Crise leva consumidor de volta às viagens de ônibus

Queda de renda dos brasileiros reduz número de passageiros aéreos, mas alta nas rodoviárias ainda não é significativa

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Migração da população mais afetada pelo atual cenário econômico traz esperanças para os transportadores
Diante da necessidade de economizar, o brasileiro voltou a incluir o ônibus em seus planos de viagem. Com o orçamento apertado, a rodoviária ganha espaço, principalmente para quem viaja com frequência. Um levantamento do Ministério do Turismo e da Fundação Getulio Varga mostra que 14% dos entrevistados pretendem usar o transporte rodoviário nos próximos seis meses. Trata-se do maior percentual para o mês desde 2005, quando a pesquisa começou a ser divulgada. Segundo especialistas, o pano de fundo da mudança de rota inclui a queda na renda e a alta do dólar.
A preferência pela viagem de avião recuou de 58,3% em setembro de 2014 para 51,8% no mês passado. Nos últimos anos, com os ganhos de renda conquistados, antes da crise reduzir o poder de compra do brasileiro, o número de "marinheiros de primeira viagem" era de tal ordem que agências de viagem passaram a publicar guias para quem começava a se familiarizar com a rotina dos aeroportos.
A pesquisa do Ministério do Turismo mostra essa trajetória. Entre 2005 e 2010, nas sondagens realizadas em setembro, a intenção de viajar de ônibus caiu constantemente, até chegar a 8%. Agora, a tendência começa a se inverter. A alta do dólar afeta diretamente o custo do querosene de aviação, o combustível usado pelas aéreas.
"É como carne de segunda e carne de primeira. Quando aumenta a renda, aumenta o consumo de carne de primeira. E quando diminui, acontece o contrário", compara o consultor Adalberto Feliciano, professor licenciado de Economia do Transporte Aéreo da Universidade Anhembi Morumbi. Mesmo assim, Feliciano avalia que a retomada das viagens de ônibus será apenas parcial. "Se o ônibus perdeu 50% dos passageiros para o avião, não vai ganhar esses 50% de volta."
Entre viajantes frequentes, há quem comece a substituir o transporte aéreo pelo rodoviário. É o caso do produtor Vitor Aiello, usuário da ponte aérea Rio-São Paulo. Na semana passada, ele embarcou n-o trajeto rodoviário, pela primeira vez. "Tive que fazer essa viagem em cima da hora. Antes, conseguia preços melhores, mesmo com pouca antecedência. Agora, fui pesquisar, e a passagem estava
R$ 500,00 só a ida. Preferi pagar R$ 90,00 pela passagem de ônibus."
A biomédica carioca Julia Lemos sente na pele a alta de preços. Com um namorado mineiro, viaja ao menos uma vez por mês para Belo Horizonte. Até o início do ano, fazia o trajeto de avião - desde que a passagem saísse por menos de R$ 200,00 o que tem sido cada vez mais difícil. "Nas últimas vezes que meu namorado veio para cá, veio de ônibus. Na semana passada, ele encontrou uma passagem de ida e volta de avião por mais de R$ 900,00. Optamos pelo ônibus."
Para as viagens de férias, a pesquisa do Ministério do Turismo mostra ainda outra tendência que beneficia o transporte rodoviário: a preferência pelos destinos domésticos. Também na esteira do dólar alto, as rotas internacionais têm sido deixadas de lado. Em setembro, 77,6% dos entrevistados para o estudo responderam que pretendem fazer viagens pelo Brasil, contra 76,4% calculados em setembro de 2014. Viagens para o exterior eram preferência de 18,7%, contra 20,4% no mesmo mês do ano passado.
José Francisco Salles Lopes, diretor de Departamento de Estudos e Pesquisas do Ministério do Turismo, acrescenta que as rotas mais próximas ganham espaço, quando o consumidor tem menos dinheiro para gastar. "Se a pessoa está pretendendo sair de Juiz de Fora e passar uma temporada no Rio de Janeiro, o ônibus é a opção natural", avalia.
O aumento da preferência pelos ônibus, no entanto, não impediu o setor de amargar um mau momento. Segundo dados da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), o número de passageiros pagantes em ônibus interestaduais recuou 5,16%, para 23 milhões de pessoas. As empresas confirmam a fase ruim. Segundo Carolina Esteves, gerente de marketing da Util, a tendência é de que a alta do diesel afete a margem de lucro, já que o mercado é regulado, e não é possível reajustar preços até julho. A migração do meio aéreo para o rodoviário, no entanto, traz esperança ao setor.
"Existe uma estimativa de aumento da demanda por uma migração dos passageiros do aéreo, que nos próximos meses, possivelmente, passarão a usar as empresas rodoviárias", conta Carolina. "Esse cenário é muito recente e ainda não estamos sentindo um impacto significativo, mas esperamos aumento de 10% nos próximos meses", afirma a executiva.
Nos terminais de São Paulo, a crise também foi sentida. Segundo a Socicam, empresa que administra as rodoviárias da cidade, o movimento nos três terminais paulistas (Tietê, Barra Funda e Jabaquara) recuou 1,1% entre janeiro e setembro, na comparação com o mesmo período do ano passado, ficando em 13,3 milhões de passageiros. Para os feriados de Natal e Ano Novo, a expectativa é de estabilidade.
Em nota, a Viação 1001 admitiu o momento ruim para o setor, mas destacou que busca competir com outros meios de transporte. "O transporte rodoviário de passageiros também foi afetado pela crise, com retração da demanda e aumento dos custos." Para Cesário Martins, sócio da ClickBus, plataforma de vendas de passagens rodoviárias on-line, o cenário é parecido com o que o setor viveu em 2013, com a alta do dólar - na época, em outro patamar.
A empresa é parceira de 60 companhias de ônibus e tem 1 milhão de usuários frequentes. "Em 2013, quando o dólar subiu para R$ 2,28, valor alto para a época, a gente viu esse movimento. Para o feriado de 12 de outubro, tivemos alta de 10% nas vendas em relação ao último feriado prolongado, de 7 de setembro. Para o fim deste ano, a expectativa é de uma alta de 150% em relação ao ano passado", diz Martins.
 

OMS destaca legislação de trânsito Brasil entre maiores países

Dos países mais populosos do mundo, nenhum cumpre todos os critérios sugeridos pela Organização Mundial de Saúde (OMS) de melhores práticas, segundo o relatório Situação Global sobre Segurança Rodoviária 2015, divulgado na semana passada. Entre os 10 países, o Brasil é o único que, na avaliação da OMS, tem boas leis sobre quatro dos fatores, mas precisa melhorar a legislação sobre velocidade. Segundo a agência da ONU, apenas 47 países do mundo têm boas leis obrigando que o limite de velocidade seja de 50km/h.
Em 2013, o Brasil registrou mais de 41 mil mortes por acidentes de trânsito, mas a OMS calcula que o número de vítimas possa ser maior, cerca de 46 mil. A cada 100 mil habitantes, o índice de mortes nas estradas brasileiras é 23,4.
Segundo o relatório divulgado pela OMS, cerca de 1,25 milhão de pessoas morrem em todo o mundo em acidentes de trânsito. Entre as vítimas, 23% são motociclistas, 22% são pedestres e 4% são ciclistas. A África é a região do mundo com o maior volume de acidentes e a Europa apresenta os índices mais baixos. Nos últimos três anos, o número de mortes caiu em 79 países, mas aumentou em 68 outros.
No mundo, o número de veículos em circulação aumenta, mas o total de mortes nas estradas parece estabilizar. As nações que tiveram mais sucesso em reduzir as mortes no trânsito foram aquelas que melhoraram sua legislação e tornaram suas estradas e veículos mais seguros. Para a diretora da OMS, Margaret Chan, o mundo segue na direção certa, mas o ritmo da mudança ainda é devagar. O relatório traz uma análise das leis nos 10 países mais populosos do mundo, incluindo China, Índia, Estados Unidos, Indonésia e Brasil.
Ao lançar o relatório, a OMS pede aos governos que repensem suas políticas de transporte público e garantam que ciclistas e pedestres tenham segurança ao circular. O documento é o terceiro de uma série sobre a Década de Ação para Segurança nas Estradas (2011-2020) e é divulgado em linha com os novos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, que inclui metas sobre segurança rodoviária. A segunda Conferência Global de Alto Nível sobre Segurança Rodoviária ocorre em Brasília nos dias 18 e 19 de novembro.