Novos modelos de negócios desafiam cidades

Aplicativos da chamada sharing economy, ou economia compartilhada, como Uber, Airbnb e WhatsApp, deverão movimentar em torno de R$ 230 bilhões nos próximos 10 anos

Por Patricia Knebel

Tecnologia para contratação de transporte chegou a Porto Alegre em novembro causando polêmicas
Uber, Airbnb, WhatsApp e tantas outras empresas com modelos de negócios inovadores estão surgindo todos os dias em algum canto do mundo. São players que fazem parte de um mercado gigante e transformador, a chamada sharing economy, ou economia compartilhada, que em 2015 movimentou R$ 50 bilhões no mundo. A perspectiva é que, nos próximos 10 anos, alcance R$ 230 bilhões.
No centro desse modelo de negócios está a lógica de que a posse de um bem, como um carro ou um apartamento, por exemplo, é menos importante do que o uso inteligente que você pode fazer dele. E por uso inteligente entende-se o compartilhamento de bens e serviços para reduzir a ociosidade e os custos, bem como gerar menos impacto para o planeta. "Estamos preocupados com a sustentabilidade, o que envolve a necessidade de termos cidades menos congestionadas, uma redução nos acidentes e nas emissões nas áreas urbanas", observa o professor Luis Antonio Lindau, Ph.D em transportes urbanos e diretor do WRI Brasil Cidades Sustentáveis.
De fato, é na área de transporte que esses novos serviços que começam a surgir podem dar a sua maior contribuição. Mas é aí também que estão concentradas as maiores polêmicas. No Brasil, isso começou em 2015, com a chegada do Uber, e tem tudo para se intensificar no próximo ano.
Taxistas e gestores públicos alegam que o serviço prestado a partir dessa plataforma tecnológica é uma concorrência desleal, por não estar sujeito às mesmas regras do mercado tradicional. Já o Uber defende que a Política Nacional de Mobilidade Urbana prevê a modalidade de serviços de transporte individual privado e que, portanto, é legal.
Em Porto Alegre, ainda há um bom caminho a ser percorrido até que os interesses de todos se acomodem. A startup americana aterrissou na capital gaúcha em novembro de 2015 e, desde lá, as discussões só se acaloraram. O prefeito José Fortunati não gostou de a empresa ter entrado em operação dias antes de uma reunião que estava agendada para, justamente, discutir a sua chegada à cidade. A EPTC anunciou que os carros seriam apreendidos. Taxistas chegaram a espancar um motorista do Uber e ameaçar outros.
Do outro lado, boa parte da população, insatisfeita com o serviço prestado pelos táxis, saiu em defesa do aplicativo. Representantes da prefeitura admitiram, em reuniões fechadas, que não imaginavam que o tema causaria tanto burburinho. Um avanço na discussão desse tema foi a criação de um grupo de trabalho, liderado pela EPTC, para tentar chegar a um modelo de regulamentação que beneficie a todos.
"Qualquer lei que diga que uma empresa de base tecnológica não pode atuar será um marco obsoleto e reacionário. Temos que criar uma proposta duradora e boa para a cidade", sugere o criador do Cite - Comunidade, Tecnologia, Inovação e Empreendedorismo -, Jose Cesar Martins. Segundo ele, mais do que pensar em regular o Uber, é fundamental criar uma legislação que proteja as dezenas de novos negócios que devem surgir nos próximos anos e que têm como foco soluções que possam ajudar as cidades a serem mais inteligentes.
Ele sugere uma regulamentação experimental e com compromisso com as externalidades, ou seja, que avalie como a atuação destes novos players impacta o número de carros nas vias públicas e, consequentemente, questões como acidentes fatais, fluxo de trânsito e emissão de gases no ambiente. "Se depois dessas avaliações se perceber que foi positivo, é só dar continuidade", sugere.
Para Lindau, a grande questão que está em jogo é como cada município vai se posicionar em relação a essas inovações disruptivas. "Uma cidade que deseja despontar na sua região precisa tomar posição. Vamos buscar a liderança na implementação e regulamentação destes novos modelos ou apenas esperar?", questiona.
Ao que tudo indica, o caminho não é proibir esses serviços, e sim abrir espaço para o diálogo. "Essa é a melhor forma de resolver esses conflitos. Não adianta as empresas e os governos quererem impor os seus posicionamentos e convicções", alerta o especialista em direito digital e sócio da Patricia Peck Pinheiro Advogados, Márcio Chaves.

Usuários procuram por serviços que ofereçam uma maior qualidade

A polêmica tem acompanhado a chegada ao mercado de players como Airbnb, Uber e WhatasApp. Em muitos casos, essas startups disputam mercados em áreas cuja qualidade ou preço dos serviços já vinham sendo criticados pela população, como hospedagem, transporte e telefonia. Consequentemente, conquistam a simpatia dos consumidores. "A resposta imediata de quem sentiu seu negócio ser afetado é questionar a necessidade destes players cumprirem determinadas questões legais", observa o especialista em Direito Digital e sócio da Patricia Peck Pinheiro Advogados, Márcio Chaves.
Para ele, em alguns casos, uma saída pode ser criar uma regulamentação que garanta uma competição leal e faça com que os novos players cumpram requisitos de segurança, como os que estabelecem condições para identificação de responsabilidade pelo prestador do serviço. Isso não significa, porém, o estabelecimento de leis que se tornem um entrave para a evolução tecnológica. "Esses modelos vieram para ficar, e a lei tem que seguir a evolução. Não adianta impor uma forma restritiva, pois isso não vai funcionar", defende Chaves.
O diretor-geral do Uber no Brasil, Guilherme Telles, acredita que a regulamentação possa ser uma alternativa e cita exemplos bem-sucedidos em que isso aconteceu. "Quando o Facebook chegou, poder público, usuários e empresas trabalharam juntas na criação do Marco Civil da Internet, que hoje é um exemplo mundial de regulamentação. Precisamos fazer isso também na mobilidade", sugere.