No fim de tarde, em muitas cidades, a cena se repete: a praça está bonita, com piso novo, grama verde e bancos alinhados. Mas falta o principal, aquilo que não aparece na placa de inauguração: gente. Durante décadas, a praça foi o coração da cidade. Lugar do chimarrão, da conversa de domingo e da política no banco de pedra. Lembro das brincadeiras da infância em Montenegro, na praça em frente à casa do meu bisavô.
Quando alguém queria “ver o movimento”, ia para a praça. Hoje, boa parte desse movimento migrou para a tela do celular. Redes sociais ocupam o tempo que antes era da calçada, dos brinquedos e do banco de madeira. A vida foi empurrada para um “espaço público” digital, com poucas árvores e menos crianças, mas muitos comentários e curtidas. Nada disso substitui o que a praça tem de mais valioso: o encontro cara a cara. Outra parte da explicação está no medo.
Em algumas cidades, a praça foi perdendo manutenção e ganhando fama: “ali é perigoso”. Forma-se um círculo vicioso: a iluminação falha, o mato cresce, as famílias se afastam, a sensação de insegurança aumenta e, quanto mais medo, menos gente. Do ponto de vista da administração, a praça costuma entrar numa conta difícil: gera despesa com limpeza, jardinagem, iluminação, vigilância, e não aparece em ranking de desempenho.
Uma praça viva precisa de três camadas básicas: espaço físico adequado, gestão eficiente e vida lá dentro. Quando isso acontece, o comércio do entorno ganha fluxo, crianças e adolescentes têm alternativa ao “só ficar no celular”, idosos encontram um espaço de convívio que afasta a solidão. Na semana passada, trabalhei alguns dias na prefeitura de Anta Gorda, cidade com pouco mais de 5 mil habitantes. Ao meio-dia, saí para almoçar em frente à praça central e encontrei um espaço lindo, limpo, arborizado e organizado, com brinquedos para as crianças e uma decoração natalina impecável, mas quase sem pessoas. Era horário de correria, poucos podiam usufruir daquele lugar.
À tardinha, veio a surpresa e o alívio: praça cheia, pais brincando com seus filhos, chimarrão na mão, gente aproveitando o fim de tarde e usufruindo do bem público. Parei por alguns minutos apenas para observar e ver a vida passar. As pessoas também têm um papel central: usar, ocupar e cuidar. Talvez devêssemos incluir, nos relatórios de gestão municipal, uma pergunta simples: como está a praça da cidade às seis da tarde? Se estiver vazia, algo não vai bem.
O silêncio das praças vazias fala. Diz sobre nossos medos, nossas prioridades e o tipo de cidade que estamos construindo. O desafio dos próximos anos talvez não seja inaugurar praças novas, mas reaprender a encher de vida as que já existem. Uma cidade que volta a se encontrar na praça é uma cidade que volta a conversar consigo mesma.