Três cooperativas de trabalhadores do setor de reciclagem nos municípios de Rio Pardo, Santa Cruz do Sul e Rio Grande integram um projeto piloto do Sebrae-RS que visa a qualificar a gestão e fortalecer a operação dessas iniciativas. É a Rota da Reciclagem, que teve sua primeira fase concluída em dezembro, com a Cooperativa Navegantes, de Rio Grande; a Cooperativa de Catadores e Recicladores (Coomcat), de Santa Cruz do Sul; e a Cooperativa de Trabalho de Catadores de Materiais Recicláveis (Cocamarp), de Rio Pardo.
O projeto integra a metodologia do programa nacional Pró-Catadores, já aplicado em outros estados. Segundo Fernanda Dall’Agnol, gerente de Políticas Públicas do Sebrae RS, a opção inicial estes três municípios levou em conta dois fatores: o impacto direto das enchentes e a ausência de outros projetos de fortalecimento organizacional dessas cooperativas. “Mapeamos municípios em calamidade e onde não havia apoio de iniciativas como as da Petrobras ou da Braskem. O objetivo é impulsionar grupos que já desempenham um papel relevante, mas ainda carecem de estrutura e gestão aprimorada”, afirma.
Cada cooperativa passou por um diagnóstico detalhado que avaliou seis eixos: legalização, infraestrutura, coleta seletiva, gestão administrativa, produção e segurança, além de relacionamento e parcerias. As análises revelaram diferentes níveis de maturidade. Santa Cruz do Sul apresentou o perfil mais estruturado; Rio Grande, por outro lado, está em fase inicial de organização. A partir dos diagnósticos, foram construídos planos de trabalho específicos, validados pelos cooperados em assembleias. “Todas as decisões passam pelo coletivo. Há transparência e participação ativa, o que demonstra organização e engajamento interno”, explica Fernanda.
O Sebrae iniciará em 2026 a aplicação das consultorias técnicas, com previsão de conclusão até a metade do ano. A expectativa é que o processo resulte em aumento de faturamento, maior capacidade de triagem e ampliação da relação das cooperativas com a cadeia da reciclagem. “Sem gestão qualificada, muitas vezes um caminhão doado por edital se torna inviável, porque não há orçamento para combustível, manutenção ou contratação de motorista. Queremos que as cooperativas tenham condições de acessar recursos e administrá-los de forma sustentável”, completa a gestora.
Entre as participantes do piloto está a Cocamarp, de Rio Pardo, liderada por Nildete da Silva Pereira Santos. Criada em 2000 como associação e convertida em cooperativa em 2010, a organização reúne 48 associados, embora 16, dos quais 12 são mulheres, atuem diretamente nas operações. O grupo realiza coleta seletiva em cinco bairros e movimenta cerca de 30 toneladas de resíduos por mês, vendidos principalmente para Santa Cruz do Sul. “Nossa maior dificuldade sempre foi a área administrativa. Temos documentação, mas não sabemos lidar com processos de escritório e gestão. O Sebrae chega justamente para nos ajudar onde mais precisamos”, explica Nildete.
Com apoio da prefeitura, que repassa R$ 13,5 mil mensais para custeio básico, o faturamento obtido com a venda dos materiais é distribuído aos cooperados. Cada trabalhador retira em média R$ 1.300 a R$ 1.350 por mês. O grupo é formado majoritariamente por mulheres, muitas delas mães solo, para quem a cooperativa representa a principal fonte de renda. “Se não fosse a cooperativa, muitas de nós não teriam como sobreviver. É aqui que tiramos o sustento e onde encontramos acolhimento”, relata Nildete.
Segundo ela, o trabalho também transformou a relação da comunidade com os resíduos. Antes da criação da cooperativa, havia um lixão na cidade e parte das mulheres tinha vergonha de trabalhar no local. A coleta organizada, as visitas aos bairros e o diálogo constante com os moradores ajudaram a consolidar uma cultura de separação e reaproveitamento.
As três cooperativas participarão ainda de ações de formação, como a visita técnica à Cooperativa Dois Irmãos, principal referência do RS no setor de reciclagem, e a ida à Expo Catadores, em São Paulo. O projeto envolve ainda parceiros locais, como a Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisco) e Sicredi, que já contribuíram com equipamentos e suporte às equipes.
A continuidade da Rota da Reciclagem dependerá dos resultados do piloto. Se houver avanço nos indicadores de maturidade, gestão e geração de renda, o Sebrae RS avalia ampliar o programa para outras cooperativas do interior. “Trata-se de fortalecer a base da economia circular e gerar impacto socioambiental em regiões vulneráveis. As enchentes mostraram a urgência de iniciativas que aumentem resiliência e inclusão produtiva, e as cooperativas têm um papel fundamental nesse processo”, conclui Fernanda.