Cultura empresarial é tão decisiva que delineia o comportamento dos funcionários e reflete nos clientes

Negócio com personalidade


Cultura empresarial é tão decisiva que delineia o comportamento dos funcionários e reflete nos clientes

Pense no estabelecimento que você mais gosta de frequentar. O que você consome lá? Você tem um assento preferido? Como são as paredes? E as pessoas? O que te faz sentir como se este lugar fosse uma extensão do seu dia, da sua casa?
Pense no estabelecimento que você mais gosta de frequentar. O que você consome lá? Você tem um assento preferido? Como são as paredes? E as pessoas? O que te faz sentir como se este lugar fosse uma extensão do seu dia, da sua casa?
Por mais que a decoração, a iluminação, os preços e os produtos sejam ótimos, o que geralmente mais conquista o cliente é algo que perpassa toda a estrutura da empresa para chegar até ele. Ou seja, a cultura empresarial. E essa cultura é assim tão decisiva, porque ela delineia o comportamento dos funcionários para o atendimento, a relação deles com os chefes, a postura do negócio frente a adversidades. Enfim, todo o somatório que resulta na experiência do cliente - seja ele interno, seja externo.
"A empresa pode ter diferentes personalidades, mas, se ela for 'a venda pela venda', não vai se sustentar a longo prazo, porque isso simplesmente não cativa as pessoas", aponta Fábio Krieger, gerente setorial de Comércio e Serviços do Sebrae-RS.
A personalidade da rede de restaurantes norte-americana Outback Steakhouse, por exemplo, é baseada na hospitalidade e excelência de serviços. Lá, os sócios e membros da diretoria sabem fazer todos os pratos e realizar todas as funções desempenhadas na loja.
"A companhia tem uma cultura de que todos os dirigentes precisam, como prática, efetivamente estar dentro do chão dos restaurantes. Então, quando estou lá, eu não sou o sócio regional, sou um outbacker", diz Naldo Barbosa, sócio-regional da rede no Sul do País.
"Visito mesa, converso com o cliente, ajudo a levar um prato. E se faltar alguma coisa e não tiver ninguém mais que possa fazer, eu preciso ir lá e preparar, dar um jeito", afirma.
A importância dessa postura, para ele, é poder transmitir a diferença entre discurso e cultura. "A cultura é algo praticado desde o presidente de uma empresa. E por isso chega até o cliente", diz.
"O funcionário é ensinado, desde o primeiro momento, que nós temos que buscar o ótimo", conta. Isto é, segundo Barbosa, sempre superar as expectativas para criar ambientes sadios, harmônicos e deixar uma atmosfera à vontade.
Barbosa explica que, neste âmbito, o produto por si só não é o maior diferencial, uma vez que o cliente pode achar boa comida em qualquer lugar.
"Mas ele não encontra um serviço diferenciado, com o qual se consegue estabelecer uma energia e uma relação com ele", justifica.

A filosofia por trás da Disney

Independentemente da idade, Disney World é um lugar que encanta pessoas do mundo todo. Ajudar a entender a lógica que gera essa percepção é a missão do norte-americano Jim Cunningham, que foi executivo da atração de Orlando, na Flórida, por 17 anos.
Cunningham esteve em Porto Alegre no final de outubro para participar do Seminário Clientologia, com o brasileiro Claudemir Oliveira - também ex-executivo da marca. Mais de 200 pessoas, de diversos estados, compareceram ao evento para entender a cultura Disney.
Cunningham explica que cultura é o jeito de cada empresa fazer o seu negócio. Ele conta que a da Disney sempre foi promover e valorizar seus funcionários. Até que Michael Eisner assumiu a presidência, em 1984, e incluiu o setor hoteleiro no leque de produtos.
A investida fez com que fossem contratados, na concorrência, os melhores gerentes do ramo. "Aí estava o problema. Mudou a cultura, esqueceu das pessoas", aponta Cunningham, sobre o fato de Eisner ter ignorado o plano de carreira.
Apesar disso, Cunningham sabe que a gestora do Mickey Mouse é um exemplo a ser seguido por diversos motivos. Um deles é a atenção aos detalhes. "Se eu prestar atenção no detalhe, posso superar a sua expectativa. Isso deve ser parte do treinamento. Faz parte do entender o que você está fazendo", expõe.
O palestrante ressalta, ainda, que na Disney todos têm a missão de manter o parque limpo, inclusive o presidente.
A organização tem uma maneira própria de trabalhar a percepção dos visitantes. As filas dos brinquedos, por exemplo, avisam em seus displays ou em aplicativos o tempo de espera.
Normalmente, são acrescentados alguns minutos - justamente para que o cliente tenha a sensação de que o tempo em pé foi mais curto e tenha sua expectativa superada. "Fatos são negociáveis; percepções, não", sentencia.

Cultura da Cultura

Na Livraria Cultura, uma das características mais fortes, passada de setor a setor, é a transparência. "A primeira coisa que a gente faz quando um novo funcionário entra na Cultura é ser muito transparente sobre o que ele vai encontrar dentro da nossa empresa. Não tem aquela coisa de florear, de dizer que somos o máximo. Colocamos muito claro o que a gente tem de bom e o que tem de ruim", expõe Sergio Herz, CEO da Livraria Cultura.
Isso, aponta, está enraizado desde a fundação da empresa, em 1947, pela avó dele. Eva Herz, fugida do nazismo na Segunda Guerra Mundial, passou a alugar livros no Brasil como fonte de renda. Ela levava o trabalho, conforme Herz, com muita seriedade. "A gente aprendeu que não dá para ser superficial", registra. E conservar este DNA em uma empresa que está em expansão - nos últimos cinco anos, a Cultura dobrou de tamanho - é o grande desafio. "Quando você cresce, pode perder isso. Manter os valores é uma preocupação muito grande nossa", enfatiza.
Para tanto, segundo o especialista do Sebrae Fábio Krieger, é imprescindível dar ouvidos ao funcionário, que é quem está na linha de frente do negócio e, por isso, tem acesso a informações estratégicas, além de ser quem de fato exerce o relacionamento com o cliente. "Eu percebo que falta esta postura de saber ouvir com atenção. Além disso, nem sempre o colaborador é motivado a falar. Muitas vezes, o gestor acaba pulando esta etapa, recheada de informações importantes", ressalta.
Herz também aposta na empatia como um diferencial. Ele diz que a Cultura, por exemplo, não tem o objetivo de agradar a todos. "Temos, sim, o objetivo de ter pessoas que gostam e se identificam com o que a gente faz. E aí não tem julgamento de certo e errado", sustenta.
Krieger classifica o relacionamento com o cliente como algo tão complexo que acaba sendo um dos maiores diferenciais competitivos que uma empresa pode vir a ter. "É algo construído com muito tempo e treinamento e, por isso, se torna uma arma poderosa estrategicamente", sentencia. Mas e quem é o cliente, afinal? O ex-executivo da Disney, Jim Cunningham, diz que esta pergunta não pode ser respondida.
Na verdade, o cliente é o empresário, o gerente, o funcionário e a pessoa que entra pela porta. Para ele, este é o grande pulo do gato na consolidação da cultura empresarial.
"Nós todos temos relações de clientes. Se tentarmos dizer que apenas determinada pessoa é o cliente, estaremos cometendo um erro", explicita.