Queda na arrecadação representará R$ 10 bi a menos em receitas

A equipe econômica atribui a revisão das contas da União e nova estimativa de receitas para 2015 à frustração na arrecadação

Por

As despesas, por outro lado, subiram. De acordo com o documento, os gastos totais (incluindo obrigatórios e discricionários) ficarão em R$ 1,108 trilhão em 2015, o que representa um aumento de R$ 2,77 bilhões sobre a projeção anterior. No acumulado de 2015, a alta nos gastos da União será de R$ 5,53 bilhões.
A equipe econômica atribui a revisão das contas da União e nova estimativa de receitas para 2015 à frustração na arrecadação. O "desempenho inesperado" afetou sobretudo o recolhimento do Imposto de Renda Pessoa Jurídica, que deve gerar R$ 10 bilhões a menos em receitas do que o esperado no relatório anterior, PIS/Pasep (-R$816 milhões), Cofins (-R$ 3,2 bilhões) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL, -R$ 3,6 bilhões). Além disso, o relatório aponta a queda na arrecadação esperada com o Programa de Redução de Litígios Tributários (Prorelit) e com o projeto que propõe a regularização de recursos no exterior, que ainda está sob a análise do Congresso Nacional.
Foi o aprofundamento da recessão econômica que obrigou o governo a reduzir, mais uma vez, suas projeções de arrecadação para 2015. O relatório de avaliação fiscal do 5º bimestre, divulgado no final de novembro, informa que a estimativa para receita primária total do ano caiu para R$ 1,260 trilhão. O número é R$ 57,9 bilhões menor que o previsto no 4º bimestre. Já no ano, a frustração chega a nada menos que R$ 111,4 bilhões.
Para especialistas, o cenário deixa claro que o governo, no curto prazo, não consegue fazer o ajuste sem aumento de impostos. De um lado, porque não obteve apoio no Congresso para aprovar todos os cortes que desejava. De outro, porque a recessão veio pior do que o previsto e derrubou a arrecadação. "Se você traçar um gráfico com receitas e despesas, vai ver que a despesa é rígida e crescente, e a receita é sensível ao ciclo econômico: está despencando", diz Vilma da Conceição Pinto, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (IBRE/FGV).
Para o economista especialista em contas públicas, Mansueto Almeida, o dramático é que, ao final, este será um ano perdido para o superávit primário (a economia para o pagamento de juros da dívida). "Viramos 2014 com déficit de 0,6% do PIB e projetando superávit de 1,2%, mas terminamos com um déficit de quase 1%: não é que o ajuste não tenha avançado, ele retrocedeu", diz Almeida. Assim, a economia prevista de R$ 66 bilhões foi se transformando em um rombo de R$ 52 bilhões. Se for incluído o gasto com as chamadas "pedaladas", as contas públicas fecham o ano com um buraco de R$ 120 bilhões.
A previsão de redução no lucro das estatais também levou a equipe econômica a revisar para baixo a expectativa de receitas com dividendos e participações. A previsão de arrecadação com essa rubrica caiu 29% do quarto para o quinto bimestre: passou de R$ 15,9 bilhões para R$ 11,3 bilhões. O relatório aponta, ainda, o adiamento da oferta pública inicial (IPO) da Caixa Seguridade Participações S/A como fator contribuinte para a revisão, mas não cita possível prorrogação da oferta para o Instituto de Resseguros do Brasil (IRB), sinalizando que o governo ainda conta com a realização do IPO este ano.
Em relação a concessões e permissões, o governo espera uma redução de R$ 1,3 bilhão em relação ao relatório do 4º bimestre. A previsão é de que entrem nos cofres públicos entre novembro e dezembro R$ 130 milhões em concessões recorrentes e R$ 11,17 bilhões em novas concorrências (R$ 120 milhões da 13 ª rodada da ANP e R$ 11,05 bilhões dos leilões de usinas hidrelétricas antigas). Até outubro foram arrecadados R$ 5,63 bilhões.
As operações com ativo devem gerar aos cofres públicos em 2015, segundo o relatório, R$ 795 milhões, ante os R$ 3 bilhões previstos no 4º bimestre. A previsão de receitas com a Cota-Parte de Compensações-Financeiras caiu R$ 184 milhões por frustrações nas arrecadações estimadas, sobretudo, com recursos hídricos (-R$ 196,9 milhões). A equipe econômica também espera arrecadar R$ 74,6 milhões a menos com recursos do petróleo, R$ 9,8 milhões com recursos do petróleo e R$ 25 milhões com royalties de Itaipu.
Na revisão das contas, o déficit da Previdência subiu de R$ 82,18 bilhões para R$ 86,38 bilhões em decorrência de uma queda na arrecadação da contribuição previdenciária e do aumento dos gastos com benefícios. O documento também reviu as estimativas para o comportamento do Produto Interno Bruto (PIB) e da inflação. Agora, o governo espera que a economia feche o ano com uma retração de 3,1%. Na projeção anterior, era 2,44%. E no início do ano, de 1,2%. Já a alta dos preços foi estimada agora em 9,99%, contra 9,29% no relatório do 4º bimestre e 8,26% no início de 2015.
Diante desse cenário, a equipe econômica prevê agora que o governo central (Tesouro Nacional, Previdência Social e Banco Central) fechará o ano com um déficit de R$ 51,8 bilhões, ou 0,9% do PIB. O documento ainda não prevê o pagamento das pedaladas (atrasos nos repasses do Tesouro para bancos públicos nos últimos anos), estimadas em R$ 57 bilhões. Segundo os técnicos do governo, o cronograma desse desembolso está sendo negociado com o TCU, que já condenou essas manobras.
O déficit poderá chegar a R$ 119,9 bilhões, caso haja uma frustração de R$ 11,1 bilhões com leilões de concessão de usinas hidrelétricas que não renovaram seus contratos em 2012, e caso o governo pague todas as pedaladas fiscais.
O governo optou por trabalhar no relatório com uma meta fiscal que ainda não foi aprovada pelo Congresso. A meta que está em vigor oficialmente hoje prevê um superávit primário de R$ 66,3 bilhões (1,19% do PIB) para o setor público, sendo R$ 55,3 bilhões (0,99% do PIB) para o governo central e R$ 11 bilhões (0,2% do PIB) para estados e municípios.
Apesar de o Tribunal de Contas da União (TCU) já ter considerado irregular o fato de o governo ter trabalho com metas ainda não aprovadas pelo Congresso, no ano passado, a equipe econômica explicou que não tem mais como perseguir o número oficial: "Apesar de todas as medidas adotadas pelo governo, desde dezembro de 2014, não se observou o retorno do superávit primário para o nível previsto inicialmente, em função da grande frustração da estimativa de receitas, decorrente de vários choques que ocorreram desde o final de 2014", afirma o texto do relatório.
O texto alerta para o fato de que seria preciso fazer um contingenciamento adicional de gastos de R$ 107,1 bilhões para garantir a meta oficial, o que seria inviável. Somente no Executivo, o contingenciamento teria que ser de R$ 105,4 bilhões. Desse valor, no entanto, seria preciso retirar R$ 30,5 bilhões para o cumprimento dos valores mínimos constitucionais de Saúde e de Educação. "Sendo assim, de forma a garantir a obrigação constitucional, o valor disponível indicado para ser contingenciado seria de R$ 83,3 bilhões. Entretanto, diante da atual execução orçamentária das despesas, esse contingenciamento não se apresenta factível, já que até o dia 10 de novembro resta um saldo de R$ 10,7 bilhões, excluídos os mínimos de saúde e as emendas impositivas", alerta o relatório.
O relatório mostra que as despesas obrigatórias são as responsáveis pelo aumento de R$ 2,77 bilhões na previsão de gastosno 5º bimestre. Houve aumento nas despesas com seguro- desemprego, benefícios da Previdência, pessoal e encargos e compensações à Previdência Social devido ao programa de desoneração da folha de pagamento das empresas.

Ano de ajuste vai terminar com alta de R$ 74 bilhões nos gastos obrigatórios

O governo apertou o cinto e cortou onde pôde na tentativa de conter gastos e deslanchar o ajuste fiscal em 2015. Na prática, porém, este será mais um ano de aumento de despesas - especificamente das despesas obrigatórias. São aqueles gastos como aposentadorias e pensões, transferências para serviços de saúde e educação, enfim, o conjunto de benefícios previstos em leis que o governo não tem autonomia para mexer.
Segundo o economista Mansueto Almeida, especialista em contas públicas, o próprio governo projeta que as despesas obrigatórias vão ter um aumento de R$ 74 bilhões neste ano. É muito, segundo ele, em um período de inflação a 10% e retração de 3% do Produto Interno Bruto (PIB). Para o ano que vem, o governo chegou a estimar alta de R$ 105 bilhões nesses gastos. Depois voltou atrás, e prevê aumento de R$ 75 bilhões - o que Almeida considera complicado. "A combinação de recessão com inflação tende a piorar o resultado", adverte o especialista.
O que chama a atenção é que mais da metade do aumento é gasto com a Previdência: R$ 42 bilhões neste ano e quase R$ 55 bilhões no próximo. Há esse salto no valor de um ano para outro porque o peso da Previdência é crescente. Para se ter uma ideia, estima-se que os gastos com o INSS crescerão 0,9% do PIB neste e no próximo ano. Trata-se de uma alta igual à vista de 2003 a 2014. "Em apenas dois anos, os gastos do INSS vão crescer o mesmo que em toda a década passada", diz Almeida.
Na avaliação dos economistas, o aumento do gasto fixo ressalta a importância de dois pontos recorrentes na discussão do ajuste fiscal. O primeiro é que se tornou urgente fazer a reforma da Previdência. Ela não teria impacto agora, mas mudaria o cenário, que é muito ruim. Estima-se que o gasto com a Previdência vai atingir R$ 1 trilhão ao fim de 2050. Para se ter uma ideia do que isso representa, o valor equivale a praticamente todo o orçamento do governo hoje.
"Apesar de o Brasil ainda ser jovem, os gastos com a previdência têm um padrão espetacular de crescimento e vão se acelerar ainda mais nos próximos anos porque a população está envelhecendo", diz o economista e pesquisador na área de Previdência, Paulo Tafner. Em proporção ao PIB, o gasto brasileiro já é semelhante ao da Alemanha e do Japão, onde a maioria da população é idosa. Aliás, no mundo, só dois outros países com população jovem têm padrão de gasto semelhante: Polônia e Turquia.
Segundo Tafner, o Brasil gasta demais com previdência por inúmeras razões, mas três se destacam. A primeira é que as regras de concessão dos benefícios são muito generosas. O brasileiro consegue se aposentar com cerca de 55 anos, quando em países mais velhos a média é de 65 anos. Também pode acumular mais de um benefício: receber a própria aposentadoria e a pensão de um companheiro falecido, por exemplo.
O segundo problema é o rápido envelhecimento da população. No curto prazo de quatro décadas, entre os anos de 2010 e 2050, o número de idosos vai praticamente se multiplicar por três: vai passar de 19,6 milhões para 66,5 milhões. Pesa ainda o fato de os benefícios serem indexados. O piso da aposentadoria segue o salário mínimo, os demais têm reposição pela inflação. Aliás, cerca de 48% da despesa do governo é indexada.