Uma das principais curiosidades para quem gosta de filmes dublados é saber quem está por trás da voz de mocinhos e vilões das tramas. O trabalho de retransmitir as emoções originais dos atores para o público brasileiro é antigo, porém, traz um tom de imortalidade para alguns personagens históricos. Pois o gaúcho Luiz Feier Motta, natural de Caxias do Sul, tem um portfólio respeitável de grandes nomes na sua carreira, que dura 43 anos.
Desde 1981, Luiz é a voz de uma série de filmes e animações emblemáticas. Foi James Bond nos filmes do espião 007 e assumiu o lugar de André Filho, renomado dublador do ator Christopher Reeve, o Super Homem, em pouco mais de uma dezena de atrações. O gaúcho também dublou o astro do basquete Michael Jordan, na animação Space Jam, lançado na década de 1990.
No entanto, foi emprestando tons graves aos personagens de Sylvester Stallone que Motta consolidou a carreira como dublador no cenário brasileiro. Ele é a voz oficial do ator estadunidense de 78 anos - que estará no filme Blindado, com lançamento marcado para fevereiro - com mais de 40 filmes. O dublador caxiense também emprestou a voz para artistas como Nicolas Cage, Hugh Jackman e fez trabalhos para séries de streaming, animações e até games.
Nesta entrevista ao Jornal Cidades, Luiz Feier Motta relembra trechos marcantes da carreira de dublador - que começou por acaso - e relata como está o mercado de dublagem no Brasil. Ele conta, também, sobre ter recebido a medalha Monumento Nacional ao Imigrante. Trata-se da maior honraria concedida pelo município de Caxias do Sul, e reconhece relevantes serviços prestados à comunidade.
No Brasil, dublagem do ator dos Estados Unidos é feita por Motta
IMAGEM FILMES/DIVULGAÇÃO/JC
Jornal Cidades - O que significou para você receber a medalha Monumento Nacional do Imigrante?
Luiz Feier Motta - Eu me senti muito honrado por esse reconhecimento. Sou o único caxiense dublador. De Porto Alegre nós tivemos vários, de Santa Maria, mas, de Caxias do Sul, eu sou o único. E já há uma carreira aí de mais de 40 anos, né? Então, essa homenagem, essa honraria, me emocionou e me senti gratificado por ter recebido a medalha, por esse reconhecimento, principalmente, do meu trabalho com relação ao esporte. Aquela cena de Rocky Balboa, quando ele chama o garoto, o filho dele, para dar uma enquadrada no moleque, que estava sem foco. Essa cena motivacional é muito usada antes de partidas de basquete, de futebol, para dar energia aos atletas. É uma cena que se transformou num vídeo motivacional para os atletas. Por isso, inclusive, que a indicação da medalha veio da Secretaria de Esporte e Lazer da cidade.
Cidades - Sobre a sua carreira, você já contou que era bancário e foi convidado a fazer um teste. E, a partir dele, decidiu ingressar no ramo, correto?
Motta - Na verdade, eu fazia teatro amador aqui em Caxias, no grupo Ribeiro Cancella (André Ribeiro Cancella era o fundador). Ele fundou o Teatro de Emergência em Porto Alegre. Pelo incentivo do próprio diretor, na época do nosso grupo, ele me disse "poxa Luiz, tenta seguir isso profissionalmente, você tem talento pra isso". Aí fui ao Rio de Janeiro para participar de um curso, na época o curso Jaime Barcelos (ator). Mandei uma cartinha pra lá, eles mandaram um livro com os monólogos, eu preparei um deles e fui me apresentar. Em fevereiro de 1981, no Teatro da Galeria, lá no Flamengo, no Rio de Janeiro.
Era um concurso nacional, o teatro estava lotado, gente de todo o Brasil lá, e eu fiquei em primeiro lugar. Então, foi isso que me motivou a abandonar tudo em Caxias do Sul e ir de mala e cuia pro Rio de Janeiro e me dedicar ao teatro, à televisão Depois, eu procurei a dublagem e rádio. Eu trabalhei a minha vida inteira dublando, como radialista e também locução comercial e em TV.
Cidades - Você assumiu o lugar de dois grandes dubladores nacionais, o André Filho (falecido, era a voz do Super-Homem) e do Isaac Bardavid (falecido, era a voz de Wolverine). Como foi para você essa experiência?
Motta - Eram dois grandes amigos meus, de visitar em casa, conviver mesmo. Eu me senti honrado com isso. Em relação ao André, foram feitos testes pra ver quem assumiria o (Sylvester) Stallone, né? A partir disso, em 1992, eu comecei a dublar ele no filme Risco Total. Eu ganhei o teste porque a minha voz era muito parecida com a do André. Quem não conhecia nem percebeu a troca (risos). E o Wolverine, com o Issac, essa foi uma consequência. Já tinha dublado o personagem em X-Man Evolution. Como eu já tinha feito o teste e o Bardavid também acabou falecendo, assumi o lugar para o filme do Deadpool.
Cidades - E como é a preparação para dublar um personagem?
Motta - Não há preparo nenhum, Nós chegamos no estúdio, recebemos o personagem e a referência é o original. Então, eu chego, olho a cena e essa é a referência. Eu tenho que imitá-lo. Se eu puder melhorar, ótimo. Mas a ideia é imitar o que o ator fez. Antigamente, você ficava o dia inteiro dublando e saia de um estúdio para outro na Herbert Richers (estúdio de produção de dublagem brasileiro), não tinha como se preparar. Era uma hora para um filme, outras duas para outro. Você ficava o dia dublando. Olha a cena, o texto, vê quem é o personagem e aplica a voz em cima.
Cidades - O que significou para você assumir como voz oficial do Sylvester Stallone no Brasil?
Motta - O Stallone tem meu respeito profundo por ser um ator que nunca parou. Desde o princípio ele faz um a dois filmes por ano. Eu acho que é o mais longevo de toda a história do cinema, né? Ele nunca parou. Ele está em atividade com 78 anos. Qual é o ator que fez isso na história do cinema mundial? Eu acho que nenhum. Ele é o ícone nesse aspecto. Até porque eu dublei mais filmes do Stallone do que qualquer outro ator. Então, é o cara que tá no número um da minha lista e eu tenho muito respeito.
Cidades - E há algum ator que você ainda não dublou e gostaria de ter feito a dublagem?
Motta - Não tenho esse tipo de preferência. O dublador é o escravo da voz. Então, pra quem trabalha com isso, não tem como escolher. Nunca me ofereci pra dublar isso ou aquele ator. Eu sempre fui convidado. Isso é o que importa para mim.
Cidades - Sobre o futuro da dublagem, o streaming ajudou os dubladores? E você acha que existe um preconceito quanto ao filme dublado no Brasil?
Motta - O streaming alavancou o trabalho, pois tivemos acesso a filmes coreanos, franceses, poloneses, russos, uma coisa que não acontecia. Era só cinema americano, um outro francês, um outro alemão, um outro italiano. Isso, sem dúvida, movimentou o mercado. Mas me preocupo em relação à formação de novos bons dubladores. Porque, como dizem assim, em dublagem não existe "pistolão" (quando o profissional é indicado por alguém influente). O pistolão é o seu talento. Não tem como fazer indicação. O seu talento é que vai abrir portas. Você tem que mostrar que é capaz. Tem que ter paciência, né? Muita gente se formou ontem num cursinho e já quer dublar o personagem principal.
Sobre o preconceito, isso é de 0,001% da população. Geralmente ,vem de quem domina o inglês. Mas, quem não domina, o que adianta assistir inglês?. Um filme legendado, por exemplo, você precisa se concentrar na legenda e perde a imagem. Você fica 50% atento à legenda e perde 50% da imagem. Por isso, você assiste o filme pela metade. Já no (filme) dublado, não. Então, eu acho que o filme dublado tem a sua vantagem e a sua aceitação hoje em função disso, facilitar a compreensão.
Alguns dos trabalhos de dublagem realizados no cinema e em animações
-> Dublador oficial de Sylvester Stallone, em filmes como Rambo, O Demolidor, Rocky Balboa e Os Mercenários;
-> James Bond, em três filmes de 007;
-> Wolverine, em Deadpool & Wolverine;
-> Narrador da animação As Meninas Superpoderosas;
-> Michael Jordan, em Space Jam e Looney Tunes;
-> Christopher Reeve, em três filmes do Superman (Superman: O Filme; Superman III e Superman: Em Busca da Paz) e mais nove obras;
-> Nicolas Cage, em Desejo Inconcebível e outros três filmes;
-> Senhor Incrível, na animação Os Incríveis;
-> Aquaman, em A Liga da Justiça;
-> John Creese, na série da Netflix Cobra Kai
-> Emprestou a voz para John Rambo no game Mortal Kombat 11 (PS4, Xbox One, Nintendo Switch e PC)