Moradores da Bom Jesus lutam por UPA

Centro de Saúde, que completou 20 anos ontem, só saiu do papel devido à pressão constante da comunidade

Por Isabella Sander

População do bairro celebrara a data com apresentações no local
Considerado um dos marcos da inserção da saúde pública em comunidades carentes na Capital, o Centro de Saúde Bom Jesus, na zona Leste, completou ontem 20 anos de existência. Desde a ideia do projeto de construção, o protagonismo foi da comunidade local. Hoje, com uma estrutura com 200 servidores, 11 mil consultas clínicas e 30 mil procedimentos mensais, a luta continua - os moradores, agora, batalham pela transformação do local em Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) 24 horas e pela contratação de agentes comunitários. Para celebrar a data, foi realizada uma festa no posto, com a apresentação artística de pessoas do bairro.
A coordenadora do Conselho Distrital de Saúde da região Leste, Maria Encarnación Morales Ortega, participa dessa história desde o início, nos anos 1980. "A vila Bom Jesus era muito violenta, com a ocorrência de muitos tiroteios e, até então, o local de atendimento mais próximo era o Hospital de Pronto-Socorro (HPS). A maioria dos baleados chegava morta. Também tínhamos, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), o maior índice de mortalidade materno-infantil do Brasil. Por isso, precisávamos de um posto perto", explica.
A ideia começou a tomar forma em 1988, quando o candidato a prefeito Olívio Dutra (PT) pediu o apoio da comunidade nas eleições e a população demandou, em troca, que ele garantisse a construção da unidade de saúde. "Ele topou e, de lá, começamos nossa luta. Através do Orçamento Participativo (OP), conseguimos verba. Durante a construção, cinco ou seis vezes as empreiteiras responsáveis faliram e levaram janelas, portas, tudo, e tivemos que começar tudo de novo. Mesmo assim, não desistimos", enfatiza Maria Encarnación.
Além desses percalços, a população chegou a entrar em confronto com a polícia, durante protesto pela construção da unidade de saúde, e questionou a prefeitura, quando um gestor de saúde quis entregar o posto para administração da Irmandade Santa Casa. "Queríamos atendimento municipal, para não depender das mudanças de governo. Hoje, está aí: 20 anos de posto Bom Jesus, com um belo atendimento", elogia a coordenadora.
A comunidade pleiteia, agora, a construção de uma UPA de porte 2, para atender a uma população de 100 mil a 200 mil pessoas. A região da vila Bom Jesus possui cerca de 130 mil habitantes. "Já conseguimos a aprovação do projeto, mas, com a crise financeira, ele está parado. Teremos ampliação da área e a construção de um prédio de dois a três andares", revela Maria Encarnación. Atualmente, o local, com 1.040 m2, oferece atendimento clínico, pediátrico, ginecológico, odontológico básico (300 atendimentos em média por mês, entre restaurações, consultas, extrações e prevenção), consultas de enfermagem, curativos, vacinas, medicações injetáveis, nebulizações e distribuição de medicamentos. Na farmácia distrital, são recebidas mais de 10 mil receitas por mês.
Outra demanda é a contratação de agentes comunitários, já autorizada pela Secretaria Municipal de Saúde. "Por questões de verba eles ainda não vieram, mas são necessários, pois os 200 servidores não dão conta. O posto atende boa parte da vila Pinto, extremamente carente, e precisamos cadastrar esses usuários", observa a coordenadora. A unidade acaba atendendo, conforme levantamento do Conselho Distrital de Saúde, não apenas porto-alegrenses, mas também moradores de Viamão, Alvorada e até de Capão da Canoa.
Günter Eugênio Schutz, de 74 anos, é natural de Cachoeira do Sul, mas chegou a Porto Alegre há muito tempo, em 1968. Desde lá, mora na Bom Jesus e participa da associação de moradores do bairro. "Naquela época, conseguimos muita coisa através do OP, como melhorias na saúde, na educação e pavimentação de ruas. Hoje, seguimos batalhando", afirma.
Na opinião do aposentado, para melhorar ainda mais a saúde, é preciso destinar mais recursos, remunerando melhor e contratando mais profissionais. A área crítica da região, no entanto, é a segurança. "É preciso investir na educação, para educar melhor as crianças nas escolas. Espero que, daqui a uns 20 anos, o programa Bolsa Família, que exige 70% de frequência em instituições de ensino para os filhos de beneficiados, renda frutos", avalia.

Centro foi marco da municipalização do SUS, diz Fortunati

Para o prefeito José Fortunati, o Centro de Saúde Bom Jesus representa o início da municipalização do Sistema Único de Saúde (SUS) em Porto Alegre. "Esse posto, mais do que qualquer outro na cidade, representa a fase de transição entre a falta de atendimento da saúde pública nas vilas, para um atendimento que passa a ser qualificado, através do SUS municipalizado. Por isso, comemorar os 20 anos desta unidade de saúde é comemorar o fortalecimento da saúde pública na Capital", ressalta.
Conforme o secretário municipal de Saúde, Fernando Ritter, o posto Bom Jesus é um mundo à parte, repleto de serviços. "Tudo começou com um pequeno serviço de uma Unidade Básica de Saúde (UBS), depois se tornou pronto-atendimento 24 horas e foi sendo ampliado. Hoje, circulam, em média, 500 pessoas aqui, diariamente. Celebramos o que já temos e o que estamos fazendo para ampliar ainda mais o atendimento", aponta.
A intenção da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) é contratar, até o final deste semestre, cerca de 12 agentes comunitários, para atender à demanda da comunidade. "Eles ficarão aqui, para poderem fazer visitas domiciliares, identificar os casos já em casa. A equipe atual já faz esse trabalho, mas queremos ampliá-lo", esclarece Ritter.