Porto Alegre,

Publicada em 05 de Novembro de 2025 às 08:00

Opinião: O garimpo gaúcho, entre a pedra e o pão

Alexandre Wohlgemuth de Souza, Advogado, Especialista em Direito Público, Governo Digital e Licitações e Contratos. Consultor em Administração Pública.

Alexandre Wohlgemuth de Souza, Advogado, Especialista em Direito Público, Governo Digital e Licitações e Contratos. Consultor em Administração Pública.

ARQUIVO PESSOAL/DIVULGAÇÃO/CIDADES
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Alexandre Wohlgemuth de Souza
Alexandre Wohlgemuth de Souza
A cena que abre esta história não tem sirenes nem trancas. Chegamos à cidade de Ametista do Sul já de noite com duas motos enormes, carregadas e com memórias à espera: eu e minha esposa Lisa em uma, os amigos Tairone e Priscila na outra. Perguntamos à proprietária do prédio onde dormiríamos se era seguro deixar tudo na rua. A resposta veio sem rodeios: “Aqui não precisa seguro”.
A cena que abre esta história não tem sirenes nem trancas. Chegamos à cidade de Ametista do Sul já de noite com duas motos enormes, carregadas e com memórias à espera: eu e minha esposa Lisa em uma, os amigos Tairone e Priscila na outra. Perguntamos à proprietária do prédio onde dormiríamos se era seguro deixar tudo na rua. A resposta veio sem rodeios: “Aqui não precisa seguro”.
De manhã, as motos continuavam exatamente onde deixamos, primeiro indício de que Ametista do Sul aprendeu a receber. Descemos ao coração do que faz a cidade pulsar: o Garimpo em Atividade. O anfitrião, Éder, transformou a visita em aula. Ali, a história do garimpo gaúcho deixa de ser capítulo de livro para virar poeira na roupa, vibração e adrenalina.
Foi por volta de 1930 que os colonos começaram a encontrar as primeiras ametistas. No princípio, era curiosidade: pedra servia de peso de porta, adorno de balcão, “pagamento” improvisado em troca de mercadorias. O mercado só nasceu quando chegaram os compradores de fora. Com eles, a “moeda de troca” virou ofício, e esse ofício, destino. Em 1972 o garimpo atingiu seu auge, e já alcançou mais de quatro mil homens trabalhando.
Hoje, a extração segue em galerias subterrâneas, com menos de mil trabalhadores. O método continua bruto, mesmo com tantas normas que protegem os trabalhadores. Para que sentíssemos a dimensão, o Éder perfurou a rocha ali diante de nós e aplicou uma pequena carga explosiva, a famosa “banana de dinamite”. O estrondo conta o que a estatística não alcança: cada cristal traz embutida uma conta alta de esforço humano. O município arrecada a CFEM (Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais), uma espécie de royalties que incide sobre a exploração e ajuda a compensar impactos, além de reforçar a receita local para serviços públicos. Em paralelo, a cidade fez do garimpo uma experiência turística, aproximando visitantes das galerias, museus e restaurantes subterrâneos, tudo muito brilhante e encantador.
Quando a cidade está preparada para o turismo, a mágica acontece. A combinação de acolhimento, segurança e visita guiada transforma curiosos em embaixadores do destino. A beleza das pedras seduz à primeira vista, geodos roxos que parecem céu noturno embutido na rocha. Mas por trás do brilho há os desafios de sempre: segurança do trabalho, formalização de equipes, tecnologia para reduzir riscos, planejamento para recuperar áreas impactadas e qualificação constante para manter o turismo em padrão alto.
A atividade, que nasceu como improviso, hoje pede disciplina e visão de longo prazo para que o subsolo continue a dar pão sem exaurir o futuro. Saímos dali com mais do que fotografias e vídeos. Levamos o respeito por uma economia que ainda sustenta famílias e que aprendeu a conversar com o turismo sem perder sua identidade. O garimpo gaúcho em Ametista do Sul é lição de coragem, organização e pertencimento. A pedra brilha, a história também.

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