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Colunas

- Publicada em 27 de Abril de 2012

Descobertas e fragilidades

São tantos os caminhos escolhidos pelo diretor David Cronenberg em Um método perigoso que se torna possível afirmar que ele, de certa forma, se opõe à proposta de John Huston em Freud, além da alma, filme realizado em 1962, um dos melhores trabalhos daquele mestre. Enquanto Huston procurou a síntese, transformando o protagonista em personagem central de uma autoinvestigação que o leva a descobertas fundamentais, Cronenberg divide a atenção por três figuras: o próprio Freud, Carl Jung e Sabine Spielrein. Seduzido pela grande aventura intelectual dos pioneiros, Cronenberg expandiu o olhar e talvez por isso não tenha atingido a mesma profundidade de Huston. Mas realizou, sem dúvida, um filme interessante, mais um a se colocar entre os resistentes às banalidades que ainda não dominam completamente o cinema contemporâneo. Seu novo filme desenvolve o tema edipiano, na medida em que olha para o conflito entre pai e filho, ou professor e discípulo, acompanha o drama decorrente do choque entre instinto e civilização, focaliza as resistências sempre encontradas pelos descobridores - e não são gratuitas as menções a Colombo e Galileu - e até coloca em cena, através do médico Otto Gross, a figura do Id a surgir como uma espécie de voz interior de Jung, homem de família constituída e a um passo de ceder à tentação do proibido.

O filme é mais um título na filmografia de um cineasta que sempre andou em busca do oculto pelas normas civilizadas. O cinema de Cronenberg é voltado para gêneros com o policial e a fantasia, nos quais é estimulada a operação destinada a colocar em cena aspectos sombrios da natureza humana. Nos últimos tempos, Cronenberg tem se aproximado de um realismo cênico no qual se incorporam, sem deformá-lo, transgressões e fantasias. Um exemplo é a cena de abertura de Um método perigoso, na qual em plena crise Sabine é internada numa clínica. É uma abertura na qual vemos a agressividade humana sendo contida com rudeza: estão ali representadas as bruxas prestes a ser queimadas pela Inquisição, a menina do filme O exorcista, de William Friedkin, o personagem vivido por Jack Nicholson em O iluminado, de Stanley Kubrick, e tantas outras figuras cuja aparência e comportamento configuram em cena a inconformidade diante das limitações impostas pela civilização. Logo a seguir, com a entrada em cena de Jung, então discípulo e admirador de Freud, o lado racional se impõe e a palavra passa a ser utilizada como instrumento e guia.

Cronenberg permanece fiel à sua temática. Não é apenas na participação do médico Otto, que o oculto se revela. O próprio Freud se recusa, numa cena, a narrar para Jung um sonho, pois este revelaria suas fragilidades e abalaria sua autoridade de mestre. Em outro momento, ao ser contestado pelo discípulo, o pai simbólico desmaia diante do filho. Cronenberg acerta na síntese que visualmente faz de Jung. Este homem de gestos contidos e aparência de indivíduo enquadrado nas regras civilizatórias é visto em cenas nas quais o sadismo predomina e a violência se torna explícita, como se o pai de Sabine retornasse. O filme, portanto, procura expor não apenas o papel que seus protagonistas tiveram em descobertas essenciais sobre o comportamento humano. Volta-se também para as fragilidades e os gestos comandados por impulsos decorrentes de conflitos. No entanto, a aproximação com tantos temas parece fragilizar o filme, na medida em que alguns deles não surgem de maneira a formarem imagens mais sólidas e luminosas. O já citado Huston foi mais profundo. Cronenberg, no entanto, através de Sabine, mostra ao espectador que o equilíbrio emocional pode ser encontrado através da busca das causas e das raízes. Mas seu olhar é duro e crítico. As complexidades humanas formam a temática preferida do cineasta, que encontrou nos personagens que focaliza os elementos que comprovam que o oculto comanda as ações dos indivíduos, algo que os protagonistas do filme descobriram ao percorrer terras então desconhecidas.