Roberta Fofonka

Empreendedora narra as práticas do campo nativo e preserva a cultura gaúcha como pilar do negócio

A livraria guardiã da memória serrana

Roberta Fofonka

Empreendedora narra as práticas do campo nativo e preserva a cultura gaúcha como pilar do negócio

A professora de História aposentada, Luciana Soares, 74 anos, virou empreendedora por causa da preservação da memória de sua terra. Ela fez questão de se certificar que os motivos para abrir a livraria Miragem, na avenida Júlio Castilhos, 811, no centro de São Francisco de Paula, entrariam na reportagem, antes de começar a contar.
A professora de História aposentada, Luciana Soares, 74 anos, virou empreendedora por causa da preservação da memória de sua terra. Ela fez questão de se certificar que os motivos para abrir a livraria Miragem, na avenida Júlio Castilhos, 811, no centro de São Francisco de Paula, entrariam na reportagem, antes de começar a contar.
Quem vê os três prédios imponentes que englobam café, salão de eventos e a livraria não imagina o quanto de história há por trás. A livraria tem três andares, uma réplica de galpão gaúcho, seção infantil, e, no último patamar, um sebo soturno com direito a piano e clima intimista. “A livraria tem passado, tem história, e por isso ela tem alma. É uma coisa que com muita força mantém os valores que existiam, da nossa cultura antiga”, assume.
Luciana considera que viu a identidade dos campos de cima da serra se perder após a lei que proibia a tradição serrana da queima do campo (Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965 - Código Florestal do RS). “A minha apreensão da destruição de tudo aconteceu. Hoje nós não temos mais nenhuma identidade. Perdemos tudo. E nós éramos uma das cidades mais gaúchas do Rio Grande do Sul”, pondera. A descaracterização do gaúcho, segundo ela, foi motivo suficiente para abrir o seu negócio voltado para a preservação destes valores. Hoje um ponto turístico do município, a livraria com vasto acervo atrai visitantes de vários lados do mundo.
ROBERTA FOFONKA/ESPECIAL/JC
Foto: Roberta Fofonka/Especial/JC
Sob o balcão onde se acertam as compras, está uma fotografia dos campos verdes, quinze dias após o rito da queima do campo, realizado pelos serranos para revigorar o solo. “Por que nós queimávamos campo? Porque a geada queimava o pasto, que era seco e não prestava para nada, só para dar incêndio. Então, no mês de agosto, nós fazíamos uma linha de fogo que o vento ia tocando. Era um fogo pela altura da canela, passava em cima de carteira de cigarro e só queimava o celofane. Essa prática bicentenária que era responsável por manter todo o ecossitema e a nossa cultura, a cultura dos campos de cima da serra”, descreve. A interrupção da queima do campo e o desencorajamento da pecuária extensiva, até então principal atividade econômica do município, se deu concomitante à aparição das plantações de monocultura de pinus nos campos. O pinus, sendo seco, queimaria com a prática tradicional. “Agora já desfizeram a lei, mas o efeito dela é para sempre”, lamenta.
Para Luciana, manter a paisagem com a prática milenar vai além de preciosismo para atravessar o jeito de viver das pessoas daquela época. A paisagem era importante pelo estilo de vida que proporcionava. “Não só porque era bonita, esta paisagem era importante pelo silêncio grandioso. Nesse ambiente, era impossível que não se fizesse uma introspecção e, nessa introspecção, nós buscávamos os valores nos quais nos apoiávamos para viver. Dentre eles, tínhamos a noção real e clara de que nós éramos um pontinho nessa imensidão. E vinha daí a nossa concepção de mundo e nosso desejo de preservar isso”, considera. Na livraria um pouco deste silêncio pode ser encontrado, entre os móveis de madeira e os ambientes que convidam à contemplação. 
ROBERTA FOFONKA/JC
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