federal Ana Inés Algorta Latorre, da 26ª Vara Federal de Porto Alegre, a primeira especializada em conciliação no País. Sobre as diferenças da antiga sistemática do projeto para a atual, Ana Inés esclarece que, antes, a pessoa não era direcionada para um tratamento específico. Determinava-se que ela deveria buscar o tratamento, mas não havia nenhum encaminhamento. "A pessoa comprovava, aos seis meses, que estava em tratamento e, depois de um ano, ela comprovava novamente, podendo, então, retirar o restante do valor dos atrasados que havia sido acordado."
A Justiça Federal recebe diversas ações previdenciárias em razão do acometimento de alguma doença. "Quando é uma doença ortopédica, por exemplo, a pessoa procura atendimento e se trata. Quando é uma cardíaca, a pessoa, de repente, pode tomar um remédio para a pressão e regularizar. Até mesmo no caso de uma doença psiquiátrica, como a depressão, a pessoa tem a possibilidade de tomar uma medicação e espontaneamente buscar a cura. Mas esse tipo de doença, decorrente da dependência química, precisa de muito mais. Precisa de um apoio, de direcionamento, e vimos que não estávamos resolvendo esse tipo de problema com a concessão do benefício", explica Picarelli.

Participantes do programa são acolhidos por assistente social

Após algumas reformulações, o projeto vive agora outra etapa. Conforme a juíza federal que coordena a ação, a principal mudança está no acompanhamento realizado por uma assistente social. "Ela faz uma entrevista, um acolhimento, e dá um parecer sobre a situação de vida daquela pessoa", explica Ana Inés Latorre.
A assistente social também irá incentivar o dependente a aceitar que se submeta a um tratamento, que, via de regra, ocorre junto à rede pública. "É marcada uma consulta para a pessoa iniciar o tratamento, e ela será acompanhada, ou seja, precisa se manter em tratamento ao longo dos próximos 12 meses para continuar fazendo jus ao benefício", elucida a juíza.
Atualmente, 23 pessoas estão incluídas no projeto, sendo que a intenção é aumentar, gradativamente, o número de participantes. Ana Inés esclarece que os casos são selecionados a partir dos processos que demandam uma nova perícia, e, quando constatado que estão aptos a participar do programa, eles são incluídos. Sobre a receptividade dos participantes, a juíza conta que, após a entrevista com a assistente social, eles costumam chegar na audiência bastante motivados para procurarem tratamento. Em apenas um caso, o participante não aderiu ao projeto. Todos os outros se mantêm.
A continuidade do tratamento é fundamental para que o segurado continue a fazer parte do projeto. "Ainda que, em razão do tipo de transtorno que a pessoa tenha, muitas vezes, aconteçam recaídas e faltas, o mais importante é que ela não desista do tratamento, que continue comparecendo", enfatiza a juíza.
Para evitar que o dependente tenha uma recaída, o apoio da família é fundamental. "Tivemos casos em que a pessoa não possuía familiares próximos dispostos a apoiá-la nesse momento. São situações mais difíceis, até porque o familiar vai ter o papel de ajudar a administrar o benefício", explica Ana Inés. Em regra, um familiar é nomeado curador especial, e irá receber o valor. Na ausência de familiares que possam exercer essa função, o INSS costuma propor que o valor dos atrasados - que se refere a um montante acumulado relativo aos benefícios pretéritos - seja, em alguns casos, parcelado. A proposta do INSS tem como objetivo que a pessoa não receba o montante integral em um momento inicial, quando ainda está bastante fragilizada, e que possa se beneficiar de algum período de tratamento antes de receber as quantias.
O projeto representa uma tentativa de colaborar na melhora da qualidade de vida do dependente químico. "É um olhar diferenciado que a Justiça oferece, que aposta na capacidade de recuperação do ser humano, na possibilidade de construção de uma rede pública que efetivamente atinja o resultado de ajudar as pessoas", enfatiza Ana Inés.