As relações entre cinema e teatro, nem sempre são harmoniosas, mesmo que as duas formas de arte pareçam tão próximas. As semelhanças não são tão estreitas quanto possam parecer a um primeiro olhar. São vários exemplos de grandes diretores de teatro que ao realizarem filmes não conseguiram deixar sua marca, até porque seus trabalhos costumam cair no esquecimento. Mas há realizadores que, atuando nas duas áreas, deixaram vários exemplos de que sabiam perfeitamente as diferenças entre as duas formas de expressão. Os filmes de Elia Kazan e Luchino Visconti, por exemplo, sempre evidenciaram que os realizadores eram homens de teatro, mas estão, ao mesmo tempo, alguns deles, entre os maiores que o cinema produziu. O cinema também registra alguns momentos em que as duas artes alcançaram momentos memoráveis, nos momentos em que a mais antiga delas forneceu a origem do material filmado, como na trilogia shakespeariana de Laurence Olivier, ou então quando o teatro teve seu ritual exaltado nos filmes sobre o czar Ivan realizados por Serguei Eisenstein. Isso sem esquecer Joseph L. Mankiewicz, o realizador de Júlio César e Jogo Mortal. Uma das diferenças básicas é a questão da interpretação. George Cukor dizia que o ator, em cinema, nunca deveria interpretar e sim explorar as aproximações entre sua presença física e o personagem vivido diante da câmera. Cinema seria atitude, nunca interpretação. Nesse sentido, embora sem contar com a presença do ator e sim com sua imagem, o cinema é mais realista que o teatro.
Não é a primeira vez que Roman Polanski se aproxima do teatro. Ele já dirigiu, no palco, uma versão da ópera Rigoletto, de Verdi, e levou para o cinema Macbeth, de Shakespeare. Também não é a primeira vez que ele filma uma peça com um reduzido número de personagens, já que havia levado ao cinema A morte e a donzela, de Ariel Dorfman. Curiosamente, naquela peça e também no filme de Polanski, o quarteto com o mesmo nome, de Schubert, exercia um papel importante na trama. E agora o que temos em cena é um quarteto, no qual os instrumentos musicais estão ausentes e as dissonâncias, quando não a agressividade completamente descontrolada, dominam a cena. O cenário, com exceção de um prólogo e de um epílogo, é sempre o apartamento de um dos casais, onde os personagens se reúnem depois de uma agressão entre os filhos. O Deus da carnificina, baseado numa peça de Yasmina Reza, com roteiro da própria autora, é mais uma incursão de Polanski a um mundo oculto por convenções e protocolos, por rituais destinados a encobrir frustrações. Ele não faz qualquer esforço para esconder a origem teatral do argumento filmado, enquanto utiliza recursos cinematográficos, sem se afastar do cenário, para acentuar o tema do regresso da violência oculta e da agressividade prisioneira das convenções.
Desde a cena inicial, primeiros planos do rosto de um dos envolvidos antecipam o que irá acontecer mais tarde: um espetáculo de agressividade e descontrole emocional, que aos poucos vai dominar a cena. A coleção de livros de arte quase destruída é um símbolo que o diretor sabe valorizar através da imagem, mas não tanto quanto o papel do celular, esse instrumento valioso transformado pelo uso inadequado numa praga moderna. Intervindo na ação como se fosse um quinto personagem, ele termina causando uma das tantas explosões que o filme registra e até mesmo se transformando numa espécie de comandante de toda a ação no epílogo. Contando com um excelente quarteto de intérpretes, Polanski se mantém fiel a um cinema voltado para a descoberta daqueles impulsos violentos que os indivíduos tentam manter prisioneiros, mas por vezes se revelam e passam a agir de maneira a expor tudo que havia sido reprimido. O cineasta de O bebê de Rosemary continua a ser fiel a sua temática. O diretor certamente viu na peça de Reza os temas principais de sua obra.