Mercado de veículos deverá focar o Brasil

Baixo crescimento da América do Sul, tradicional destino de parte da produção, limitará exportações, diz especialista

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Em 2016, embarques não prometem ser a saída para recuperar terreno com queda nas vendas
O Brasil se posiciona, cada vez mais, como plataforma de exportação de veículos, e vai precisar de mais e mais demanda ante as expansões de capacidade projetadas para os próximos anos. O problema é o ritmo de encomendas dos potenciais clientes no exterior. O baixo crescimento projetado nas principais economias da América do Sul, que são naturalmente focos para desembarques de automóveis e caminhões produzidos pela indústria brasileira, deve adiar o aumento de vendas, opinou ontem o pesquisador da Fundação de Economia e Estatística (FEE) Rodrigo Morem da Costa.
Destaque da primeira Carta de Conjuntura de 2016, a via das exportações como saída para desafogar pátios lotados das fabricantes locais foi desacreditado por Costa. "A fatia ainda pequena do volume exportado (15% do total) e o baixo crescimento reforçam que a tendência de recuperação passará ainda pelo mercado interno", avaliou o pesquisador. O Brasil teve boom de venda de carros até 2012. No segundo semestre de 2013, a demanda interna pisou no freio. Foram 115 mil demissões de trabalhadores formais de setembro de 2013 a novembro de 2015. A Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) apurou queda de 26,6% na venda no ano passado. Foram 2,569 milhões de unidades, voltando ao cenário de 2007, que teve 2,463 milhões.
O autor do artigo ponderou que mesmo acordos comerciais no setor com países da região e com México não devem ter efeito sobre os negócios no curto prazo. O governo federal renovou acordos de complementariedade econômica com México, Argentina, Uruguai e Colômbia, mantém negociações para selar um canal com o Paraguai, e as montadoras desejam que as tratativas sejam ampliadas para Peru e Chile. Estes últimos dois países estão no Tratado de Livre Comércio Transpacífico, selado em outubro de 2015 e que inclui ainda Estados Unidos e Japão.
Costa apontou que as divisas respondem por 15% do volume exportado do setor. Projeção da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) indica queda de 0,8% para o Produto Interno Bruto (PIB) na América do Sul neste ano. No Brasil, o recuo deve ultrapassar 2%. O pesquisador citou ainda que o recente Plano Nacional de Exportações (PNE), aposta do governo Dilma Rousseff para melhorar o front externo em meio à desvalorização cambial, será decisivo para consolidar, no futuro, a posição brasileira de plataforma produtiva na região. "O PNE é correto, por estabelecer a busca de acordos, mas o resultado no curto prazo será limitado", reforçou Costa.
O modelo da indústria segue o da internacionalização, com fábricas que geram modelos de veículos que atendem a mercados diferentes, além de maior aporte de tecnologia. No Estado, a unidade da General Motors em Gravataí, considerada uma das mais eficientes da marca no mundo, está no pacote de investimentos avaliados em R$ 13 bilhões nos próximos anos. Um dos focos será abastecer o mercado global. Mas a fábrica enfrenta suspensão de parte de trabalhadores (lay-off) que vai até abril. No fim o ano, o Sindicato dos Metalúrgicos de Gravataí estimou em 25 mil unidades prontas estocadas em pátios na montadora e em áreas locadas na Região Metropolitana.

Salário-mínimo alavancou baixa remuneração na Região Metropolitana de Porto Alegre

A política de salário-mínimo no Brasil ajudou a reduzir distâncias entre as remunerações mais baixas e mais altas dos trabalhadores, além de puxar o que é considerada a faixa de baixo dos rendimentos de ocupados. A conclusão é do economista da FEE Raul Luís Assumpção Bastos, que confrontou a evolução de ganhos entre 1995 e 2014 e apontou os efeitos do crescimento real de 106,1% no valor do piso nacional para a base da estrutura salarial do mercado da Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA).
"A valorização do salário-mínimo contribuiu para reduzir a desigualdade e também a incidência de empregos de baixos salários", assegurou o pesquisador, que utilizou no estudo dados da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) da RMPA e referências da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e indicadores, como o Coeficiente de Gini (que mede desigualdades de renda) e o Índice de Kaitz (relação entre salário-mínimo e médio do mercado). O economista observou que o piso serve como barreira à manutenção de valores mais baixos.
Entre os achados, Bastos indicou que o salário médio real nos quase 20 anos analisados subiu 13,2%, enquanto a porção mais baixa de ganhos avançou 50,2%. Para embasar a tese de diminuição da diferença, o economista comparou a evolução das correções dos chamados decis que compõem o Gini. Bastos mostrou que o primeiro decil de salário-hora (base da estrutura em que está o padrão mais baixo de ganhos) teve alta de 71,5% de 1995 a 2014, enquanto o nono nível (entre os mais altos) fico estável, com alta de 0,3%.
"Isso reforça que ocorreu uma queda da desigualdade salarial, influenciada pelo processo de valorização do salario-mínimo real", associou o autor do estudo da Carta de Conjuntura da FEE de janeiro. Na aplicação do Índice de Kaitz, quanto maior o indicador, menor a parcela relativa de empregos de baixos salários na região. O índice saiu de 0,21, em 1995, para 0,37 em 2014. Segundo Bastos, a proporção de postos de baixa remuneração passou de 28,1% a 14,7% no período.