Coletivo Raiz Urbana, com as mãos na terra

Projeto pretende desenvolver hortas em Porto Alegre e retomar valores presentes em cuidar de algo

Por JC

Projeto Raiz Urbana quer ensinar procedência do que se consome para minimizar excedentes
O estudo "World Urbanization Prospects", da Organização das Nações Unidas (ONU), aponta que, em 2050, serão 2,5 bilhões de pessoas a mais em zonas urbanas. Neste caminho, as tradições também sofrem transformações. "Não é difícil encontrar famílias que já não têm mais nenhum tipo de vínculo com o campo e com a terra. Uma criança de 10 anos, se não tem um familiar com sítio, desconhece os ciclos dos alimentos", comenta Leonardo Brawl Márquez, arquiteto e urbanista e cofundador do Raiz Urbana, coletivo que incentiva a produção de alimentos no ambiente urbano.
O projeto pretende desenvolver hortas em Porto Alegre e retomar valores presentes em cuidar de algo, saber a procedência do que se consome e minimizar excedentes. "Nunca defendemos a ideia de que é possível ser autossuficiente na cidade, mas a horta urbana muda a relação da pessoa com o consumo", explica. Para Márquez, a sociedade contemporânea é pouco acostumada com o tempo da natureza. "Uma das principais facilidades da vida urbana é que temos acesso a quase tudo. Temos comida barata com pouco esforço. E tudo é muito imediato. Alguns estudos indicam que o hábito de fazer rancho tem diminuído muito nos últimos anos. Não existe mais a necessidade de fazer estoques quando o supermercado oferece de tudo tão próximo. Quando a gente percebe que um pé de alface demora quase três meses para crescer - e todo o trabalho envolvido nisso -, despertamos e sensibilizamos para repensar o consumo", revela.

Raiz na prática

A horta que ocupa o pátio da sede do Raiz Urbana, no bairro Rio Branco, em Porto Alegre, foi construída com a ajuda da vizinhança, e todos aproveitam o que é cultivado ali. Durante um ano, o coletivo atuou dentro da Escola Estadual de Ensino Fundamental Professor Ivo Corseuil, desenvolvendo atividades lúdicas ligadas ao cultivo de hortas com toda a comunidade: crianças, pais e professores.
Numa escola do bairro Mário Quintana, o Raiz Urbana fez uma blitz que provocou a conscientização através da arte e da cultura. "Empoderamos a gurizada que reativou uma horta que estava abandonada para começar o cultivo do zero", relembra.

Manifesto que virou negócio

Paola Salerno Troian é jornalista, cineasta e cozinheira. Ainda quando estudava gastronomia, despertou para a causa da sustentabilidade. Em meio a panelas e receitas, começou a pesquisar e compartilhar os conhecimentos em gastronomia sustentável em seu blog "Gringa do Dedo Verde". Transformou uma mudança de visão de mundo em conteúdo e, mais recentemente, em negócio focado em planejamento e execução de hortas urbanas.
Até os 11 anos, Paola passava os fins de semana na fazenda da família. Depois, tornou-se uma pessoa bem urbana. "Mas sempre questionei esse ambiente árido da cidade. Não seria possível ter outros valores? Então, as aulas de gastronomia sustentável me proporcionaram visualizar o que é o alimento orgânico. E, assim, retomei algumas raízes da família mesmo vivendo na cidade. Isso estava em alguma memória. Fui mexer na terra e me especializei", comenta.
Em 2016, assume um novo desafio: a criação de uma indústria de cosméticos ecológicos e mobiliário sustentável para pequenas hortas em apartamentos. O e-commerce "Feirinha" deve entrar no ar em setembro.