Caroline da Silva
Ao retratar uma Brasília permeada por corrupções, colocando em cena somente personagens-chave do sexo feminino (senadoras, ministras, assessoras e jornalistas), Gustavo Acioli utiliza o tom satírico para a narrativa de Mulheres no poder, apostando em um humor refinado para incomodar o espectador. "O argumento já surgiu como sátira e foi isso que me moveu a fazer o filme", conta o diretor.
O roteiro foi escrito entre 2009 e 2010 e filmado em 2014. Acioli diz que suas maiores influências para o longa foram o seriado O Bem Amado (dos anos 1980) e o programa Viva o Gordo. "Sempre acompanhei a política muito atentamente. É o meu assunto favorito. Por isso, já tinha na cabeça uma coleção de fatos e conceitos que queria citar ou piadas que queria fazer. Parte da história foi construída em função dessas piadas, para criar um contexto para elas."
Na carreira, o realizador tinha somente um longa anterior, Incuráveis (2001), um drama protagonizado por Dira Paes. Na mente de Acioli, a senadora Maria Pilar, que se envolve em um esquema para burlar uma licitação pública de um projeto nacional, foi moldada para a mesma atriz. "Escrevi pensando na Dira, imaginando a Dira em cena e torcendo para que ela aceitasse quando lesse o roteiro, porque ela poderia não aceitar, né?", brinca. "Dira Paes é a maior atriz de cinema do Brasil. Vejo a participação dela como uma chancela, em muitos sentidos", avalia o diretor do título, que também conta com produção da intérprete.
O cineasta comenta ainda a relação da produção com os espectadores: "Já assisti a várias sessões com público e tenho certeza da sua comunicabilidade. Em comédia, não existe espaço para dúvidas, ou as pessoas riem, ou não riem, e, neste filme, elas riem. Minhas expectativas são as melhores possíveis, mas o mercado é muito complexo. Só tenho certeza de que vai ter boca a boca".
Apesar da distribuição da Downtown Filmes e Paris Filmes, o longa entrou em cartaz na última quinta-feira em pequeno circuito, 14 salas (em São Paulo, Rio de Janeiro, São Gonçalo, Belo Horizonte, Recife, Salvador, Porto Alegre e Santa Cruz do Sul). O título é uma coprodução entre Lavoro Produções, Afinal Filmes e Canal Brasil, com patrocínio da Petrobras, Klabin, Inagro, Barudan e Fundo Setorial do Audiovisual. A estreia contou com recursos inclusivos de audiodescrição, legendas e Libras, por meio do aplicativo MovieReading.
Em Mulheres no poder, Dira Paes interpreta Maria Pilar, uma jovem e carismática senadora, reverenciada em sua terra natal. Em meio à vida palaciana de Brasília, ela articula seus esquemas com charme e bom humor. Em entrevista, a atriz fala sobre a importância deste papel:
JC - Panorama - Este é o segundo longa de Gustavo Acioli e, justamente, tua segunda parceria com ele. Tu também és produtora associada do filme. A tua aposta é no bom trabalho do diretor ou por julgar importante um roteiro que aborde a política feita em Brasília?
Dira Paes - As duas razões. O Acioli é um grande estudioso do Brasil. Ele se concentra muito na política. Admiro pessoas com essa dedicação. E acho que se trata de um roteiro muito atual. O filme acaba sendo uma forma de introduzir o público ao assunto de forma bem-humorada. E a Maria Pilar foi um presente para mim. Uma oportunidade única para fazer um escracho das situações do ambiente político brasileiro. O filme é uma comédia na qual você está rindo do reflexo da sociedade. É um passeio que estrutura como funciona o lobby, o tráfico de influência e todo o esquema de corrupção.
Panorama - Teus dois papéis no momento têm relação com política, porém são antagônicos. A senadora Maria Pilar representa a corrupção de Brasília, e a professora Beatriz (da novela Velho Chico, no ar na Globo) é uma mulher justa, que luta pelos direitos da comunidade e ainda vai ter uma relação com um vereador local (personagem de Irandhir Santos). É importante para o artista mostrar ao público essa faceta do País? Individualmente, é gratificante poder interpretar os dois lados dessa moeda?
Dira - Com certeza. A Beatriz é o contrário da senadora Maria Pilar, ela é o símbolo daquela mulher que não tem interesses, a não ser o de melhorar a vida de seus alunos. Ela não tem interesses próprios em relação a isso. Então, eu acho que elas são opostas, sim. Estou muito feliz em fazer a Beatriz, porque esse, sim, é um personagem que está muito atual, a valorização das pessoas que realmente transformam e se doam para transformar a realidade para melhor.
Panorama - A tua interpretação no filme é quase caricatural, calcada em certos exageros, além de ter uma certa sensualidade. Essas tuas duas características foram mais vistas na TV do que no cinema. Como atriz, para o filme, o que norteou a tua construção da personagem?
Dira - A política é muito importante no meu cotidiano. E não é de hoje: há 10 anos, faço parte de uma Organização Não Governamental, a ONG Humanos Direitos. Vivi uma vida inteira dedicada a esse assunto. Essa vivência foi fundamental na hora de viver a Maria Pilar. Acho que a minha inspiração para a construção da personagem é dentro de um cenário humano que é você ter a opção de ir pela idoneidade e honrar as pessoas que votaram ou pensar em si mesmo e pensar nos privilégios próprios. Infelizmente, a senadora Maria Pilar optou pelo lado B, o lado que não honra o cargo público que ocupa.