Número de leitos do SUS deve sofrer redução de 6,5% em 2016

Pelo segundo ano consecutivo, hospitais não receberão o incentivo de cofinanciamento, prejudicando o equilíbrio das contas

Por Suzy Scarton

Estado pode perder 1,5 mil leitos dos cerca de 23 mil no próximo ano
Depois de um ano conturbado, o prognóstico de recursos para a saúde estadual para 2016 é desolador. Pela segunda vez, o Estado não cobrirá o Incentivo de Cofinanciamento da Assistência Hospitalar (Ihosp), cujo não pagamento já acumula uma dívida de R$ 300 milhões. A previsão dos hospitais filantrópicos é de que o Estado sofra uma redução de 6,5% no número de leitos destinados ao Sistema Único de Saúde (SUS). As demissões, que atingiram quatro mil funcionários até agora, também deverão aumentar. O Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (Cnes) do Ministério da Saúde registra 34.432 leitos disponíveis no Rio Grande do Sul 23.986 deles, para pacientes do SUS. Se a previsão dos filantrópicos se confirmar, em 2016 o Estado deverá perder em torno de 1,5 mil leitos.
No começo de dezembro, a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul (AL-RS) aprovou o orçamento estadual para 2016. A primeira peça orçamentária do governo José Ivo Sartori prevê receitas de R$ 58,8 bilhões e despesas de R$ 63,4 bilhões. Do valor de receita, está prevista a aplicação de 12% na área da saúde - cerca de R$ 2 bilhões. Em nível federal, a nova Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) ainda não foi aprovada, mas a Comissão Mista do Orçamento (CMO) já aprovou a inclusão do tributo na previsão do orçamento do ano que vem. Isso garantiria um aumento de R$ 10 bilhões ao orçamento do Ministério da Saúde. Ainda assim, o aumento é menor do que o estimado, que previa uma arrecadação líquida de R$ 24 bilhões. Se quiser cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal, a União ainda terá de cortar R$ 17 bilhões do orçamento federal realidade que preocupa o presidente da Federação das Santas Casas e Hospitais Beneficentes, Religiosos e Filantrópicos do Rio Grande do Sul, Francisco Ferrer.
Para ele, se o corte federal for aprovado, os repasses para o Estado, posteriormente encaminhados aos hospitais filantrópicos, estarão garantidos até agosto. "Os meses de setembro, outubro, novembro e dezembro não foram confirmados. E receberemos os valores sem qualquer correção de inflação por parte da União", pondera. Caso isso realmente ocorra, Ferrer aposta no fechamento de várias das 245 instituições gaúchas.
Tentando estancar a crise que assola o segmento da saúde no Estado, o governador Sartori estabeleceu uma linha de crédito para os hospitais com o Banrisul. Para Ferrer, a linha de crédito, que propõe o pagamento de cerca de R$ 300 milhões em repasses atrasados, ameniza o problema, mas não é uma solução. "O empréstimo garante pagamento de dívidas referentes a dois meses do ano passado e três deste ano, mas não discute o valor que ficou para trás do Ihosp", afirma Ferrer. Para ele, o repasse do incentivo hospitalar minimizava o déficit de gastos dos hospitais. Sem o valor, a situação se agravou.
Em todo o Estado, houve redução de aproximadamente 46 mil internações em 2015 e mais de 2 milhões de exames e diagnósticos deixaram de ser feitos. Além disso, a Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs) calcula uma dívida de R$ 196 milhões com os municípios, referentes a vários meses de 2014, e outros R$ 27 milhões, de maio deste ano. As Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), o Programa Saúde em Família (PSF), o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) e a Primeira Infância Melhor (PIM) foram os principais programas atingidos. O setor de Farmácia Popular já acumula um déficit de R$ 25 milhões, com 11 meses de pagamentos atrasados.
A impossibilidade do pagamento do Ihosp foi confirmada pelo secretário estadual da Saúde, João Gabbardo dos Reis. Ainda assim, Gabbardo acredita que os hospitais conseguirão suportar a crise. "Não nos comprometeremos em nada para 2016, afinal, tudo vai depender da condição econômica do Estado. Continuaremos repassando 12% do orçamento, e se os hospitais se mantiveram até agora, deverão repetir o feito no próximo ano", comenta. Como os repasses não tem sido suficientes, os municípios arcam com mais de 20% das despesas na área.
A expectativa do presidente do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Rio Grande do Sul (Cosems), Marcelo Bósio, também é de que a situação possa melhorar. "A PEC do Orçamento Impositivo prevê que cerca de R$ 10 bilhões sejam aplicados em emendas. Metade do valor será repassado à saúde. Além disso, ainda está em tramitação a questão da CPMF, cuja arrecadação de recursos também poderia ser aplicada no setor. Caso isso tudo ocorra, o cenário alcançará outro patamar de discussão", comenta.

Abandono de planos privados incha o sistema

A falta de repasses sobrecarrega o SUS, prejudicando o atendimento à população. As entidades privadas de saúde calculam que, até o final deste ano, 900 mil segurados deixarão de ser vinculados a um plano de saúde privado em todo o Brasil. Somente no último trimestre, 236 mil conveniados cancelaram o plano de saúde. "No momento em que deixam a saúde privada, incham a fila do SUS, que está sem orçamento e sem financiamento", pondera Ferrer.
A defasagem da relação receita/custo da prestação de serviço ao SUS é um dos problemas e deverá persistir em 2016. "No hospital, disponibilizo 70% da capacidade total instalada e trabalho com um convênio que me dá 60% de prejuízo. Essa é a equação", lamenta. A necessidade de adquirir materiais importados e tecnologias atualizadas, somada ao déficit já existente, resulta no endividamento das instituições. "Temos problemas para pagar salários, fornecedores de medicamentos e materiais, e tudo isso leva à inviabilidade plena."
O presidente aguarda o pagamento, que deve ocorrer até o final do mês, do valor referente a programas, como incentivos de UTI, porta de entrada de emergência e atendimento a gestantes de alto risco. Caso o repasse não ocorra, os hospitais começarão o próximo ano com mais R$ 160 milhões de atrasos em repasse. A Comissão de Orçamento da Assembleia, por meio de emenda, determinou que
R$ 297 milhões sejam aplicados no custeio das instituições. No entanto, Ferrer explica que esse valor não é "dinheiro novo" - ele será remanejado dentro dos 12% já destinados à saúde. "Se tenho um programa para gestantes, vou ter de encerrá-lo e utilizar a verba para outro setor", exemplifica.
O Ministério da Saúde também anunciou a suspensão de repasses em 2015. Os cortes afetam os pagamentos de novembro e dezembro, e, entre os serviços afetados, estão as UPAs e o Samu, que ficarão sem auxílio federal até o final do ano. Também há corte de 50% nos recursos para a atenção básica. O pagamento desses valores deverá ocorrer em janeiro de 2016.