Clínicas qualifica segmento de pesquisa em álcool e drogas

Centro de assistência e treinamento teve novas instalações inauguradas nesta quinta-feira

Por Jessica Gustafson

As novas instalações do Centro Colaborador em Álcool e Drogas do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, desenvolvido em parceria com a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad) do Ministério da Justiça, foram inauguradas nesta quinta-feira, com o objetivo de qualificar o segmento acadêmico e científico na área. As dependências, localizadas na Unidade Álvaro Alvim, incluem salas para o trabalho de pesquisadores e uma biblioteca especializada.
Desde 2012, o Clínicas trabalha para o fortalecimento da rede de assistência aos usuários de substâncias psicoativas no País, com 20 leitos de internação e ambulatório voltados ao atendimento de pacientes com problemas decorrentes do consumo de álcool e drogas. O desenvolvimento de metodologias mais eficientes de tratamento é um dos focos do projeto.
De acordo com o professor Flavio Pechansky, coordenador do Centro, a ideia é proporcionar assistência, treinamento e fortalecer a área de pesquisa. "O Centro Colaborador é um grande guarda-chuva, no qual se localizam diversos grupos, como o centro de pesquisa, o mestrado, um serviço de atendimento, um núcleo que estuda trânsito e outro que estuda as drogas novas para pensar no tratamento. Ao todo, temos mais de 100 pessoas no centro", explica.
O professor ressalta que essa é a primeira unidade no País a adotar o modelo, que integra diversas áreas dentro da política nacional sobre drogas. O atendimento é feito atualmente apenas em pacientes homens, que vêm das emergências psiquiátricas da Capital. O Clínicas não tem esse serviço e nem pretende criá-lo.
"Trabalhamos apenas com pacientes voluntários e o programa de tratamento é muito difícil, tendo várias etapas. Entretanto, eles gostam muito pela qualidade da estrutura que mantemos. As equipes são muito treinadas", relata.
Segundo Pechansky, 50% dos atendimentos são de pessoas com problemas pelo uso de álcool e 50% pelo uso de crack e cocaína. A internação tem uma média de 21 dias, mas o cuidado continua sendo realizado no ambulatório durante cerca de um ano. Desde 2012, a unidade de internação já recebeu mais de mil pacientes e, o ambulatório, mais de 15 mil.
"O trabalho na área das drogas apresenta diversos desafios. Assim, uma das ideias é identificar, junto com a polícia, as substâncias novas, especialmente as semelhantes ao ecstasy, que causam grande dano cerebral, mas têm potencial de dependência mais baixo. Outra questão importante é que, depois do álcool, a maconha é a droga que mais causa danos ao dirigir", destaca.

'Foco das políticas públicas precisa sair da área criminal', afirma secretário nacional de Políticas sobre Drogas

O titular da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad), Luiz Guilherme Mendes de Paiva, esteve presente na inauguração do centro e destacou a importância do conhecimento acadêmico no direcionamento de ações da pasta. "O centro servirá de referência para o País e nos dará o direcionamento para a criação de políticas públicas", afirmou o secretário.
Jornal do Comércio - No entendimento da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas, qual a melhor metodologia de trabalho para abarcar a complexidade da área?
Luiz Guilherme Mendes de Paiva - Buscar novas alternativas. O Centro Colaborador em Álcool e Drogas está envolvido exatamente em um processo de conhecimento e de pesquisa para desenvolver novos tratamentos. Sabemos hoje que os casos não são todos iguais. É importante dizer que nem todas as pessoas que fazem uso de drogas desenvolvem problemas. E as que desenvolvem têm características diferentes, tanto pessoais quanto pela substância utilizada. Assim, é importante que tenhamos um leque de alternativas. Neste momento, é necessário que tenhamos a mente aberta e passemos a investir mais na área de pesquisa.
JC - A questão da internação dos usuários, principalmente as ações pontuais já realizadas de internação compulsória, têm sido tema de intenso debate no País. Como o senhor avalia este tema?
Paiva - Existe um certo consenso de que qualquer que seja a opção terapêutica, a voluntariedade é uma condição para que seja bem-sucedida. Excetuados os casos de emergência graves, que necessitem de internação específica, o tratamento depende dessa voluntariedade.
JC - Fala-se muito das drogas ilícitas, mas o álcool também merece atenção nas políticas públicas e no desenvolvimento de tratamentos. O que vem sendo feito nesse sentido?
Paiva - É importante que tenhamos muito claro que o álcool é uma droga lícita, mas é a que mais causa problemas de saúde e em outros aspectos da vida das pessoas. Neste centro do Hospital de Clínicas, metade dos leitos é ocupada por pessoas com problemas relacionados ao álcool. As políticas públicas precisam se voltar para todas essas substâncias. Focar apenas no crack, por exemplo, não é eficiente.
JC - Outro debate constante é sobre a descriminalização do uso das drogas e a legalização da maconha. Qual é a posição da secretaria?
Paiva - Estamos muito tranquilos com esse debate que acontece no Supremo Tribunal Federal e no Congresso Nacional. O foco nas políticas precisa sair da área criminal e se voltar para os ambientes de tratamento, cuidado e saúde. Qualquer que seja a decisão jurídica, ela é menos importante que o foco na assistência. Imaginar que a Justiça seja capaz de dar conta de todas as questões que envolvem essa área é um equívoco.