Pedaladas exigem revisão da meta fiscal

Rombo nas contas do governo pode ultrapassar os R$ 70 bilhões este ano

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TCU sinalizou, no final da semana passada, que será necessário quitar todos os valores de uma única vez
A equipe econômica estuda formas de limpar os efeitos das pedaladas fiscais das contas públicas por meio da revisão da meta fiscal de 2015 e admitindo um déficit, ou seja, o resultado negativo. Com a possibilidade de o Tribunal de Contas da União (TCU) determinar a quitação de todos os valores de uma única vez, o rombo nas contas em 2015 deve fechar perto de R$ 76 bilhões, segundo informou o ministro-chefe da Casa Civil, Jaques Wagner. O montante considera todas as frustrações de receitas e o reconhecimento integral dessas dívidas com os bancos - incluindo a regularização com Bndes, Banco do Brasil e Caixa. É mais que o dobro do déficit do ano passado, que foi de R$ 32,5 bilhões.
A Junta Orçamentária avalia cenários que variam dependendo da forma como as pedaladas fiscais serão incluídas nas contas. Os acontecimentos dos últimos indicam que o pior cenário deverá se concretizar.  O total poderá ser um pouco menor caso a União consiga realizar o leilão das usinas hidrelétricas previsto para o início de novembro e arrecadar os R$ 11 bilhões esperados com essas operações. "Nós vamos estabelecer o que é frustração de receita e esperar algumas coisas que podem se confirmar", afirmou Wagner. Ele lamentou o quadro atual: "Infelizmente temos de trabalhar assim, temos de esperar".
Além das pedaladas, o resultado primário deste ano ficará negativo por causa da frustração nas receitas, em especial as extraordinárias, previstas na previsão das contas públicas. De acordo com técnicos do governo, a frustração já chega a R$ 50 bilhões. Significa que somente a queda da arrecadação já faria com que o resultado deste ano deixasse de ser um superávit de R$ 8,7 bilhões (ou 0,15% do PIB) - que é a última versão da meta com a qual o governo se comprometeu para 2015 - para se transformar em um déficit de R$ 41,3 bilhões.
Somando a esse valor o estoque das pedaladas ainda pendente, que está em R$ 35 bilhões, o resultado negativo subiria para R$ 76,3 bilhões. Segundo especialistas da área econômica, o governo gostaria de zerar a conta das pedaladas, condenadas pelo TCU. A prática consistiu em atrasar repasses de recursos do Tesouro Nacional para bancos públicos, com o objetivo de melhorar artificialmente os resultados fiscais de 2013 e 2014. De acordo com o o TCU, isso gerou um passivo de R$ 40 bilhões que precisa ser acertado pelo governo.
No entanto, como a regularização imediata elevaria muito o déficit público, há estudos dentro do governo considerando que o melhor caminho seria fazer o pagamento gradual, em um cronograma mais dilatado. Assim, o déficit não ficaria tão elevado em 2015, e a equipe econômica conseguiria melhorar o caminho para a realização de um superávit primário (economia para pagamento de juros da dívida) em 2016. Esse é o foco dos técnicos. A meta do ano que vem prevê um superávit de 0,7% do PIB.
Técnicos lembram que um dos principais motivos que levaram a agência de classificação de risco Standard & Poors (S&P) a rebaixar o Brasil e retirar o grau de investimento do País foi justamente a perspectiva de três anos consecutivos de déficit nas contas públicas. "Por isso, é crucial que o governo faça algum superávit em 2016", alegou um interlocutor da equipe econômica, ao lembrar, no entanto, que o cenário do ano que vem ainda não está fácil. Portanto, não está descartada a possibilidade de o governo também propor uma alteração na meta de 2016, prevendo alguma cláusula de abatimento da meta em caso de frustração de receitas.
O relator do Orçamento de 2015, senador Romero Jucá (PMDB-RR), defende uma meta verdadeira e com todas as pedaladas fiscais incluídas. Para ele, o governo precisa mostrar a situação fiscal do País e encerrar este ano a fase do déficit e das pedaladas. "Esse ano de 2015 terá déficit. Digo isso há muito tempo. E defendo que a meta coloque todas as pedaladas, sem maquiagem. Fazemos isso e trabalhamos por um déficit zero em 2016. Na minha avaliação, o déficit, com todas as pedaladas, será entre R$ 60 bilhões a
R$ 80 bilhões. O governo tem que acabar com a fase do déficit e mostrar a realidade fiscal", diz.
O senador se manifesta contra o parcelamento do pagamento dos recursos que foram antecipados pelos bancos. "Não se faz pagamento parcelado de pedalada", defende Jucá. O relator do Orçamento da União de 2016, deputado Ricardo Barros (PP-PR), diz esperar a definição da meta de 2015 até para fazer contas sobre ajustes na proposta do ano que vem.
O governo está prestes a apresentar a terceira mudança na meta para as contas públicas para 2015. Este será o segundo ano consecutivo que o Brasil fechará as contas no vermelho, uma vez que em 2014 o setor público registrou déficit primário (sem levar em conta os gastos com juros) de R$ 32,5 bilhões, o primeiro em mais de 10 anos.
O TCU cobra um acerto de mais R$ 40 bilhões de dívidas atrasadas. Além disso, a equipe econômica calcula em mais R$ 57 bilhões o déficit das contas do governo federal. Ou seja, as duas contas indicavam um rombo perto de R$ 100 bilhões. Mas a Casa Civil afirma que o valor será menor porque haverá abatimentos da meta. Esses descontos não foram detalhados pelo ministro.

Recuperação de débitos e repatriação de recursos estão entre as alternativas

Quanto maior o acerto das pedaladas, maior terá que ser o déficit previsto para 2015. Não se trata mais de prever um superávit primário, como o governo vendeu que faria para este ano, mas o tamanho do rombo. O TCU cobra uma correção de R$ 40 bilhões. A meta atual das contas do setor público, que nem chegou a ser aprovada, prevê superávit de 0,15% do PIB (R$ 8,7 bilhões), mas com a possibilidade de déficit primário de até R$ 17,7 bilhões (incluindo estados e municípios) e de R$ 20,6 bilhões no resultado do governo federal por conta de uma cláusula de abatimento de R$ 26,4 bilhões. Essa possibilidade poderá ser acionada se houver uma frustração de um grupo de receitas extraordinárias nesse valor. Entre elas estão o programa de recuperação de débitos em atraso, a repatriação de recursos não declarados no exterior e concessões. Todas não devem se concretizar esse ano.
Há dúvidas, inclusive, sobre a arrecadação prevista de R$ 11 bilhões para este ano com as outorgas de concessão de hidrelétricas previstas para serem leiloadas em novembro - uma esperança final do governo para aumentar o dinheiro no caixa até o final do ano.
A expectativa do governo é de que os Estados e municípios registrem superávit primário este ano. Fontes informaram que o governo pode fixar uma meta em torno de um déficit primário de R$ 40 bilhões usando uma margem maior de abatimento dasdespesas também dos investimentos incluídos no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
Divisão
Mas há uma divisão no governo sobre a forma de pagamento de passivos. O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, já sinalizou que prefere uma "modulação" no acerto das pedaladas. Já o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, defende internamente que se resolva logo a situação para entrar em 2016 com o passivo zerado das pedaladas.
O secretário-executivo do Planejamento, Dyogo Oliveira, já visitou o relator das pedaladas no TCU, ministro Vital do Rêgo, mas ainda não apresentou formalmente nada à Corte sobre qual será a posição do governo no processo. Até mesmo no tribunal há a percepção de que ainda não há uma posição de governo, mesmo às vésperas do julgamento.
Com o resultado de 2015 já perdido, o acerto de todas as pedaladas serviria, na prática, para um novo recomeço. A ideia do Planalto, seguindo a sugestão do ministro Barbosa, é limpar o passivo de 2015, para entrar 2016 com o balanço limpo. Mas a decisão não está tomada e dependerá do que a presidente Dilma vai arbitrar. Para 2016, a intenção é manter a previsão de uma meta de 0,7% do PIB, contando com a CPMF. Mas se estuda também uma flexibilidade, como maior possibilidade de abatimento para acomodar choques.
A mudança da meta terá que ser aprovada pelo Congresso. O senador Romero Jucá (PMDB-RO), defendeu que o governo inclua na revisão da meta fiscal de 2015 todo o passivo existente. "Temos que ter realidade, mas é muito importante que as pedaladas remanescentes e qualquer tipo de maquiagem ou ação que seja de esconder a realidade das contas públicas possa ser redefinido, clarificado transparentemente e daí a gente parta para um novo momento das contas públicas brasileiras buscando o equilíbrio", afirmou.

Aumento de impostos faz parte do 'Plano B'

Diante da dificuldade que deve enfrentar para aprovar a CPMF no Congresso, o governo federal já prepara uma alternativa que seja capaz de fazer frente à receita prevista com o imposto, de R$ 32 bilhões. O plano B é formado por um pacote composto pelo aumento da Cide (imposto sobre combustíveis), repatriação de dinheiro não declarado no exterior, desvinculação de receitas da União (DRU), taxação com a legalização dos jogos e uma nova etapa do programa de parcelamento de dívidas com a União (Refis). Na avaliação da União, o clima no Congresso não irá melhorar a ponto de se aprovar uma medida polêmica, como a criação de um novo imposto.
Oficialmente, o Palácio do Planalto vai manter a discussão em torno da CPMF e as articulações para viabilizar a medida continuam. A presidente Dilma Rousseff recebeu apoio de duas entidades de prefeitos ao projeto: a Confederação Nacional dos Municípios (CNM) e a Frente Nacional de Prefeitos.
A proposta que está em negociação entre o Planalto e os prefeitos é de elevar a alíquota de 0,20%, sugerida inicialmente pelo governo, para 0,38%. Assim, o imposto, que inicialmente seria todo usado pela União para pagar o déficit da Previdência, passaria a ser dividido com estados e municípios. Os demais entes da federação usariam a sua parcela dos recursos na saúde e em outras áreas sociais. "Defender imposto é sempre constrangedor, principalmente na situação que vivemos, mas não temos alternativas. Precisamos nos unir porque o Estado está precisando desse imposto, as prefeituras precisam desse imposto", disse Luiz Lázaro Sorvos, vice-presidente da Confederação Nacional de Municípios, após se reunir com Dilma e com os ministros Ricardo Berzoini (Secretaria de Governo) e Jaques Wagner (Casa Civil).
Berzoini saiu da reunião dizendo que com a ajuda dos prefeitos seria possível vencer as resistências à aprovação da CPMF no Congresso. "A CPMF é um imposto que interessa diretamente à União, aos estados e aos municípios para financiar o conjunto de programas sociais que os três entes federativos desenvolvem em benefício da população. Creio que a vinculação de prefeitos, governadores, União e os parlamentares de todos os partidos pode viabilizar uma votação", alegou Berzoini.