Chega a era do empreendedorismo de impacto

Pesquisa do Instituto Inspirare retrata negócios inovadores na área educacional no País

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Para Ana Flávia, perfil, motivação, informações e apoios interferem na trajetória empreendedora
Está em curso no Brasil um movimento em que novos atores têm se aliado aos agentes tradicionais de Educação na busca de respostas para inovar na solução dos complexos desafios apresentados para educar crianças, jovens e adultos. No centro dessa transformação, estão empreendedores de impacto interessados em garantir que cada estudante do País desenvolva as capacidades que precisa para realizar o próprio projeto de vida.
São profissionais de diversas áreas, dispostos a criar empresas capazes de aliar sustentabilidade financeira e a promoção de avanços de aprendizagem dos alunos. É sobre essas pessoas - desafios, dilemas e oportunidades envolvidos nessa jornada - que trata a pesquisa qualitativa "Empreendedores de Impacto: as dores e as delícias de inovar em educação", coordenada pelo Instituto Inspirare e produzida pelas empresas Alas e Mariposa.
Como contribuir para que esses empreendedores sejam mais bem-sucedidos e consigam oferecer soluções de qualidade que ampliem a equidade, qualidade e contemporaneidade da educação brasileira? Essa foi a questão que motivou o Inspirare a promover o estudo. A partir da investigação, o levantamento pontuou dilemas, alegrias e anseios de 50 empreendedores de sete capitais. Com base nessas trajetórias - e as etapas da Jornada do Empreendedor -, o estudo busca oferecer informações para os demais atores do ecossistema, incluindo investidores e aceleradoras.
Umas das conclusões é que a visão do ecossistema de negócios de impacto ainda é turva. Os empreendedores têm dificuldades em identificar quem são os atores e quais papéis cada um deles exerce. Um dos entrevistados revela que, quando iniciou, não tinha a mínima ideia deste ecossistema e do quão complexo e difícil ele é. O resultado da pesquisa serviu de ponto de partida para a construção da plataforma "Apreender, empreender na aprendizagem" (www.apreender.org.br), que reúne um conjunto expressivo de referências e recursos capazes de apoiar os empreendedores em cada etapa. "O intuito do material é reunir, em um mesmo ambiente, um conjunto expressivo de referências e recursos capazes de apoiar os empreendedores na sua caminhada", destaca afirma Anna Penido, diretora executiva do Instituto Inspirare, ao revelar que a meta é que a plataforma seja apropriada e expandida por aqueles que querem gerar soluções inovadoras e transformadoras para a educação.
Segundo Ana Flávia Castro, gestora do Projeto Iniciativas Empreendedoras do Instituto Inspirare, dependendo do perfil, motivação, informações e apoios que o empreendedor acessa, a trajetória pode ser mais ou menos árdua. "As 50 entrevistas mostram que o empreendedor pode tropeçar menos e avançar mais à medida que reconhece o próprio perfil; compreende as potencialidades e riscos; e acessa informações e ferramentas que orientam a jornada e fortalecem o negócio. Conhecer o que está por trás da jornada empreendedora, todas as etapas envolvidas, por si só também pode orientá-lo melhor", avalia.
Para cada etapa da jornada de empreender em educação, uma avaliação apurou determinados padrões de comportamento e atitudes que acendem luzes negativas ou positivas sobre a trajetória, com o objetivo de ajudar a perceber o que mudar e em que momento. A partir da faísca inicial que motiva a abertura do negócio, foram apontadas diferentes jornadas: mais educação; mais startup; mais serviço; e mais ocasião.
Ana Flávia afirma que a boa notícia é que existe um ecossistema em formação, com diversos atores que podem se conectar melhor. "Há uma evidente intenção de melhorar a qualidade da educação brasileira pela motivação que levou a maioria dos entrevistados a empreender: seja um propósito de vida, seja pela paixão pela educação, pela oportunidade de melhorar algo que não funciona bem, ou de beneficiar mais pessoas. A busca pelo impacto é o que dá sabor e sentido, e garante a resiliência desses empreendedores. O desafio é transformar a intenção em algo efetivo."
O estudo Empreendedores de Impacto - as dores e as delícias de inovar em Educação foi conduzido pelas empresas Alas e Mariposa, dirigidas por Lívia Hollerbach e Mariana Fonseca, respectivamente, em sete capitais: São Paulo, Rio de Janeiro, Florianópolis, Maceió, Porto Alegre, Recife e Belo Horizonte. Na fase de planejamento, a amostra investigada foi definida em parceria com especialistas do universo de negócios em educação.

O que diz a pesquisa

Perfil dos empreendedores
- Homens e mulheres; jovens e mais maduros; pessoas com muito ou quase nenhum recurso financeiro; bons e maus alunos; apaixonados pelo setor da educação e não apaixonados; homens de negócio com uma visão clara; professores dedicados; hackers do sistema; e prodígios inquietos em busca de sentido para a vida. A diversidade de perfis de empreendedores mostra o quanto o mercado de startups de impacto - especialmente em educação - ainda não tem uma cara, uma persona que faça mais sentido ou que esteja apta a viver os desafios dessa jornada.
- Mesmo tendo perfis distintos, os empreendedores têm em comum o fato de serem desbravadores de um ecossistema novo; entram de cabeça nessa jornada e sofrem as dores e as delícias de serem pioneiros. A pesquisa identificou perfis mais "conceituais", subdivididos em "o desbravador" (cara de pau e resiliente) e "o carente" (colo, informação, desapego, dinheiro e autoconhecimento).
Estágio do ecossistema
- A pesquisa mostra que o ecossistema de impacto em educação está emergindo, portanto - em uma visão macro - encontra-se em desenvolvimento. Não está claro o entendimento da Jornada do Empreendedor e dos diversos atores envolvidos. Temos, sobretudo no Sudeste, empreendedores buscando uma articulação e integração entre diversos personagens do ecossistema. Mas, quando ampliamos a visão e olhamos para fora de São Paulo, vemos que há muito por fazer.
Por que Educação?
- Há alguns gatilhos que movem os profissionais em direção aos negócios com impacto em educação. Analisando o contexto inicial e as histórias que alimentam o desejo por empreender, pode-se dizer que há seis diferentes portas de entrada, chamadas de gatilhos pelo estudo. São eles: busca por sentido (busca dos insatisfeitos com a rotina de trabalho, o foco da carreira e as perdas pessoais derivadas da opção e carreira); educação (paixão pela educação, pessoas que têm claro o impacto que gostariam de gerar no setor; projetos com visão pessoal); e startup (empreendedor; visão clara do negócio desde o primeiro dia; empreendedores que começam com o desejo de adentrar o mundo das startups).
- Há empreendedores que relatam ainda que foram fisgados pela oportunidade (especialistas em ferramentas tecnológicas que adentram pela demanda de algum cliente novo ou a partir de projeto já iniciado); por desenvolver um serviço, sob demanda (têm uma visão para a resolução de problemas; muitos já sentiram na pele ou presenciaram o abismo existente entre a escola e o mundo contemporâneo); ou por ocasião (educadores, gestores ou profissionais com experiência em educação que trazem conhecimento cotidiano da sala de aula; são os primeiros a descobrir e criar soluções com base nessa bagagem). É claro que os desejos internos também fazem parte desse contexto, mas não foram a centelha inicial.
- Ao contrário da crença que "professores são resistentes à inovação, a pesquisa identifica empreendedores que contaram com a adesão do educador na solução apresentada pelo negócio".
Relacionamento com aceleradoras
- O estudo aponta que há um desalinhamento de expectativas, que pode causar frustração nos empreendedores. Sem saber bem o que esperar dos processos - principalmente de aceleração e relacionamento com institutos e fundos - muitos criam expectativas de encontrar soluções que não cabem àquele determinado ator; ou que não são valores de determinada organização. A expectativa de muitos empreendedores é de que as aceleradoras vão ajudá-lo a encontrar um negócio para a sua ideia.
Percepção sobre o papel dos financiadores
- Os empreendedores acreditam que o papel de patrocinadores ou financiadores é investir em protótipos. Na prática, os empreendedores se aproximam de fundações e institutos por acreditarem que as próprias ideias são ricas para a educação - mas, são ideias/projeto não, necessariamente, negócios ou poderiam ter um modelo de negócio.
- Com essa percepção, correm o risco de se tornarem prestadores de serviços - não negócios. O dinheiro que entra em caixa acaba adiando a mudança para o status de consultoria ou startup; adia, inclusive, a criação de um produto mínimo viável. Há uma expectativa de boa parte dos empreendedores de que os institutos ou fundações façam a ponte entre diferentes stakeholders, inclusive com o governo, outros empreendedores e especialistas em educação de impacto.
- Como existem poucas organizações, de fato, olhando para negócios em educação e para inovação em educação, esses atores são uma luz no fim do túnel para os que estão buscando melhorar seus serviços e produtos. Eles têm a reputação de prezar pela educação e menos por retorno financeiro. Suprem, muitas vezes, o papel de mentores especializados em educação que, segundo os empreendedores, são algo extremamente raro de encontrar.
Possibilidades de financiamentos
- A pesquisa mostra que a iniciativa privada tem se aproximado de algumas startups, visando a agregar mais valor às marcas. Para tanto, patrocinam protótipos e lançamentos de produtos. Essas empresas podem ajudar como um canal de distribuição para empresas (B2B), sendo intermediárias entre o negócio e o cliente final. Essas empresas também se tornam um cliente inicial (early adopter) que arca com o desenvolvimento de uma solução para depois absorvê-la e comercializá-la no mercado após validação desse cliente beta.
- Muitos programas do governo - sejam de fomento à pesquisa, sejam de cultura ou educação - podem ser aliados de empreendedores ou nas fases iniciais do negócio. O subsídio do governo foi uma solução encontrada por muitos empreendedores oriundos do universo da educação, da cultura e das ONGs. Isso ocorre, sobretudo, em cidades com menos acesso a investimento-anjo e um ecossistema de startups/negócios de impacto.
Processo de vendas
- Os empreendedores, mesmo os com experiência no universo de negócios e vendas, dão ênfase ao fato de que é sempre necessário vender o produto/serviço para três interlocutores. O primeiro é aquele que vai pagar a conta: pais, diretores ou governo. O segundo é quem de fato vai aplicar ou administrar as soluções: principalmente professores (em alguns casos diretores e pais). Por último, mas ainda muito importante, são os próprios alunos, usuários finais da maior parte dos produtos/serviços.
- A pesquisa mostra que vender para uma secretaria ou um diretor, por exemplo, sem o apoio e a proposta de valor clara para os professores, pode resultar em perda de tempo e muitas frustrações com os resultados. Muitos incluem esse serviço de formação ou instrução do professor como parte do pacote de venda. Alguns empreendedores chegam a dizer que os professores se sentem valorizados ou têm sua atuação reconhecida por conta dos produtos.