Porto Alegre,

Publicada em 25 de Novembro de 2025 às 16:00

Memorial a Geisel na UCS em Bento Gonçalves é alvo do MPF

No dia 20 deste mês, exposição foi inaugurada na Biblioteca Setorial do campus da universidade e gerou polêmica na cidade

No dia 20 deste mês, exposição foi inaugurada na Biblioteca Setorial do campus da universidade e gerou polêmica na cidade

UCS/Divulgação/Cidades
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Lívia Araújo
Lívia Araújo Repórter
Uma eventual manutenção do memorial em homenagem ao ex-presidente e general Ernesto Geisel (1907-1996) na biblioteca do campus de Bento Gonçalves da Universidade de Caxias do Sul (UCS), pode resultar em ação civil pública por dano moral coletivo e contraria princípios da Constituição Federal. A afirmação é do Ministério Público Federal (MPF), que recomendou, na última sexta-feira (21) a imediata desativação do espaço inaugurado no dia 20 de novembro.
Uma eventual manutenção do memorial em homenagem ao ex-presidente e general Ernesto Geisel (1907-1996) na biblioteca do campus de Bento Gonçalves da Universidade de Caxias do Sul (UCS), pode resultar em ação civil pública por dano moral coletivo e contraria princípios da Constituição Federal. A afirmação é do Ministério Público Federal (MPF), que recomendou, na última sexta-feira (21) a imediata desativação do espaço inaugurado no dia 20 de novembro.
A instituição recebeu um prazo de cinco dias a partir da recomendação para informar ao MPF quais medidas adotará. Na prática, tem até esta quarta-feira (26) para fazê-lo.
Coordenada pela historiadora e produtora cultural Ângela Marini, a exposição apresenta painéis, fotografias, documentos e objetos pessoais relacionados ao governo Geisel, com destaque a programas como Pró-Álcool, Desenvolvimento dos Cerrados e o Programa Nuclear. O convite divulgado pela Prefeitura de Bento Gonçalves reforça um caráter celebratório, descrevendo o espaço como “Memorial Presidente Ernesto Geisel” e mencionando curiosidades sobre a trajetória do militar, natural do município e nascido em 1907.
Para o MPF, porém, a homenagem viola o dever do Estado brasileiro de não causar novos sofrimentos às vítimas de violações de direitos humanos ocorridas no período da ditadura militar, entre os anos de 1964 e 1985, abarcando o período em que Geisel foi presidente (1974-1979). O procurador da República Enrico Rodrigues de Freitas, que assinou o documento em conjunto com o procurador Fabiano de Moraes, afirma que a recomendação enviada à UCS segue o entendimento consolidado pela Comissão Nacional da Verdade (CNV) e por decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre atos que promovam exaltação da ditadura militar.
“A universidade criar uma homenagem agora, em pleno período democrático, vai na contramão de tudo que já foi afirmado pelo Ministério Público e pela CNV. Trata-se de uma exaltação a um ditador responsável por tortura e morte. É violação do Estado Democrático de Direito”, afirmou Freitas.
Segundo o procurador, caso a UCS mantenha o memorial, o MPF poderá ajuizar ação civil pública para retirada compulsória da homenagem e para reparação por dano moral coletivo. Eventuais medidas decorrentes de uma ação poderiam incluir um pedido público de desculpas, realização de ações de memória e iniciativas de reparação simbólica. “É um ato gravíssimo. A homenagem viola princípios constitucionais, como a dignidade humana e a vedação a tratamentos degradantes”, completou.
A recomendação também orienta que a universidade se abstenha de reinaugurar o memorial ou criar novas homenagens a agentes estatais envolvidos em violações de direitos humanos. A UCS informou, por meio de sua assessoria de comunicação, que a instituição “acompanha internamente a questão” e ainda não divulgou posicionamento oficial.
O MPF cita episódios documentados no relatório da CNV que responsabilizam o governo Geisel pela continuidade da repressão política. Somente em 1974, foram registrados 54 desaparecimentos forçados, o maior número anual de todo o regime.
Freitas destaca que outras universidades já revisaram homenagens semelhantes após recomendações do MPF e criaram Comissões da Verdade Universitárias. Ele afirma esperar que a UCS adote postura semelhante. “Eu acredito que um centro de conhecimento revê isso de imediato. Manter esse memorial é injustificável”, disse.
A iniciativa também provocou reação de entidades estudantis. Em nota de repúdio, o Diretório Central dos Estudantes da FURG e outras organizações classificaram a homenagem como um “ultraje à memória das vítimas” e lembraram que estudos produzidos pela própria UCS documentam violações cometidas durante o período ditatorial. O texto reforça as recomendações da CNV para revogação de homenagens a responsáveis por graves violações de direitos humanos.
Ao comentar o caso em suas redes sociais, o prefeito de Bento Gonçalves, Diogo Segabinazzi Siqueira, defendeu a inauguração, argumentando que “a história não deve ser apagada”. O MPF, entretanto, descarta relação com liberdade de expressão. “Isso não é cercear opinião. Trata-se de impedir que instituições de ensino enalteçam autores de violações graves reconhecidas pela legislação e pelo próprio Estado brasileiro”, afirmou Freitas.

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