A difícil tarefa de resistir aos bips do celular

Em entrevista ao JC, pesquisador Larry D. Rosen explica as dificuldades de resistir aos chamados do celular

Por Patricia Knebel

Pesquisador Larry D. Rosen revela que medo de desapontar amigos transforma pessoas em 'rapid responders'
Ele é reconhecido como um perito internacional quando o assunto é a psicologia da tecnologia. Nos últimos 25 anos, o pesquisador Larry D. Rosen, professor emérito da California State University, Dominguez Hills (EUA), e seus colegas, já examinaram as reações à tecnologia de mais de 30 mil pessoas em 22 países. Descobriam, por exemplo, que o medo de desapontar os amigos e conhecidos do mundo virtual e real faz com que nos tornemos cada vez mais "rapid responders". Ou seja, sentimos quase uma obrigação de responder imediatamente os e-mails e mensagens recebidas. O uso equilibrado da tecnologia facilita diversas atividades do dia a dia. O excesso gera ansiedade, afeta a qualidade do sono e das próprias relações humanas. Direto de São Diego, na Califórnia, onde mora, Rosen respondeu algumas perguntas para o Jornal do Comércio. Autor de cinco livros sobre esse tema, ele se prepara para lançar em 2016 o The distracted Mind. Mesmo com todo o seu conhecimento, Rosen admite que gostaria de seguir mais de perto os seus próprios ensinamentos. "Já consegui parar de usar o meus eletrônicos horas antes de deitar, tento não reagir visceralmente aos bips e vibrações do celular e deixá-lo longe em situações sociais. Mas, muitas vezes me encontro buscando desculpas para verificar as mensagens", admite.
Jornal do Comércio - Em seu livro iDisorder, você fala sobre as alterações na capacidade do nosso cérebro de processar informações e da nossa capacidade de nos relacionarmos com o mundo devido ao seu uso diário da tecnologia. Quais são essas alterações?
Larry D. Rosen - O cérebro está sempre mudando a partir dos inputs externos e internos que recebemos. O que está acontecendo agora é que algumas áreas estão sendo submetidas a um uso excessivo e, com isso, ele passa a produzir substâncias químicas que provocam determinados comportamentos. Em nosso trabalho, nos concentramos em algumas questões. A primeira é a parte do cérebro responsável pela tomada de decisões - incluindo questões como se devemos prestar atenção a algo ou ignorar. É chamada de córtex pré-frontal e controla o fluxo de informação no cérebro. Quando usamos tecnologia em excesso, essa área requer mais energia para tomar essas decisões e deixa menos energia disponível para o pensamento mais elaborado. O segundo aspecto diz respeito à substâncias químicas envolvidas nas nossas emoções - e, nos nossos estudos, nos concentramos naquelas que envolvem a dependência e a ansiedade. Essas substâncias estão nos levando ao uso excessivo de algumas tecnologias para termos a sensação de prazer ou para nos sentirmos menos ansiosos.
JC - O que está por trás da compulsão por checar a cada segundo as mensagens e quais as consequências disso?
Rosen - Essa compulsão se baseia quase inteiramente na necessidade de eliminarmos do nosso cérebro as substâncias químicas que fazem com que a gente sinta ansiedade. Claro que existe um certo prazer envolvido em olhar as mensagens, mas a ansiedade é a força motriz disso. A causa raiz dessa ansiedade ainda não é claramente compreendida, mas está relacionada ao medo que sentimos de desapontar as pessoas por não dar atenção às suas comunicações. Para evitar isso, passamos a agir um pouco como os cães de Pavlov e nos tornamos "rapid responders". (esse termo vem do século 20, quando o médico russo Ivan Pavlov criou um treinamento em que tocava uma sineta sempre que os cachorros eram alimentados. Com o passar o tempo, os animais criaram uma associação do som com a comida. Mesmo que o prato estivesse vazio, os cães salivavam só de ouvir a sineta). Temos que mostrar a nós mesmos e aos nossos amigos que isso não é saudável e tentar sair lentamente desse comportamento.
JC - Como superar o domínio da tecnologia?
Rosen - Existem algumas coisas bem simples que podemos seguir. A primeira delas é não ficar mais de duas horas seguidas usando tecnologia, pois isso sobrecarrega todos os nossos sentidos. Precisamos de uma pausa curta 10-15 minutos a cada duas horas ou mais para redefinir e acalmar o nosso cérebro. Estar em contato com a natureza, meditar e ouvir música são algumas das atividades não tecnológicas que podemos fazer. Em segundo lugar, precisamos ter uma boa noite de sono, o que envolve remover toda tecnologia de comunicação do quarto algumas horas antes de deitar e fazer atividades que sejam calmantes, como ler um livro e ouvir música (com os aplicativos de comunicação desligados). Na medida em que os gadgtes que usamos para falar com as pessoas não estão sendo utilizados, nosso cérebro consegue relaxar e produzir as substâncias químicas necessárias para induzir o sono. Em terceiro lugar, precisamos exercitar a ação de não responder imediatamente os e-mails e mensagens que recebemos por e-mail e pelas redes sociais.
JC - Uma das tendências do mundo digital são os wearables, em que a tecnologia está no próprio corpo, como em um relógio ou óculos. Por outro lado, existe um movimento crescente na direção do slow, o que inclui ficarmos mais off-line. Você acredita que é possível mudar este cenário de uso intensivo da tecnologia?
Rosen - Eu espero que sim, mas acho que o pêndulo está ainda balançando para longe disso. Estamos apenas começando a entender que está acontecendo. De fato, os wearables fazem com que a gente verifique de forma ainda mais intensa as mensagens, sem nem mesmo precisar tirar o celular do bolso e desbloqueá-lo. Mas, o fato desses dispositivos não estarem vendendo tão bem pode indicar que estamos ficando sobrecarregados.
JC - Como seria um uso saudável da tecnologia?
Rosen - Um uso saudável implica em verificarmos os nossos gadgets em horários específicos e, lentamente, irmos deixando de lado essa necessidade de estarmos constantemente conectados. Mas, estamos muito longe desse objetivo. O que ainda vejo hoje são noites mal dormidas, o empobrecimento da qualidade das relações e um sentimento constante de ansiedade. Isso fica claro quando ouvimos relatos de pessoas que sentem a vibração do celular no bolso mesmo sem que estejam recebendo uma notificação, quando levam o aparelho na mão e não no bolso para se certificarem de que não vão perder nenhuma mensagem ou que ficam em pânico se não conseguem localizar o telefone.

Teste

O pesquisador Larry D. Rosen, professor emérito da California State University, desenvolveu uma técnica chamada Tech Break para que as pessoas treinam o hábito de se desconectarem da necessidade de chegar as mensagens a cada segundo.
  1. Verifique as mensagens nos seus dispositivos eletrônicos (computador, smartphone ou tablet) durante 1 minuto.
  2. Defina o temporizador do seu gadget por 15 minutos e vire ele de cabeça para baixo na sua frente.
  3. Quando der o alerta, cheque todas as mensagens durante um minuto e volte a acionar o temporizador.
  4. Repita o procedimento até que você se sinta confortável (menos ansioso) e, em seguida, aumente o tempo para 20-25-30 minutos.