Mudança no Artigo 144 da CF prevê maior articulação entre poderes

Proposta visa redefinir as atribuições dos três entes federativos na políticas de segurança

Por Jessica Gustafson

Para Soares, União precisa ter mais responsabilidade sobre a área
As urgentes e necessárias mudanças no sistema de segurança pública do País, incluindo alternativas para o sistema policial brasileiro, foram debatidas em evento realizado pelo Sindicato dos Policiais Federais do Rio Grande do Sul, em parceria com o programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais da Pucrs, na semana passada, na Capital. Entre os palestrantes estava o ex-secretário nacional de Segurança Pública Luiz Eduardo Soares, que abordou a insatisfação tanto da população quanto dos profissionais que atuam na área.
Para ele, uma das principais medidas que precisam ser tomadas é a mudança do Artigo 144 da Constituição Federal, que se refere às atribuições da União, estados e municípios. Segundo o dispositivo, as Polícias Militares são de responsabilidade apenas dos estados. A proposta, já enviada ao Congresso, é redistribuir as competências entre os entes federativos.
"O artigo coloca a União em uma posição quase impotente, atribuindo a ela apenas a Polícia Federal e a Polícia Rodoviária. Esses são os seus instrumentos no que tange a segurança. A União precisa ter mais responsabilidade sobre a área", considerou Soares. Um dos problemas da falta de envolvimento entre os entes é a inexistência de um ciclo básico de formação de policiais. Segundo o ex-secretário, seria razoável a criação de um conselho nacional de educação para a segurança pública, que zelasse pela qualidade da formação e que definisse os limites de oscilação entre o modo de ensino nos distintos estados brasileiros.
Outra iniciativa necessária é unificação das informações e dados sobre a área em todo o País. "Nos anos de 1990, o Rio de Janeiro tinha cinco tipos de homicídio, e isso gerava ambivalência na organização das informações. Atualmente, melhoramos um pouco, mas ainda não existe um vocabulário comum entre os estados. Precisamos pensar em três pilares, que são formação, informação e qualidade do trabalho", considerou.
Sobre a qualidade de trabalho, Soares relatou que o Ministério Público fez uma fiscalização nas Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) do Rio de Janeiro e encontrou policiais atuando em situações análogas ao trabalho escravo. "Eles estavam dentro de contêineres, impróprios para a vida, sem refrigeração, com quase 50 graus de temperatura, sem água e, em alguns locais, sem iluminação. Os coletes a prova de balas estavam vencidos. A redução do contingente agrava isso, pois os que ficam precisam trabalhar mais e sofrem um desgaste extraordinário", relatou. Segundo ele, a União poderia atuar também impondo limites, condicionando o repasse de recursos às condições de trabalho dos servidores.
O ex-secretário também ressaltou que os municípios estão esquecidos, atuando apenas com as Guardas Municipais, que têm um papel modesto, figurando como "porteiros e zeladores de prédios e praças". "O importante é a conjugação de ações, estando entre elas as preventivas", completou.

Alteração viabilizaria investimentos em prevenção

O coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pucrs, Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo, também afirmou no evento que uma mudança na Constituição é necessária. Para ele, isso abrirá possibilidades de mais investimento e mais políticas de prevenção.
"Mais do que a questão dos recursos, entraria em cena uma articulação maior dos três entes federativos na implementação de políticas, envolvendo desde a questão do saneamento urbano e a garantia das condições de vida até a participação mais efetiva da polícia no contato com a comunidade. Essa articulação entre os três entes me parece que traria um efeito muito positivo para que nós possamos pensar em uma saída no sentido da prevenção e não da superlotação carcerária, que é o que temos até agora", considerou.
Para o professor, a situação da segurança pública no Brasil é crítica. De um lado estão as altas taxas de violência, com a morte de 60 mil pessoas ao ano por homicídio; e do outro, sistema carcerário lotado, sobrecarregado e que, muitas vezes, não funciona de acordo com as normas legais. "Os presídios estão dominados por facções onde a Lei de Execução Penal é uma letra morta, sendo elas que administram e que apresentam o controle. As pessoas presas acabam se submetendo a isso, saindo de lá totalmente vinculadas ao mercado ilegal e práticas criminosas", explicou Ghiringhelli.
A mudança deste cenário, de acordo com ele, implica na reforma destas instituições, especialmente da polícia, que apresenta problemas estruturais, como a existência de poucos mecanismos de controle. Assim, a corrupção e a violência policial ainda são as suas marcas.
"Elas também são muito ineficientes, porque há problemas no ciclo de policiamento, onde apenas uma polícia faz o trabalho ostensivo e a prevenção, e a outra a investigação criminal. Isso, evidentemente, não funciona. Há toda uma série de características dessas estruturas militarizadas, bacharelescas, que são contrárias ao que se esperaria de uma polícia mais voltada a resolução dos crimes e encaminhamento judicial dos mesmos", criticou.