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Colunas

- Publicada em 06 de Julho de 2012

Painel romano

Woody Allen costuma falar do mundo e dele mesmo. As narrativas por ele propostas, ao mesmo tempo em que lançam um olhar irônico e divertido sobre a sociedade contemporânea, estão repassadas de toques autobiográficos. É uma forma que o cineasta encontrou para ser crítico e expor ao público os elementos essenciais do processo que o anima como criador. O diretor, nos últimos tempos, tem escolhido cenários diferentes de Nova Iorque. Depois de Londres, Barcelona e Paris, este criador de comédias, e que por vezes é também capaz de realizar dramas poderosos, como Match Point, agora chega a Roma, para prestar não apenas homenagem à cidade, porque também deixa clara a influência que teve em sua filmografia de muitos filmes italianos. Para Roma com amor é um filme formado por quatro histórias. Elas são narradas paralelamente, mas o filme mesmo assim é uma homenagem a um gênero que, nos anos 1960 e 1970, os italianos exploraram com certa assiduidade: o do filme integrado por várias histórias, cada uma realizada por um diretor. Além disso, estão presentes em muitas passagens elementos do neorrealismo, como na história da recém-casada que se perde na cidade, e também alusão a Fellini, a quem Allen já tinha homenageado em Memórias. O cineasta, desde que iniciou a carreira, vem realizando um filme por ano e seu novo trabalho é mais uma peça a enriquecer uma obra que é uma das exceções no panorama atual do cinema norte-americano, cuja integridade vem sendo defendida por poucos. 

O próprio diretor volta a atuar, aparecendo em cena como um encenador americano de óperas, que viaja para visitar a filha. Uma surpresa o aguarda e o faz voltar à ativa, quando descobre um tenor de chuveiro de voz notável, mas que não consegue cantar num teatro. É uma forma de Allen falar de um recente episódio em sua vida, quando, depois de muita insistência de Plácido Domingo, viajou até a Califórnia para dirigir uma versão de Gianni Schicchi, de Puccini, ópera em um ato e que integra um tríptico completado por Il tabarro e Soror Angelica. William Friedkin, o realizador de Operação França e O exorcista, dirigiu as outras duas. A plateia aplaudiu durante vários minutos a encenação, e a crítica foi pródiga em elogios. Agora, em Roma, o cineasta se transforma num encenador vanguardista, capaz de transformar os personagens do Rigoletto em ratos e praticar outras ousadias, uma delas, registrada pelo filme, contra uma ópera de Leoncavallo. Não é a primeira vez que o cineasta satiriza correntes vanguardistas, voltando a realçar o ridículo de certas assim chamadas experiências renovadoras. Para Roma com amor começa numa manhã e termina numa noite festiva. O painel é amplo e permite que sejam colocados novamente na tela os temas fundamentais da obra do cineasta, como a angústia diante da morte e as perplexidades e os desconfortos gerados por deformações as mais diversas.

A referência ao neorrealismo é feita na história da noiva perdida e que vai parar num set de filmagem, quando se transforma na provável vítima de um canastrão, um especialista em explorar a ingenuidade de algumas espectadoras, mas que será surpreendido por um acontecimento inesperado. Há também o homem comum transformado em celebridade, numa sátira impiedosa à televisão e também uma oportunidade para colocar em cena outra vez os paparazzi de A doce vida, filme no qual Fellini e seus roteiristas criaram o termo. E na história do arquiteto que aparece dando conselhos a um jovem, é como se o protagonista voltasse à sua juventude e, com a experiência acumulada, orientasse seus próprios passos, procurando livrar o jovem da influência do pedantismo e da desorientação, uma volta a Sonhos de um sedutor, filme escrito e interpretado por Allen e dirigido por Herbert Ross, no qual Humphrey Bogart ressurgia para orientar o protagonista e até mesmo permitindo a ele vivenciar a cena final de Casablanca. Mas aqui se faz presente a crítica ao mais velho. O novo filme de Woody Allen é também uma forma de fazer a tela brilhar com as cores da vida e lembrar que o humor é algo vital e necessário.